TETZAVÊ

Posted on fevereiro 22, 2018

TETZAVÊ

Esmagado para Iluminar

Há vidas que são lições. O falecido Henry Knobil era uma dessas. Ele nasceu em Viena em 1932. Seu pai havia chegado na década de 1920 para escapar da crescente onda de antissemitismo na Polônia, mas, parecendo como Jacob fugindo de Esaú para Labão, descobriu que havia fugido de um perigo apenas para chegar a outro.

Após a Anschluss e a Kristallnacht ficou claro que, para a família sobreviver, eles deveriam partir dali. Eles chegaram na Grã-Bretanha em 1939, apenas algumas semanas antes de um destino diferente caso tivessem ficado. Henry cresceu em Nottingham, no centro da Inglaterra. Lá ele estudou sobre a indústria têxtil e, após servir no exército, foi trabalhar para uma das grandes empresas britânicas e, ao final, iniciando seu próprio negócio têxtil muito bem sucedido.

Ele era um judeu apaixonado e de fé e amava tudo sobre o judaísmo. Ele e sua esposa Renata eram um casal modelo, ativos na vida da sinagoga, sempre tendo convidados em casa para o Shabat ou para as festividades. Eu tive a oportunidade de conhecer Henry porque ele acreditava na retribuição para a comunidade, não somente com dinheiro, mas também com tempo e energia e liderança. Ele se tornou o presidente de muitas organizações judaicas, incluindo o national Israel (UJIA) appeal, os Amigos britânicos da Universidade Bar Ilan, o Jewish Marriage Council, a Câmara de Comércio britânica-israelense e a Sinagoga Western Marble Arch.

Ele adorava aprender e ensinar Torá. Ele era um bom contador de histórias com uma infinidade de piadas e usava regularmente seu humor para trazer “terapia de riso” para pacientes com câncer, sobreviventes do Holocausto e os moradores de casas de cuidados judaicas. Abençoado com três filhos e muitos netos, ele se aposentou e vislumbrava, com Renata, um sereno último capítulo de uma longa e boa vida.

Então, sete anos atrás, ele voltava do serviço da manhã na sinagoga encontrando Renata após ter sofrido um acidente vascular cerebral devastador. Durante um bom tempo, a vida dela estava suspensa por um fio. Ela sobreviveu, mas agora toda a vida do casal tinha que mudar. Eles se mudaram de seu magnífico apartamento no centro da cidade para um lugar com acesso mais fácil para cadeiras de rodas. Henry tornou-se o constante cuidador e suporte vital de Renata. Ele estava com ela dia e noite, atento a todas as suas necessidades.

A transformação foi surpreendente. Antes, ele tinha sido um obstinado homem de negócios e líder comunal. Agora ele se tornou um enfermeiro irradiando gentileza e cuidado. Seu amor por Renata e o dela por ele inundava a ambos em uma espécie de brilho que era tocante e altruísta. E ainda que ele, assim como Jó, poderia ter indagado os portões do céu para saber por que isso havia acontecido com eles, ele fez o contrário. Ele agradeceu a D-s diariamente por todas as bênçãos que eles haviam desfrutado. Ele nunca se queixou, nunca duvidou, nunca vacilou em sua fé.

Então, há um ano, ele foi diagnosticado com uma condição incurável. Ele tinha, e sabia que ele tinha, pouco tempo de vida. O que ele fez em seguida foi um ato supremo de determinação. Ele pediu uma coisa: receber a graça de viver durante todo o tempo que Renata estivesse viva, para que ela nunca estivesse sozinha. Três meses atrás, quando escrevo essas palavras, Renata morreu. Pouco tempo depois, Henry se juntou a ela. “Amados e agradáveis em suas vidas, e em sua morte indivisíveis” (1). Eu raramente vi um amor desses na adversidade.

