MIKETZ

Posted on dezembro 11, 2015

MIKETZ

Aguardar Sem Desepero

Uma parceria da Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema com o escritório do Rabino Jonathan Sacks (The Office of Rabbi Sacks)

Algo extraordinário acontece entre a parashá da semana passada e a desta semana. É quase como se a pausa de uma semana entre elas fosse a própria parte da história.
Lembre-se da parashá da semana passada sobre a infância de José, centrando-se não sobre o que aconteceu, mas sobre quem fez acontecer. Ao longo de todo o passeio de “montanha-russa” do início da vida de José, ele é descrito como passivo, não ativo; aquele a quem é feito algo, não aquele que faz; o objeto, não o sujeito.
Foi seu pai que o amava e lhe deu o manto ricamente bordado. Foram seus irmãos que o invejavam e o odiavam. Ele tinha sonhos, mas não sonhamos porque queremos. De alguma maneira misteriosa, ainda não totalmente compreendida, os sonhos vêm espontaneamente em nossa mente adormecida.
Seus irmãos, cuidando de seus rebanhos longe de casa, planejaram matá-lo. Eles o jogaram em um poço. Ele foi vendido como escravo. Na casa de Potifar ele passou para uma posição superior, mas o texto sai do caminho ao dizer que isto não ocorreu por causa do próprio José, mas por causa de D-s: “D-s estava com José, e ele se tornou um homem de sucesso; ele estava na casa de seu senhor egípcio. Seu mestre viu que D-s estava com ele, e que D-s fez acontecer para que tudo prosperasse em suas mãos”.
A esposa de Potifar tentou seduzi-lo, e falhou, mas também aqui, José foi passivo, não ativo. Ele não a procurou, ela o procurou. Finalmente “ela agarrou sua roupa, dizendo: ‘Deita-te comigo!’ Mas ele deixou a sua roupa na mão dela, e fugiu correndo para fora”. Usando a peça como evidência, ela conseguiu que ele fosse preso sob falsa acusação. Não havia nada que José pudesse fazer para comprovar sua inocência.
Na prisão, tornou-se um líder mais uma vez, um gestor, mas novamente a Torá atribui isso a intervenção divina e não a José: “D-s estava com José e mostrou bondade com ele. Ele lhe deu graças aos olhos do carcereiro-chefe… Seja o que tenha sido feito lá, ele foi o único que o fez. O chefe carcereiro não prestou atenção a qualquer coisa que estava aos cuidados de José, porque D-s estava com ele; e qualquer que seja a coisa que ele tenha feito, D-s o fez prosperar”.
Lá ele conheceu o copeiro e o padeiro do Faraó. Eles tinham sonhos, e José interpretou-os, mas insistiu que não era ele quem estava fazendo as interpretações, mas D-s: “José disse a eles: ‘Não pertencem a D-s as interpretações? Por favor, contem-me elas’”
Não há qualquer fato como este em qualquer outro lugar no Tanach. Seja o que tenha ocorrido com José foi o resultado da ação de outra pessoa: de seu pai, seus irmãos, a mulher de seu patrão, o chefe carcereiro, ou o próprio D-s. José era a bola lançada pelas mãos de outros que não as dele.
Então, essencialmente pela primeira vez em toda a história, José decidiu tomar o destino em suas próprias mãos. Sabendo que o copeiro estava prestes a retornar para sua posição, ele lhe pediu para levar o seu caso a atenção do Faraó: “Lembra-te de mim quando estiver tudo bem com você; por favor me faça a gentileza de fazer menção de mim ao Faraó, e daí me tirar desse lugar. Porque, na verdade, fui roubado da terra dos hebreus; e aqui também nada fiz para que eles me terem colocado na prisão”.
A dupla injustiça tinha sido feita, e José viu isso como sua única chance de recuperar sua liberdade. Mas o fim da parashá proporciona um golpe devastador: “O chefe dos copeiros não se lembrou de José; esqueceu dele”. O anticlímax é intenso, enfatizado pelo verbo duplo, “não lembrou” e “esqueceu”. Sentimos José esperando dia após dia por notícias. Nenhuma veio. Sua última e melhor esperança se foi. Ele nunca iria libertar-se. Ou assim lhe parecia.
Para entender o poder desse anticlímax, devemos lembrar que só a partir da invenção da imprensa e da disponibilidade de livros temos sido capazes de dizer o que vai acontecer em seguida apenas por virar uma página. Por muitos séculos, não havia livros impressos. As pessoas sabiam sobre a história bíblica principalmente por ouvir semana após semana. Aqueles que estavam ouvindo a história pela primeira vez, tinham que esperar uma semana para descobrir qual seria o destino de José.
