CHAYÊ SARA

Posted on novembro 23, 2016

CHAYÊ SARA

Uma Viagem de Mil Milhas

Uma parceria da Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema com o escritório do Rabino Jonathan Sacks (The Office of Rabbi Sacks)

Nossa parashá contém a descrição mais serena da velhice e da morte do que em qualquer outro episódio na Torá: “Então Abraão deu seu último respiro e morreu em boa velhice, um idoso avançado em anos; E ele foi juntado ao seu povo” (Gen. 25:8). Há um versículo anterior, não menos emocionante: “Abraão era idoso, bem avançado em anos, e D-s abençoou Abraão com tudo” (Gen. 24:1).

Essa serenidade não era o único dom de Abraão. Rashi ficou intrigado com a descrição de Sarah – “Sarah viveu até os 127 anos de idade: [Estes foram] os anos da vida de Sarah” (23:1). A última frase parece completamente supérflua. Por que não apenas nos dizer que Sarah viveu até a idade de 127? O que se acrescenta dizendo que “estes foram os anos da vida de Sarah”? Rashi é forçado a concluir que a primeira metade do versículo fala sobre a quantidade de sua vida, quanto tempo ela viveu, enquanto o segundo nos fala sobre a qualidade de sua vida. “Eles – os anos que ela viveu – foram todos iguais em bondade”.

Mas como isso é concebível? Abraão e Sara foram ordenados por D-s a deixar tudo o que era familiar: sua terra, sua casa, sua família e viajar para uma terra desconhecida. Mal chegaram eles foram obrigados a sair por causa da fome. Por duas vezes a vida de Abraão esteve em risco quando, empurrado para o exílio, preocupou-se que ele fosse morto para que o governante local pudesse levar Sarah ao seu harém. A própria Sarah tinha que dizer que era irmã de Abraão, e teve de sofrer a indignidade de ser levada para a casa de um estranho.

Depois houve uma longa espera por uma criança, tornada ainda mais dolorosa pela repetida promessa Divina de que teriam tantos filhos quanto as estrelas do céu ou o pó da terra. Depois veio o drama do nascimento de Ismael para Hagar, a serva de Sarah. Isso agravou a relação entre as duas mulheres, e ao final Abraão teve que afastar Hagar e Ismael. De uma forma ou de outra, isso era uma fonte de dor para as quatro pessoas envolvidas.

Então houve a agonia do sacrifício de Isaac. Abraão foi confrontado com a perspectiva de perder a pessoa mais preciosa para ele, a criança que ele tinha esperado por tanto tempo. De uma forma ou de outra, nem Abraão nem Sarah tiveram uma vida fácil. Eram vidas de provação, em que sua fé foi testada em muitos pontos. Como Rashi pode dizer que todos os anos de Sarah foram iguais em bondade? Como a Torá pode dizer que Abraão foi abençoado com tudo?

A resposta é dada pela própria parashá, e é muito inesperada. Sete vezes a terra foi prometida a Abraão. Aqui é apenas uma dessas ocasiões:

O Senhor disse a Abrão depois que Lot se afastou dele: “Levante os olhos e, do lugar em que está agora, olhe para o norte, para o sul, para o leste e para o oeste. Toda a terra que vês, eu darei a ti e a tua descendência para sempre… Vá, andai pelo comprimento e pela largura da terra, porque Eu vos darei” (Gen. 13:14-17).

No entanto, quando Sarah morre, Abraão não tem terra, e é forçado a prostrar-se diante dos hititas locais e implorar permissão para adquirir um único campo com uma caverna para enterrar sua esposa. E ainda assim ele tem de pagar o que é claramente um preço muito inflacionado: quatrocentos siclos de prata. Isso não soa como o cumprimento da promessa de “toda a terra, norte, sul, leste e oeste”.

E então, em relação aos filhos, é prometido a Abraão quatro vezes: “Eu vos farei uma grande nação” (12:2). “Farei a vossa descendência como o pó da terra” (13:16). D-s “levou [Abram] para fora e disse: ‘Olhe para o céu e conte as estrelas. Veja se você pode contá-las’. [D-s] ​​então disse-lhe: ‘Assim será a tua descendência’” (15:5). “Não mais será chamado Abrão. Teu nome se tornará Abraão, porque eu te constituí como o pai de muitas nações” (17:5).

No entanto, ele teve que esperar tanto tempo até mesmo por um único filho de Sarah que quando D-s insistiu que ela realmente teria um filho, ambos Abraão (17:17) e Sarah (18:12) riram (Os sábios diferenciaram esses dois episódios, dizendo que Abraão riu de alegria e Sarah com descrença. Em geral, em Gênesis, o verbo tz-ch-k, rir, é cheio de ambiguidade).

De uma forma ou de outra, se pensarmos em filhos ou na terra – as duas principais promessas Divinas para Abraão e Sarah – a realidade ficou muito aquém do que eles poderiam ter sentido com direito a esperar.

Isso, no entanto, é precisamente o significado e a mensagem de Chayê Sarah. Nela, Abraão faz duas coisas: compra o primeiro lote na terra de Canaã e organiza o casamento de Isaac. Um campo e uma caverna eram, para Abraão, suficientes para o texto dizer que “D-s abençoou Abraão com tudo”. Um filho, Isaac, então casado e com filhos (Abraão tinha 100 quando Isaac nasceu, Isaac tinha sessenta quando os gêmeos, Jacob e Esaú, nasceram, e Abraão tinha 175 anos quando morreu) foi suficiente para que Abraão morresse em paz.

Lao-Tzu, o sábio chinês, disse que uma viagem de mil milhas começa com um único passo. A isso o judaísmo acrescenta: “Não é para você completar a obra, mas você não é livre para desistir dela” (Avot 2:16). O próprio D-s disse a Abraão: “Pois eu o escolhi, para que ele dirija seus filhos e sua casa depois dele, para guardar o caminho do Senhor, fazendo o que é certo e justo, para que o Senhor faça por Abraão o que Ele lhe prometeu” (Gen. 18:19).

O significado disso é claro. Se você garantir que seus filhos vão continuar a viver para o que você viveu, então você pode ter fé que eles vão continuar a sua viagem até que finalmente chegarão ao destino. Abraão não precisava ver toda a terra nas mãos dos judeus, nem precisava ver o povo judeu se tornar numeroso. Ele tinha dado o primeiro passo. Ele tinha começado a tarefa, e ele sabia que seus descendentes iriam continuar. Ele foi capaz de morrer serenamente porque tinha fé em D-s e fé que os outros completariam o que tinha começado. O mesmo certamente era verdade para Sarah.

Colocar sua vida nas mãos de D-s, ter fé de que tudo o que acontece com você acontece por uma razão, saber que você faz parte de uma narrativa maior e acreditar que outros continuarão o que você começou, é conseguir uma satisfação na vida que não pode ser destruída pelas circunstâncias. Abraão e Sarah tiveram essa fé e foram capazes de morrer com um sentimento de realização.

Ser feliz não significa que você tem tudo o que quer ou tudo o que lhe foi prometido. Significa simplesmente ter feito o que você foi chamado a fazer, ter feito um começo, e depois ter passado o bastão para a próxima geração. “Os justos, mesmo na morte, são vistos como se ainda estivessem vivos” (Berachot 18a), porque os justos deixam um traço vivo naqueles que vêm depois deles.

Isso foi suficiente para Abraão e Sarah e isso deve ser suficiente para nós.

 

Texto original: “A JOURNEY OF A THOUSAND MILES” por Rabino Jonathan Sacks.
Tradução Rachel Klinger Azulay para a Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema

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