Em um texto anterior eu escrevi sobre o poder da arte para transformar a dor em beleza. Henry nos ensinou sobre o poder da fé para transformar a dor em chessed, bondade com amor. A fé estava no cerne daquilo que ele representava. Ele acreditava que D-s o havia poupado de Hitler para um propósito. Ele também havia dado a Henry sucesso nos negócios para um propósito. Eu nunca o ouvi atribuir nenhuma de suas conquistas a si mesmo. Para tudo o que ia bem, ele agradecia a D-s. Para aquilo que não ia bem, a pergunta que ele fazia era simplesmente: o que D-s quer que eu aprenda com isso? O que, agora que isso aconteceu, Ele quer que eu faça? Essa mentalidade o conduziu durante os bons anos com humildade. Agora o conduziu durante os anos dolorosos com coragem.

Nossa parashá começa com as palavras: “Ordene os israelitas para trazerem azeite puro de oliva, esmagado para iluminar, para que a luz esteja sempre brilhando” (Ex. 27:20). Os sábios fizeram uma comparação entre a azeitona e o povo judeu. “O rabino Joshua ben Levi perguntou, por que Israel é comparado a uma azeitona? Assim como uma azeitona é amarga no início, e depois doce, assim também Israel sofre no presente, mas um grande bem é armazenado para eles no tempo por vir. E assim como a azeitona apenas produz seu óleo ao ser esmagada – como está escrito, ‘azeite puro de oliva, esmagado para iluminar’ – assim Israel cumpre a Torá [em seu pleno potencial] somente quando é pressionado pelo sofrimento” (2).

O óleo era, claro, para a menorá, cuja luz perpétua – primeiro no Santuário, depois no Templo, e agora que não temos Templo, a luz mais mística que resplandece de todo lugar sagrado, vida e ação – simboliza a luz Divina que inunda o universo para aqueles que a enxergam através dos olhos da fé. Para produzir essa luz, algo deve ser esmagado. E aqui está a lição que muda a vida.

Sofrimento é ruim. O judaísmo não faz nenhuma tentativa de esconder esse fato. O Talmud conta sobre vários sábios que ficaram doentes. Quando perguntados: “Seus sofrimentos são preciosos para você?”, eles responderam, “Nem eles nem sua recompensa” (3). Quando eles chegam a nós ou a alguém próximo a nós, podem nos levar ao desespero.

Alternativamente, podemos responder com resiliência. Podemos praticar o atributo de guevurá, força na adversidade. Mas há uma terceira possibilidade. Podemos responder como Henry respondeu, com compaixão, bondade e amor. Podemos nos tornar como a azeitona que, quando esmagada, produz o óleo puro que alimenta a luz da santidade.

Quando coisas ruins acontecem com pessoas boas, nossa fé é desafiada. Essa é uma resposta natural, não uma herética. Abraão perguntou: “O Juiz de toda a terra não fará justiça?” Moisés perguntou: “Por que Você fez mal a esse povo?” Ainda ao final, a pergunta errada a fazer é: “Por que isso aconteceu?” Nós nunca saberemos. Nós não somos D-s, nem devemos aspirar a ser. A pergunta certa é: “Dado que isso aconteceu, o que devo fazer então?” Para isso, a resposta não é um pensamento, mas uma ação. É para curar o que pode ser curado, medicamente no caso do corpo, psicologicamente no caso da mente, espiritualmente no caso da alma. Nossa tarefa é trazer luz para os lugares escuros da nossa vida e de outras pessoas.

Foi o que Henry fez. Renata ainda sofreu. Ele também. Mas seu espírito prevaleceu sobre seu corpo. Esmagados, irradiaram luz. Que ninguém imagine que isso é fácil. Requer um supremo ato de fé. No entanto, é precisamente aqui que sentimos o poder da fé para mudar vidas. Assim como a arte pode transformar a dor em beleza, uma fé tão grande pode transformar a dor em amor e luz sagrada.

 

NOTAS:
1) 2 Samuel 1:23.
2) Midrash Pitron Torá para Números 13:2.
3) Berachot 5b.

 

Texto Original: “CRUSHED FOR THE LIGHT” por Rabino Jonathan Sacks
Tradução Rachel Klinger Azulay para a Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema

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