KORACH

Posted on junho 22, 2017

KORACH

Uma Lição Sobre Resolução de Conflitos

A rebelião de Korach foi o desafio mais perigoso para a liderança de Moisés durante os quarenta anos que ele conduziu o povo através do deserto. É difícil acompanhar a sequência precisa dos eventos, provavelmente porque os eventos em si foram tumultuados e desordenados.
A narrativa deixa claro, no entanto, que os rebeldes vieram de grupos diferentes, cada um dos quais tinha diferentes motivos de ressentimento:

Agora, Korach, filho de Izhar, filho de Kehat, filho de Levi, se uniu, juntamente com Datan e Aviram, filhos de Eliab, e On, filho de Pelet – descendentes de Reuben – para se levantar contra Moisés, juntamente com duzentos e cinquenta israelitas, chefes da comunidade, escolhidos na assembléia, homens de renome. Eles se juntaram contra Moisés e Aarão e disseram-lhes: “Vocês foram longe demais! Pois toda a comunidade é santa, todos eles, e o Senhor está no meio deles. Por que, então, vocês se levantam acima da congregação do Senhor?” (Números 16:1-3).

Desvinculando as várias facções, Rashi sugere que Korach, principal motor do levante, ficou ofendido por Moisés ter designado Aarão como sumo sacerdote. Moisés era filho de Amram, o filho mais velho de Kehat. Korach era o primogênito do segundo filho de Kehat, Yizhar, e sentiu que deveria ter sido nomeado sumo sacerdote. Korach considerou como favoritismo inaceitável o fato de Moisés ter designado seu próprio irmão para o papel.

Os Reubenitas, sugere Ibn Ezra, sentiram que, como descendentes do primogênito de Jacob, tinham direito a posições de liderança. Ibn Ezra acrescenta que a gota d’água pode ter sido a nomeação de Josué por Moisés como seu sucessor. Josué veio da tribo de Efraim, filho de José. Isso pode ter revivido as lembranças do antigo conflito entre os filhos de Leah (de quem Reuben era o primogênito) e os de Rachel, cujo primeiro filho era José.

Os outros 250 rebeldes, conforme Ibn Ezra conjectura, eram primogênitos, ainda não conformados com o fato de que, após o pecado do bezerro de ouro, o serviço especial a D-s passou do primogênito para a tribo de Levi.

Cada facção tinha motivos para sentir que tinham sido preteridos na alocação de posições de liderança. A ironia do seu desafio é inconfundível. Eles se apresentam como democratas, igualitários: “Toda a comunidade é santa, todos eles… Por que então você se levanta acima da congregação do Senhor?” O que eles dizem é que todos devem ser líderes. O que eles querem dizer é: eu deveria ser um líder.

No que diz respeito ao momento da revolta, Ramban certamente é preciso ao descreve-la no período imediatamente posterior ao episódio dos espiões, e o decreto que se seguiu de que o povo não entraria na terra até a próxima geração. Enquanto os israelitas, apesar de suas queixas, sentiam que estavam se movendo em direção ao seu destino, Korach e os outros descontentes não tinham chance real de despertar o povo para revolta. Uma vez que perceberam que não viveriam para atravessar o Jordão, Korach sabia que a rebelião seria possível. O povo estava desiludido e não tinha nada a perder.

Até aqui a história de Korach é intensamente realista. Um líder é capaz de mobilizar um povo articulando uma visão. Mas a jornada do real para o ideal, do ponto de partida para o destino, é repleta de retrocessos e decepções. É quando os líderes correm o risco de serem destituídos ou assassinados. Korach é o símbolo eterno de um tipo perene: um homem frio e calculista com ambição, que fomenta o descontentamento contra um líder, acusando-o de ser um tirano egoísta. Ele o opõe em nome da liberdade, mas o que ele realmente quer é tornar-se ele mesmo um tirano.

