BEHUKOTAI

Posted on maio 31, 2016

BEHUKOTAI

Um Sentido de Família

Uma parceria da Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema com o escritório do Rabino Jonathan Sacks (The Office of Rabbi Sacks)

Smartphones podem fazer coisas incríveis – poucos mais surpreendentes do que o Waze, o sistema Israelense de navegação por satélite adquirido pelo Google em 2013. Mas há uma coisa que mesmo o Waze não pode fazer. O Waze pode lhe dizer como chegar lá, mas não pode lhe dizer para onde ir. Isso é algo que você deve decidir.

A decisão mais importante que podemos fazer na vida é escolher onde queremos estar ao final. Sem um sentido de destino nossa vida estará sem direção. Se nós não sabemos para onde queremos ir, nós nunca vamos chegar lá, não importa o quão rápido viajemos. Apesar disso, há pessoas que passam meses planejando suas férias, mas nem mesmo um dia planejando sua vida. Elas simplesmente deixam que aconteça.

É disso que trata nossa parashá, tratando de uma nação, não um indivíduo. D-s, através de Moisés, definiu a dura escolha. “Se você seguir os meus estatutos e cuidadosamente guardar os meus mandamentos, vou enviar-lhe a chuva na sua estação e o solo irá produzir suas colheitas e as árvores seus frutos… Vou conceder a paz na terra, e você vai deitar-se e ninguém vai amedrontá-lo”.

Se, por outro lado, “Você não me escutar e não manter todos estes mandamentos …”, então se seguirá o desastre. A dimensão das maldições estabelecidas aqui estão entre as mais assustadoras de todos os textos bíblicos – o retrato de uma catástrofe nacional, triste e devastadora.

A passagem inteira, tanto as bênçãos quanto as maldições, podem ser lidas de forma sobrenatural ou naturalmente. Lido da primeira maneira, pelo menos nos tempos bíblicos, o destino de Israel foi resultado direto de sua fidelidade ou a falta dela com a Torá. D-s estava constantemente intervindo miraculosamente na história para recompensar o bom e punir o mal. Cada seca e escassez de alimentos, e cada safra ruim ou derrota militar, era resultado de pecado. Todos os anos pacíficos e produtivos era resultado da obediência a D-s. É assim que os profetas de Israel entendiam a história.

Mas há também uma leitura mais naturalista, que diz que a providência Divina trabalha através de nós, internamente e não externamente. Se você é o israelita na terra de Israel, você vai estar sempre rodeado por impérios e inimigos maiores e mais fortes do que você. Você sempre será vulnerável aos riscos da chuva e da seca, porque Israel, ao contrário do Delta do Nilo ou o vale Tigre-Eufrates, não tem fonte natural, confiável e previsível de água. Portanto, você vai sempre estar olhando para os céus. Até mesmo os judeus seculares entendem isso: a mais famosa frase de David Ben Gurion: “Em Israel, a fim de ser um realista você tem que acreditar em milagres”.

Nessa leitura, o modo de vida estabelecido na Torá é singular em caminhos que são naturais ao invés de sobrenaturais. É a palavra de D-s na verdade, mas não D-s como um interventor estratégico perpétuo na história, mas sim, D-s como guia sobre a forma de viver para ser abençoado. A Torá é um conjunto de instruções para a vida emitidas pelo designer da vida. Isso é o que os sábios quiseram dizer quando afirmaram que, no início dos tempos, “D-s olhou na Torá e criou o mundo”. Viver de acordo com a Torá significa, por esse ponto de vista, alinhar-se com as forças que contribuem para o florescimento humano, especialmente se você é um minúsculo povo cercado por inimigos.

O que era singular sobre a sociedade perspectivada pela Torá é que nela cada indivíduo importava. Justiça era o principal. O rico não poderia obter um tratamento especial e os pobres não poderiam ficar desamparados. Quando chegavam as celebrações comunitárias, todos – especialmente o órfão, a viúva, o estrangeiro – deviam ser incluídos.

Todos tinham pelo menos alguma participação na safra de grãos e frutas. Os empregadores deveriam tratar os empregados com justiça e sensibilidade. Mesmo que ainda houvesse escravos, um dia em sete eles iriam desfrutar da mesma liberdade que os seus proprietários. Isso significava que todos tinham uma participação na sociedade. Por isso eles a defendiam com suas vidas. Os israelitas não formavam um exército recrutado por um governante com a finalidade de seu próprio auto engrandecimento. É por isso que eram capazes de derrotar exércitos e nações muitas vezes maiores que eles.

Acima de tudo, eles deveriam ter um sentido de destino. Esse é o significado da palavra-chave que funciona como um refrão através das maldições: keri, uma palavra que aparece sete vezes em nossa parashá e em nenhum outro lugar no Tanach. “Se você andar comigo, com keri… então eu vou andar com você com keri”.

