BESHALACH

Posted on fevereiro 8, 2017

BESHALACH

O Poder de Ruach

Uma parceria da Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema com o escritório do Rabino Jonathan Sacks (The Office of Rabbi Sacks)

Em setembro de 2010, a BBC, a Reuters e outras agências de notícias relataram uma sensacional descoberta científica. Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas dos EUA e da Universidade do Colorado mostraram através da simulação computacional como a divisão do Mar Vermelho pôde ter ocorrido.

Usando modelagem sofisticada eles demonstraram como um forte vento leste, soprando durante a noite, poderia ter empurrado a água para uma curva onde se acredita que um rio antigo se fundia com uma lagoa costeira. A água teria sido guiada para as duas vias fluviais, e uma ponte de terra teria sido aberta na curva, permitindo que o povo atravessasse os planos de lama expostos. Assim que o vento se dissipou, as águas voltaram às pressas. Como disse o líder do projeto quando o relatório foi publicado: “As simulações combinam bastante com o relato em Êxodo”.

Portanto, agora temos provas científicas para apoiar o relato bíblico. Para sermos justos, um experimento muito semelhante foi feito há alguns anos por Colin Humphreys, Professor de Ciências Materiais da Universidade de Cambridge e Professor de Física Experimental na Royal Institution em Londres, em seu livro Os Milagres do Êxodo.

Para mim, porém, a verdadeira questão é do que realmente se trata o relato bíblico. Porque é justamente aqui que temos uma das características mais fascinantes da forma como a Torá conta suas histórias. Eis aqui a passagem-chave:

Então Moisés estendeu a sua mão sobre o mar, e toda aquela noite o Senhor levou o mar com um vento forte do leste e transformou-o em terra seca. As águas foram divididas, e os israelitas atravessaram o mar em terra seca, com um muro de água à sua direita e à sua esquerda (Ex. 14:21-22).

Essa passagem pode ser lida de duas maneiras. A primeira é que o que aconteceu foi uma suspensão das leis da natureza. Foi um evento sobrenatural. As águas estavam, literalmente, erguidas como uma parede.

O segundo é que o que aconteceu foi milagroso não porque as leis da natureza foram suspensas. Ao contrário, como mostra a simulação computacional, a exposição da terra seca em um determinado ponto no Mar Vermelho foi resultado natural do forte vento leste. O que fez parecer miraculoso é que isso aconteceu exatamente ali, quando os israelitas pareciam presos, incapazes de avançar por causa do mar, incapazes de voltar atrás por causa do exército egípcio que os perseguiam.

Há uma diferença significativa entre essas duas interpretações. A primeira apela ao nosso senso de admiração. Quão extraordinário o fato que as leis da natureza foram suspensas para permitir que um povo escapasse livre. É uma história que atrai a imaginação de uma criança.

Mas a explicação naturalista é maravilhosa em outro sentido. Aqui a Torá está usando o dispositivo da ironia. O que fez os egípcios da época de Ramsés tão formidáveis foi o fato de possuírem a última e mais poderosa forma de tecnologia militar, a carruagem puxada a cavalo. Isso os tornou imbatíveis e temidos em batalhas.

O que aconteceu no mar é justiça poética do tipo mais requintado. Há apenas uma circunstância em que um grupo de pessoas que viaja a pé pode escapar de um exército altamente treinado, ou seja, quando a rota passa por um leito de mar enlameado. O povo pôde atravessar, mas as rodas das carruagens ficaram presas na lama. O exército egípcio não pôde avançar nem recuar. Venta. A água retorna. Os poderosos são agora impotentes, enquanto os impotentes fizeram o seu caminho para a liberdade.

Essa segunda narrativa tem uma profundidade moral que a primeira não tem; e ela repercute com a mensagem do livro dos Salmos:

Seu prazer não está na força do cavalo,
Nem seu prazer está nas pernas do guerreiro;
O Senhor se deleita naqueles que O temem,
Que colocam sua esperança em Seu amor infalível (Salmo 147:10-11).

A maneira elegantemente simples na qual a divisão do Mar Vermelho é descrita na Torá serve para que possa ser lida em dois níveis bem diferentes, um como um milagre sobrenatural, o outro como um conto moral sobre os limites da tecnologia quando se trata da verdadeira força das nações: isso para mim é o que é mais impressionante. É um texto deliberadamente escrito para que a nossa compreensão dele possa se aprofundar à medida que amadurecemos, e já não estamos tão interessados ​​na mecânica dos milagres e sim ​​em como a liberdade é ganha ou perdida.

Por isso, é bom saber como a divisão do mar aconteceu, mas continua a haver uma profundidade para a história bíblica que nunca pode ser esgotada por simulações de computador e outras evidências históricas ou científicas, e, ao invés disso, depende de ser sensível à sua ambiguidade deliberada e delicada. Assim como ruach, um vento físico, pode partir as águas e expor a terra abaixo, assim ruach, o espírito humano, pode expor, sob a superfície de uma história, um significado mais profundo.

 

Texto original: “THE POWER OF RUACH” por Rabino Jonathan Sacks.
Tradução Rachel Klinger Azulay para a Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema

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