VAYSHLACH

Posted on dezembro 12, 2016

VAYSHLACH

A Jornada Judaica

Uma parceria da Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema com o escritório do Rabino Jonathan Sacks (The Office of Rabbi Sacks)

Por que Jacob é o pai do nosso povo, o herói da nossa fé? Nós somos “a congregação de Jacob”, “os filhos de Israel”. No entanto, foi Abraão quem começou a jornada judaica, Isaac que estava disposto a ser sacrificado, José que salvou sua família nos anos de fome, Moisés que liderou o povo do Egito e deu-lhe suas leis. Foi Josué que levou o povo para a terra Prometida, foi David que se tornou seu maior rei, Salomão que edificou o Templo, e os profetas, através dos séculos, que se tornaram a voz de D-s.

O relato de Jacob na Torá parece estar aquém dessas outras vidas, pelo menos se lermos o texto literalmente. Ele tem relacionamentos tensos com seu irmão Esaú, com suas esposas Rachel e Leah, com seu sogro Labão e com seus três filhos mais velhos, Reuben, Simão e Levi. Há momentos em que ele parece cheio de medo, outros em que ele age – ou pelo menos parece agir – com menos do que total honestidade. Em resposta ao Faraó diz de si mesmo: “Os dias da minha vida foram poucos e duros” (Gen. 47:9). Isso é menos do que poderíamos esperar de um herói de fé.

É por isso que muito da imagem que temos de Jacob é filtrada através da lente do midrash – a tradição oral preservada pelos sábios. Nessa tradição, Jacob é tudo de bom, Esaú tudo de ruim. Tinha que ser assim – argumentou R. Zvi Hirsch Chajes em seu ensaio sobre a natureza da interpretação midráshica – porque de outra forma acharíamos difícil extrair do texto bíblico um senso claro de certo e errado, bom e mal. A Torá é um livro excepcionalmente sutil, e os livros sutis tendem a ser mal compreendidos. Assim, a tradição oral tornou mais simples: preto e branco em vez de tons de cinza.

No entanto, talvez, mesmo sem o midrash, possamos encontrar uma resposta – e a melhor maneira de fazê-lo é pensar na ideia de uma viagem.

O judaísmo trata da fé como uma jornada. Começa com a jornada de Abraão e Sarah, deixando para trás “sua terra, seu lugar de nascimento e a casa de seu pai” e viajando para um destino desconhecido, “a terra que eu te mostrarei”.

O povo judeu é definido por uma outra viagem em uma era diferente: a jornada de Moisés e os israelitas, do Egito através do deserto, para a Terra Prometida.

Essa jornada é repetida monotonamente na parashá de Massê: “Eles deixaram X e acamparam em Y. Eles deixaram Y e acamparam em Z”. Ser judeu é se mover, viajar e raramente, ou nunca, estabelecer-se. Moisés adverte o povo do perigo de se estabelecer e de considerar o status quo como garantido, mesmo em Israel: “Quando tiverem filhos e netos, e estiverem estabelecidos na terra há muito tempo, poderão tornar-se decadentes” (Deut. 4:25).

Daí as regras que Israel deve sempre lembrar o seu passado, nunca esquecer seus anos de escravidão no Egito, nunca se esquecer em Sukot que nossos antepassados ​​viveram em moradias temporárias, nunca esquecer que não possuem a terra – ela pertence a D-s – e nós estamos simplesmente ali como guerim ve-toshavim de D-s, “estrangeiros e peregrinos” (Lev. 25:23).

Por quê? Porque ser judeu significa não estar plenamente em casa no mundo. Ser judeu significa viver dentro da tensão entre o céu e a terra, criação e revelação, o mundo que é e o mundo que somos chamados a fazer; entre o exílio e o lar, e entre a universalidade da condição humana e a particularidade da identidade judaica. Os judeus não ficam parados, exceto quando estão diante de D-s. O universo, das galáxias às partículas subatômicas, está em movimento constante, assim como a alma judaica.

Acreditamos que nós somos uma combinação instável de poeira da terra e de sopro de D-s, e isso nos obriga constantemente a tomar decisões, fazer escolhas, que nos farão crescer para sermos tão grandes quanto nossos ideais ou, se escolhermos erroneamente, nos fazer encolher como pequenas criaturas petulantes obcecadas por futilidades. A vida como uma jornada significa esforçar-se cada dia para ser maior do que o dia anterior, individual e coletivamente.

Se o conceito de uma viagem é uma metáfora central da vida judaica, qual é a diferença entre Abraão, Isaac e Jacob?

