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Posted on agosto 9, 2017

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Por Que As Civilizações Fracassam

Qual é o verdadeiro desafio de manter uma sociedade livre? Na parashá Ekev, Moisés revela sua grande surpresa. Essas são suas palavras:

Tenha cuidado para não esquecer o Senhor seu D-s… Caso contrário, quando você comer e ficar está satisfeito, quando você construir casas bonitas e se estabelecer, e quando seus rebanhos crescerem e sua prata e ouro aumentarem e tudo que você tem for multiplicado, então seu coração ficará orgulhoso e você esquecerá o Senhor seu D-s, que o tirou do Egito, da terra da escravidão… Você pode dizer a si mesmo: “Meu poder e a força das minhas mãos produziram essa riqueza para mim” … Se você algum dia esquecer o Senhor seu D-s… Eu testemunho contra você hoje que você será certamente destruído (Deuteronômio 8:11-19).

O que Moisés estava dizendo para a nova geração foi isso: Vocês pensaram que os quarenta anos vagando no deserto foram o verdadeiro desafio, e que, uma vez tendo conquistado e se estabelecido na terra, seus problemas terão acabado. A verdade é que é então que o verdadeiro desafio começará. Será precisamente quando todas as suas necessidades físicas estiverem satisfeitas – quando vocês tiverem terra, soberania e ricas colheitas e casas seguras – que seu teste espiritual começará.

O verdadeiro desafio não é pobreza, mas prosperidade, não insegurança, mas segurança, não escravidão, mas liberdade. Moisés, pela primeira vez na história, está aludindo a uma lei da história. Muitos séculos depois ela foi articulada pelo grande pensador islâmico do século XIV, Ibn Khaldun (1332-1406), pelo filósofo político italiano Giambattista Vico (1668-1744) e, mais recentemente, pelo historiador de Harvard, Niall Ferguson. Moisés estava explicando o declínio e a queda das civilizações.

Ibn Khaldun argumentou de forma parecida que, quando uma civilização se torna grande, suas elites se acostumam ao luxo e ao conforto, e as pessoas em geral perdem o que chamou de asabiyah, sua solidariedade social. O povo então se torna presa de um inimigo conquistador, menos civilizado do que eles, mas mais coeso e focado.

Vico descreveu um ciclo semelhante:

“As pessoas primeiro sentem o que é necessário, depois consideram o que é útil, então se acostumam ao conforto, depois se deleitam com os prazeres, logo caem na luxuria e, finalmente, ficam loucos desperdiçando suas propriedades”.

Bertrand Russell descreveu isso de forma poderosa na introdução à sua História da Filosofia Ocidental. Russell pensou que os dois grandes auges da civilização foram alcançados na Grécia antiga e na Itália renascentista. Mas ele foi sincero o suficiente para ver que as características efetivas que as tornavam grandes continham as sementes de seu próprio fim:

O que aconteceu na grande era da Grécia aconteceu novamente na Itália renascentista: as restrições morais tradicionais desapareceram, porque foram vistas como associadas à superstição; a libertação dos limites tornou os indivíduos enérgicos e criativos, produzindo uma rara fluorescência de gênios; mas a anarquia e a traição, que inevitavelmente resultaram da decadência da moral, tornaram os italianos coletivamente impotentes, e eles caíram, como os gregos, sob o domínio de nações menos civilizadas do que elas mesmas, mas não tão destituídas de coesão social.

Niall Ferguson, em seu livro Civilização: o Ocidente e o Resto (2011), argumenta que o Ocidente passou a dominar por causa do que ele chama de seis “aplicações matadoras”: competição, ciência, democracia, medicina, consumismo e a ética de trabalho Protestante. Hoje, no entanto, está perdendo a crença em si mesmo e corre o risco de ser ultrapassado por outros.

Tudo isso foi dito pela primeira vez por Moisés, e forma um argumento central do livro de Devarim. Se vocês assumirem – ele diz para a próxima geração – que vocês ganharam por si mesmos a terra e a liberdade que vocês desfrutam, vocês vão crescer complacentes e auto satisfeitos. Isso é o início do fim de qualquer civilização. Em um capítulo anterior, ele usa a palavra gráfica venoshantem, “vocês envelhecerão” (Deuteronômio 4:25), significando que vocês não terão mais a energia moral e mental para fazer os sacrifícios necessários para a defesa da liberdade.

