VAYERÁ

Posted on novembro 16, 2016

VAYERÁ

O Milagre de um Filho

Uma parceria da Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema com o escritório do Rabino Jonathan Sacks (The Office of Rabbi Sacks)

Há um mistério no coração da existência judaica que está gravado nas primeiras sílabas do nosso registro do tempo. As primeiras palavras de D-s a Abraão foram: “Sai da tua terra, do seu lugar de nascimento e da casa de teu pai… E eu farei de você uma grande nação…” No capítulo seguinte há outra promessa: “Farei seus filhos como o pó da terra, de forma que se alguém pudesse contar o pó da terra, assim será contada a sua descendência”.

Dois capítulos mais adiante vem uma terceira promessa: “D-s o levou para fora e disse: ‘Olhe para os céus e conte as estrelas – se realmente puder contá-las’. Então Ele lhe disse: ‘Assim serão seus filhos’”.

Finalmente, a quarta: “Teu nome será Abraão, porque te fiz pai de muitas nações”.

Quatro promessas escaladas: Abraão seria o pai de uma grande nação, tão grande quanto o pó da terra e as estrelas do céu. Ele não seria o pai de uma nação, mas de muitas.

Mas qual era a realidade? No início da história, lemos que Abraão era “muito rico em gado, em prata e ouro”. Ele tinha tudo, menos uma coisa – um filho. Então D-s apareceu a Abraão e disse: “Sua recompensa será muito grande”.

Até agora, Abraão ficou em silêncio. Agora, algo dentro dele surge e ele pergunta: “Ó Senhor D-s, o que você vai me dar se eu permanecer sem filhos?” As primeiras palavras registradas de Abraão a D-s são um apelo para que haja gerações futuras. O primeiro judeu temeu que fosse o último.

Então nasce uma criança. Sarah dá a Abraão sua serva Hagar, na esperança de que ela vai dar-lhe um filho. Ela dá à luz uma criança cujo nome é Ismael, que significa “D-s ouviu”. A oração de Abraão foi respondida, ou assim pensamos. Mas no próximo capítulo, essa esperança é destruída. Sim, diz D-s, Ismael será abençoado. Ele será o pai de doze príncipes e uma grande nação. Mas ele não é filho do destino judaico, e um dia Abraão terá de se separar dele.

Abraão sofre profundamente por isso. Ele implora: “Se Ismael pudesse viver sob Sua bênção”. Mais tarde, quando Sarah expulsa Ismael, lemos que “Abraão se angustiou muito por causa de seu filho”. No entanto, o decreto permanece.

D-s insiste que Abraão terá um filho nascido de Sarah. Ambos riem. Como pode ser? Eles estão velhos. Sarah está em pós-menopausa. No entanto, contra a possibilidade, o filho nasce. Seu nome é Isaac, que significa “riso”.

Sarah disse: “D-s fez-me rir, e todo aquele que ouvir sobre isso rirá comigo”. E ela acrescentou: “Quem diria a Abraão que Sarah amamentaria crianças? Contudo lhe dei um filho na sua velhice”.

Finalmente, a história parece ter um final feliz. Depois de todas as promessas e orações, Abraão e Sara finalmente têm um filho. Depois vêm as palavras que, em todos os séculos que se seguiram, não perderam o seu poder de espanto:

Depois destas coisas, D-s testou Abraão. Disse-lhe: “Abraão!” “Aqui estou eu”, respondeu ele. Então D-s disse: “Toma o teu filho, o teu único filho, Isaac, a quem tu amas, e vai para a região de Moriá. Sacrificai-o ali como holocausto sobre um dos montes que eu vou te mostrar”.

Abraão leva seu filho, viaja por três dias, sobe a montanha, prepara a madeira, amarra seu filho, pega a faca e levanta a mão. Então uma voz é ouvida do céu: “Não ponha uma mão sobre o menino”. O julgamento terminou. Isaac vive.

Por que todas as promessas e decepções? Por que a esperança tão frequentemente levantada, tão frequentemente não cumprida? Por que retardar? Porquê Ismael? Por que a amarração para o sacrifício? Por que colocar Abraão e Sara em agonia de pensar que o filho por quem eles esperaram por tanto tempo está prestes a morrer?

Há muitas respostas em nossa tradição, mas uma transcende a todas as outras. Apreciamos o que esperamos e aquilo que é mais arriscado de se perder. A vida está cheia de maravilhas. O nascimento de uma criança é um milagre. No entanto, precisamente porque essas coisas são naturais, nós as damos por certas, esquecendo que a natureza tem um arquiteto, e a história um autor.

O judaísmo é uma disciplina sustentada em não tomar a vida por certa. Nós fomos o povo nascido na escravidão para que valorizássemos a liberdade. Nós fomos uma nação sempre pequena, para que pudéssemos saber que a força não está em números, mas na fé que gera coragem. Nossos antepassados ​​caminharam pelo vale da sombra da morte, para que nunca pudéssemos esquecer a santidade da vida.

Ao longo da história, os judeus foram convocados a valorizar os filhos. Todo nosso sistema de valor é construído sobre isso. Nossas cidadelas são escolas, nossa paixão, educação e nossos maiores heróis, os professores. O serviço do seder de Pessach só pode começar com perguntas feitas por uma criança. No primeiro dia do Ano Novo, não lemos sobre a criação do universo, mas sobre o nascimento de uma criança – Isaac para Sarah, Samuel para Haná. A nossa fé é supremamente centrada nos filhos.

É por isso que, na aurora da história judaica, D-s colocou Abraão e Sarah nessas provações – a longa espera, a esperança não cumprida, o sacrifício – de modo que nem eles, nem seus descendentes, jamais tomariam filhos como algo garantido. Toda criança é um milagre. Ser um pai e uma mãe é o mais próximo que chegamos de D-s – trazendo vida para a existência através de um ato de amor.

Hoje, quando muitas crianças vivem com pobreza e analfabetismo, morrem por falta de atenção médica porque aqueles que governam as nações estão focados em lutar as batalhas do passado ao invés de moldar um futuro seguro, é uma lição que o mundo ainda não aprendeu. Pelo bem da humanidade isso deve ser aprendido, pois a tragédia é vasta e já está tarde.

 

Texto original: “THE MIRACLE OF A CHILD” por Rabino Jonathan Sacks.
Tradução Rachel Klinger Azulay para a Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema

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