A vida de Abraão é enquadrada por duas jornadas que usam a frase Lech lechá, “empreender uma jornada”, uma vez em Gênesis 12, quando lhe foi dito para deixar sua terra e sua casa, e o outro em Gênesis 22:2 no sacrifício de Isaac, quando lhe foi dito: “Toma teu filho, o único que amas – Isaac – e vai [lech lechá] para a região de Moriá”.

O que é tão comovente sobre Abraão é que ele vai, imediatamente e sem questionar, apesar do fato de que ambas as viagens são dolorosas em termos humanos. Na primeira, ele tem que deixar seu pai. Na segunda, ele tem que deixar ir o seu filho. Ele tem que dizer adeus ao passado e correr o risco de dizer adeus ao futuro. Abraão é fé pura. Ele ama a D-s e confia nele absolutamente. Nem todos conseguem esse tipo de fé. É quase sobre-humano.

Isaac é o oposto. É como se Abraão, sabendo dos sacrifícios emocionais que teve que fazer, sabendo também o trauma que Isaac deve ter sentido no episódio do sacrifício, procura proteger seu filho tanto quanto estivesse em seu controle. Ele faz com que Isaac não saia da Terra Santa (Gen. 24:6) – é por isso que Abraão não o deixa viajar para encontrar uma esposa. A jornada de Isaac (para a terra dos filisteus em Gênesis 26) é limitada e local. A vida de Isaac é um breve refúgio da existência nômade que Abraão e Jacob experimentaram.

Novamente Jacob é diferente. O que o torna único é que ele tem seus encontros mais intensos com D-s – eles são os mais dramáticos em todo o livro de Gênesis – no meio da jornada, sozinho, à noite, longe de casa, fugindo de um perigo para o próximo, de Esaú a Labão na viagem de ida, de Labão a Esaú, em seu regresso para casa.

No meio do primeiro encontro, ele tem a ardente revelação da escada que se estende da terra ao céu, com anjos subindo e descendo, levando-o a dizer ao acordar: “D-s está verdadeiramente neste lugar, mas eu não sabia… Esta deve ser a casa de D-s e esta é a porta para o céu” (28:16-17). Nenhum dos outros patriarcas, nem mesmo Moisés, teve uma visão como essa.

No segundo, em nossa parashá, ele tem a assombrosa e enigmática luta com o homem / anjo / D-s, o que o deixa mancando, mas permanentemente transformado – a única pessoa na Torá a receber de D-s um nome inteiramente novo, Israel, que pode significar “alguém que lutou com D-s e com o homem” ou “aquele que se tornou um príncipe [sar] diante de D-s”.

O que é fascinante é que os encontros de Jacob com os anjos são descritos pelo mesmo verbo ‘p-g-sh’ (Gen. 28:11 e 32:2), que significa “um encontro fortuito”, como se tivessem pego Jacob de surpresa, o que claramente aconteceu. Os momentos mais espirituais de Jacob foram aqueles que ele não planejou. Ele estava pensando em outras coisas, sobre o que ele estava deixando para trás e o que estava à sua frente. Ele foi, por assim dizer, “surpreendido por D-s”.

Jacob é alguém com quem podemos nos identificar. Nem todos podem aspirar à fé amorosa e à confiança total de um Abraão, ou à reclusão de um Isaac. Mas Jacob é alguém que entendemos. Podemos sentir seu medo, compreender sua dor pelas tensões em sua família e simpatizar com seu profundo anseio por uma vida de quietude e paz (os sábios dizem sobre as palavras iniciais da parashá da próxima semana que “Jacob desejava viver em paz, mas foi imediatamente empurrado para os problemas de José”).

A questão não é apenas que Jacob é o mais humano dos patriarcas, mas sim que nas profundezas do seu desespero ele é elevado às maiores alturas da espiritualidade. Ele é o homem que encontra anjos. Ele é a pessoa surpreendida por D-s. Ele é aquele que, nos momentos em que se sente mais sozinho, descobre que não está só, que D-s está com ele, que ele é acompanhado por anjos.

A mensagem de Jacob define a existência judaica. É nosso destino viajar. Nós somos pessoas inquietas. Raros e breves foram os nossos intervalos de paz. Mas na escuridão da noite nos encontramos elevados por uma força de fé que não sabíamos ter, cercados por anjos que não sabíamos que estavam lá. Se andarmos no caminho de Jacob, também nós poderemos ser surpreendidos por D-s.

 

Texto original: “THE JEWISH JOURNEY” por Rabino Jonathan Sacks.
Tradução Rachel Klinger Azulay para a Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema

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