As desigualdades crescerão. O rico se tornará autoindulgente. O pobre se sentirá excluído. Haverá divisões sociais, ressentimentos, injustiças. A sociedade não estará mais coesa. As pessoas não se sentirão comprometidas entre si por um vínculo de responsabilidade coletiva. O individualismo prevalecerá. A confiança declinará. O capital social irá diminuir.

Isso aconteceu, mais cedo ou mais tarde, em todas as civilizações, por maior que fossem. Para os israelitas – um pequeno povo cercado por grandes impérios – seria desastroso. Como Moisés deixa claro ao final do livro, no longo relato das maldições que recairiam sobre o povo se perdessem suas condutas espirituais, Israel se veria derrotada e devastada.

Somente nesse contexto podemos entender o projeto importante que o livro de Devarim propõe: a criação de uma sociedade capaz de derrotar as leis normais do crescimento e declínio das civilizações. Essa é uma ideia surpreendente.

Como isso deve ser feito? Por cada pessoa assumindo e compartilhando a responsabilidade pela sociedade como um todo. Por cada um conhecendo a história de seu povo. Por cada indivíduo estudando e compreendendo as leis que governam todos. Ensinando seus filhos para que eles também se tornem letrados e articulados em sua identidade.

Regra 1: Nunca esqueça de onde você veio.

Em seguida, você sustenta a liberdade estabelecendo tribunais, o estado de direito e a implementação da justiça. Ao cuidar dos pobres. Ao garantir que todos tenham os requisitos básicos de dignidade. Ao incluir o solitário nas celebrações do povo. Ao lembrar a aliança diariamente, semanalmente, anualmente em ritual, e renová-la em uma assembleia nacional a cada sete anos. Ao certificar-se de que sempre há profetas para lembrar as pessoas do seu destino e expor as corrupções do poder.

Regra 2: Nunca se desvie de seus princípios e ideais fundamentais.

Acima de tudo isso é atingido ao se reconhecer um poder maior que nós mesmos. Esse é o ponto mais insistente de Moisés. As sociedades começam a envelhecer quando perdem a fé no transcendente. Elas então perdem a fé em uma ordem moral objetiva e acabam por perder a fé em si mesmas.

Regra 3: uma sociedade é tão forte quanto sua fé.

Somente a fé em D-s pode nos levar a honrar as necessidades dos outros e de nós mesmos. Somente a fé em D-s pode nos motivar a agir para o benefício de um futuro que não viveremos para ver. Somente a fé em D-s pode nos impedir de transgredir quando acreditamos que nenhum outro ser humano jamais descobrirá. Somente a fé em D-s pode nos dar a humildade que sozinha tem o poder de derrotar a arrogância do sucesso e o excesso de autoestima que leva, como Paul Kennedy argumentou em The Rise and Fall of the Great Powers (1987), ao exagero militar e à derrota nacional.

Ao final do seu livro Civilização, Niall Ferguson cita um membro da Academia Chinesa das Ciências Sociais, parte de uma equipe encarregada do desafio de descobrir por que a Europa, depois de estar atrás da China até o século XVII, a superou, alçando a proeminência e o domínio.

No início, disse ele, achamos que eram suas armas. Vocês tinham armas melhores do que nós. Então mergulhamos mais fundo e achamos que era seu sistema político. Em seguida, buscamos ainda mais fundo e concluímos que era seu sistema econômico. Mas nos últimos 20 anos percebemos que foi de fato sua religião. Foi a fundação (judaico-cristã) da vida social e cultural na Europa que possibilitou o surgimento, primeiro do capitalismo, e depois da política democrática.

Somente a fé pode salvar uma sociedade do declínio e da queda. Esse foi um dos maiores insights de Moisés, e nunca deixou de ser verdade.

 

Texto original: “WHY CIVILISATIONS FAIL” por Rabino Jonathan Sacks
Tradução Rachel Klinger Azulay para a Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema

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