Há muitas interpretações dessa palavra. O tradutor Onkelos lê isso como “coração duro”, Saadia como “rebeldia”, Rashi como “tratar como uma preocupação casual”. Outros entenderam como “duramente” ou “com hostilidade”. Maimônides, no entanto (parcialmente repetido por Rashi, Rashbam, Ibn Ezra, Chizkuni e outros), a entende como relacionado com a palavra mikrê, significando acaso. Daí o significado da passagem de acordo com Maimônides é “Se você acredita que o que acontece com você é simplesmente uma questão de acaso, então, diz D-s, vou deixá-lo ao acaso”.

Nessa leitura, o livro de Vayikrá termina como começou, com a escolha fatídica entre mikrá (com um alef) e mikrê (com um hê): entre ver a vida como um chamado, uma convocação, uma vocação, um destino, ou vê-la como um acidente, um acontecimento aleatório sem sentido algum.

Assim é na vida das nações e de indivíduos. Se você percebe o que acontece com você como mero acaso, seu destino será regido por mero acaso. Isso é o que os sábios queriam dizer com: “Sempre que [a Torá] diz: ‘E aconteceu que’, é sempre um prelúdio para uma tragédia”. Se você simplesmente deixar as coisas acontecerem, você vai se encontrar exposto aos caprichos da sorte e aos caprichos dos outros. Mas se você acreditar que você está aqui para um propósito, sua vida vai assumir o direcionamento desse propósito. Suas energias serão focadas. Um senso de missão vai lhe dar forças. Você vai fazer coisas notáveis.

Essa foi a visão especial que os judeus trouxeram ao mundo. Eles não acreditavam – como as pessoas faziam nos tempos antigos e como ateus fazem hoje – que o universo é governado por mero acaso. Terá sido mero acaso que uma flutuação aleatória no campo quântico produziu o Big Bang que trouxe o universo à existência? Ou que o universo passou do nada a ser regulado precisamente pelas seis constantes matemáticas necessárias para a criação de estrelas e planetas e os elementos químicos essenciais para o surgimento da vida? Terá sido mero acaso que a vida tenha de fato emergido da matéria inanimada? Ou que, dentre centenas de milhões de formas de vida que existiram na Terra, apenas uma, o Homo sapiens, foi capaz de fazer a pergunta “Por quê?”

Não há nada autocontraditório sobre esse ponto de vista. É compatível com todas as ciências que conhecemos agora, talvez com todas as ciências que iremos conhecer. Esse é o universo como keri. Muitas pessoas pensam dessa forma. Eles sempre pensaram assim. Desse ponto de vista, não há “Por quê” – não para as nações e nem para os indivíduos. A vida simplesmente acontece. Estamos aqui por acidente.

Os judeus acreditavam o contrário. Ninguém o disse melhor do que o historiador católico Paul Johnson:

“Nenhum povo jamais insistiu com mais firmeza do que os judeus que a história tem um propósito e a humanidade um destino. Numa fase muito precoce de sua existência coletiva eles acreditavam que haviam detectado um plano divino para a raça humana, da qual sua própria sociedade seria um guia. Eles trabalharam no seu papel detalhadamente. Eles se agarraram a essa perspectiva com persistência heroica em face do sofrimento selvagem. Muitos deles ainda acreditam nisso. Outros a transformaram em esforços de empreendimentos do Promethean (*) para elevar nossa condição por meios puramente humanos. A visão judaica tornou-se o protótipo de muitos grandes projetos semelhantes para a humanidade, tanto divinos quanto provocados pelo homem. Portanto, os judeus estão bem no centro da constante tentativa de dotar a vida humana de um propósito digno”.

As pessoas que mudam o mundo são aquelas que acreditam que a vida tem um propósito, um sentido, um destino. Eles sabem onde querem ir e o que eles querem alcançar. No caso do judaísmo esse propósito é claro: mostrar o que é a criação de uma pequena clareira no deserto da humanidade, onde a liberdade e a ordem coexistem, onde a justiça prevalece, os fracos são cuidados e os necessitados recebem ajuda, onde temos a humildade de atribuir nossos sucessos à D-s e nossas falhas a nós mesmos, onde valorizamos a vida como doação de D-s e fazemos todo o possível para torná-la santa. Em outras palavras: precisamente o oposto da violência e da brutalidade que hoje estão sendo perpetradas por alguns extremistas religiosos em nome de D-s.

Para conseguir isso, porém, temos que ter um sentido de propósito coletivo. Essa é a escolha que Moisés, falando em nome de D-s, colocou diante dos israelitas. Mikrá ou mikrê? A vida acontece por acaso? Ou é um chamado de D-s para criar momentos de beleza moral e espiritual que resgatem nossa humanidade da perseguição implacável do poder? “Dar à vida humana a dignidade de um propósito”. É para mostrar isso ao mundo que os judeus foram convocados.

(*) Promethean Mundial é uma empresa de educação global, que desenvolve, integra e implementa ambientes de aprendizagem.

 

Texto original: “A SENSE OF DIRECTION” por Rabino Jonathan Sacks.
Tradução Rachel Klinger Azulay para a Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema

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