O que é excepcionalmente incomum é como a história termina. Moisés tinha inicialmente proposto um teste simples. Os rebeldes e Aarão iriam preparar incenso no dia seguinte. D-s então indicaria a oferta que Ele escolheria. Antes que isso pudesse acontecer, no entanto, Moisés encontrou-se insuportavelmente provocado pela atitude desdenhosa de Datan e Aviram. Percebendo que a situação poderia estar ficando fora de controle, ele buscou uma resolução imediata e dramática:

Moisés disse: “Por isso, você saberá que foi o Senhor que me enviou para fazer todas essas coisas; que elas não são invenções minhas: se esses homens morrerem como todos os homens morrem, se sua sorte for o destino comum de toda a humanidade, não foi o Senhor quem me enviou. Mas se o Senhor trouxer algo que não se ouviu falar, de modo que o chão se abra e os engula com tudo que pertença a eles, e eles desçam vivos para o Sheol, você saberá que esses homens rejeitaram o Senhor” (Números 16:28-30).

Assim que ele terminou de falar, o chão se abriu e engoliu os rebeldes. O milagre, com o qual Moisés estava contando, aconteceu. Por qualquer convenção narrativa, esperaríamos que isso acabasse com a rebelião e vindicasse Moisés. O céu respondeu seu chamado da maneira mais dramática. Estava provado que ele estava certo. Fim da revolta. Fim da história.

Isso é precisamente o que não acontece – um exemplo poderoso do que torna a Torá tão desafiadora, sua mensagem tão inesperada. Ao invés de reprimir a revolta, lemos o seguinte:

No dia seguinte, toda a comunidade dos israelitas se queixou contra Moisés e Aarão. “Você matou o povo do Senhor”, disseram eles.

Desta vez, é o próprio D-s quem intervém. Ele diz a Moisés para levar doze cajados, um para cada tribo, e depositá-los durante a noite na Tenda da Reunião. Na manhã seguinte, o cajado que trazia o nome de Aarão e da tribo de Levi brotou, floresceu, carregado de amêndoas. Só então a rebelião terminou.

Esse é um desfecho surpreendente – e o que nos diz é profundo. O uso da força nunca acaba com um conflito. Apenas piora as coisas. Mesmo o milagre do chão se abrindo e engolindo seus oponentes não garantiu a Moisés a vindicação que ele buscava.

O que acabou com o conflito foi outra coisa completamente diferente: o símbolo visível que Aarão era o veículo escolhido do D-s da vida. O suave milagre da madeira morta que voltou à vida, florescendo e dando frutos, antecipa as famosas palavras do livro dos Provérbios sobre a Torá:

É uma árvore de vida para aqueles que a abraçam;

Aqueles que se apegam a ela serão abençoados (Provérbios 3:18).

Moisés e Aarão foram acusados ​​de falhar em sua missão. Eles tiraram as pessoas do Egito para trazê-las para a terra de Israel. Após o fiasco dos espiões, essa esperança havia morrido. O cajado que voltou à vida (como a visão de Ezequiel sobre o vale dos ossos secos) simbolizava que a esperança não estava morta, apenas adiada. A próxima geração viveria e chegaria ao destino. D-s é um D-s da vida. O que ele toca não morre.

O episódio de Korach nos ensina que existem duas maneiras de resolver conflitos: pela força e pela persuasão. O primeiro nega seu oponente. O segundo recruta seu oponente, levando seu questionamento a sério e dando a ele a devida atenção. A força nunca acaba com o conflito – nem mesmo no caso de Moisés, nem mesmo quando a força é milagrosa. Nunca houve uma intervenção mais decisiva do que o milagre que engoliu Korach e seus colegas rebeldes. Ainda assim, não acabou com o conflito. Isso o aprofundou. Depois de ter ocorrido, toda a comunidade israelita – aqueles que não fizeram parte da rebelião – reclamaram: “Você matou o povo do Senhor”. O que encerrou o conflito foi o milagre silencioso e suave que mostrou que Aarão era o verdadeiro emissário do D-s da vida. Não é por acaso que é o versículo que chama a Torá de “árvore da vida”, precedida por estas palavras:

Seus caminhos são caminhos agradáveis,
e todos as suas trilhas são paz (Provérbios 3:17).

Essa é a resolução de conflitos no judaísmo – não pela força, mas de forma agradável e pacífica.

 

Texto original “A LESSON IN CONFLICT RESOLUTION” por Rabino Jonathan Sacks
Tradução Rachel Klinger Azulay

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