A ruptura da parashá é, portanto, uma espécie de vida real equivalente ao atraso que José havia experimentado na prisão que, como a parashá desta semana começa nos dizendo, demorou “dois anos inteiros”. Foi então que o Faraó teve dois sonhos que ninguém na corte pôde interpretar, o que levou o copeiro-chefe a lembrar o homem que conheceu na prisão. José foi levado ao Faraó, e em poucas horas foi transformado de zero a herói: de prisioneiro sem-esperança a vice-rei do maior império do mundo antigo.
Por que essa extraordinária cadeia de eventos? Ela está nos dizendo algo importante, mas o que? Certamente o seguinte: D-s responde nossas orações, mas frequentemente não quando pensamos ou como pensávamos. José procurou sair da prisão, e ele saiu. Mas não imediatamente, e não porque o mordomo manteve sua promessa.
A história está nos dizendo algo fundamental sobre a relação entre nossos sonhos e nossas conquistas. José foi o grande sonhador da Torá, e a maioria de seus sonhos se tornou realidade. Mas não de uma forma que ele ou qualquer outra pessoa poderiam ter previsto. No final da parashá da semana passada – com José ainda na prisão – parecia que esses sonhos haviam terminado em fracasso vergonhoso. Tivemos que esperar por uma semana, como ele teve que esperar por dois anos, antes de descobrir que não era assim.
Não há conquista sem esforço. Esse é o primeiro princípio. D-s salvou Noé do dilúvio, mas primeiro Noé tinha que construir a arca. D-s prometeu a Abraão a terra, mas primeiro ele tinha que comprar a caverna de Machpelá, onde iria enterrar Sarah. D-s prometeu aos israelitas a terra, mas eles tiveram que lutar as batalhas. José tornou-se um líder, como ele sonhou que seria. Mas primeiro ele tinha que aprimorar suas habilidades práticas e administrativas, na casa de Potifar inicialmente e, em seguida, na prisão. Mesmo quando D-s nos assegura que algo vai acontecer, isso não vai acontecer sem o nosso esforço. A promessa Divina não é um substituto para a responsabilidade humana. Ao contrário, é um chamado à responsabilidade.
Mas só o esforço não é suficiente. Precisamos seyatá di-Shemayá, “a ajuda do Céu”. Precisamos de humildade para reconhecer que somos dependentes de forças que não estão sob nosso controle. Ninguém em Gênesis invocou a D-s mais frequentemente do que José. Conforme Rashi (para Gen. 39:3) diz: “O nome de D-s estava constantemente em sua boca”. Ele creditou a D-s cada um de seus sucessos. Ele reconheceu que sem D-s ele não poderia ter feito o que fez. Dessa humildade veio a paciência.
Aqueles que alcançaram grandes coisas, muitas vezes tiveram essa combinação incomum de características. Por um lado, eles trabalharam duro. Eles trabalharam, eles praticaram, eles se esforçaram. Por outro lado, eles sabem que o roteiro não será escrito por suas mãos apenas. Não é só o nosso esforço que decide o resultado. Então nós oramos e D-s responde nossas orações – mas nem sempre quando ou como esperávamos (E, é claro, às vezes a resposta é Não).
O Talmud (Nidá 70b) diz isso de forma simples. Ele pergunta: O que você deve fazer para se tornar rico? Ele responde: trabalhar duro e se comportar honestamente. Mas, diz o Talmud, muitos tentaram isso e não se tornaram ricos. Em retorno vem a resposta: Você deve orar a D-s, de quem toda a riqueza vem. Nesse caso, pergunta o Talmud, por que trabalhar duro? Porque, responde o Talmud: Um sem o outro é insuficiente. Precisamos de ambos: o esforço humano e o favor Divino. Precisamos ser, num certo sentido, pacientes e impacientes: impacientes com nós mesmos, mas pacientes na espera que D-s abençoe nossos esforços.
O atraso de uma semana – entre a tentativa fracassada de José para sair da cadeia e seu sucesso ao final – está aí para nos ensinar esse delicado equilíbrio. Se trabalharmos duro o suficiente, D-s nos concede o sucesso – não quando queremos, mas sim quando é a hora certa.

Texto original: “TO WAIT WITHOUT DESPAIR” por Rabino Jonathan Sacks.
Tradução Rachel Klinger Azulay para a Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema

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