MISHPATIM

Posted on fevereiro 20, 2017

MISHPATIM

Empurrão de D-s

Uma parceria da Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema com o escritório do Rabino Jonathan Sacks (The Office of Rabbi Sacks)

Primeiro, em Yitrô, havia o asseret hadibrot, os “dez pronunciamentos” ou princípios gerais. Agora em Mishpatim vêm os detalhes. Eis aqui como eles começam:

Se você comprar um servo hebreu, ele deve servi-lo por seis anos. Mas no sétimo ano, ele ficará livre, sem pagar nada… Mas se o servo declarar: “Amo meu senhor, minha esposa e meus filhos, e não quero ser livre”, então seu mestre deve levá-lo diante dos juízes. Ele o levará até a porta ou a borda da porta e fará um furo na orelha. Então ele será seu servo para a vida (Ex. 21:2-6).

Há uma pergunta óbvia. Por que começar aqui? Existem 613 mandamentos na Torá. Por que Mishpatim, o primeiro código legal, começa aqui?

A resposta é igualmente óbvia. Os israelitas acabaram de sofrer a escravidão no Egito. Deve haver uma razão para isso acontecer, pois D-s sabia que ia acontecer. Evidentemente, Ele pretendia que isso acontecesse. Séculos antes Ele já havia dito a Abraão que aconteceria:

Quando o sol estava se pondo, Abraão caiu em sono profundo, e uma espessa e terrível escuridão veio sobre ele. Então o Senhor lhe disse: “Saiba com certeza que durante quatrocentos anos os teus descendentes serão estrangeiros num país que não é deles, e serão escravizados e maltratados ali (Gen. 15:12-13).

Parece que essa foi a primeira experiência necessária dos israelitas como uma nação. Desde o início da história humana, o D-s da liberdade buscou o culto gratuito dos seres humanos livres, mas um após o outro abusou dessa liberdade: primeiro Adão e Eva, depois Caim, depois a geração do Dilúvio, depois os construtores de Babel.

D-s começou de novo, desta vez não com toda a humanidade, mas com um homem, uma mulher, uma família, que se tornariam pioneiros da liberdade. Mas a liberdade é difícil. Cada um a busca para si mesmo, mas negamos aos outros quando sua liberdade está em conflito com a nossa. Isso é uma verdade tão profunda que dentro de três gerações dos filhos de Abraão, os irmãos de José estavam dispostos a vendê-lo para a escravidão: uma tragédia que não terminou até que Judá estivesse preparado para perder a sua própria liberdade para que seu irmão Benjamin pudesse ficar livre.

A experiência profunda, íntima, pessoal, revoltante e amarga de escravidão preencheu a experiência coletiva dos israelitas – uma lembrança que lhes foi ordenada para nunca esquecessem – para transformá-los em um povo que não mais transformaria seus irmãos e irmãs em escravos. Um povo capaz de construir uma sociedade livre, a mais difícil de todas as realizações no reino humano.

Portanto, não é nenhuma surpresa que as primeiras leis que foram comandadas após o Sinai sejam relacionadas com a escravidão.

Teria sido uma surpresa se tratassem de qualquer outra coisa. Mas agora vem a verdadeira questão. Se D-s não quer escravidão, se Ele a considera uma afronta à condição humana, por que Ele não a aboliu imediatamente? Por que Ele permitiu que continuasse, ainda que de forma restrita e regulamentada? É concebível que D-s, que pode produzir água de uma rocha, maná do céu, e transformar o mar em terra seca, não pode mudar o comportamento humano? Existem áreas onde o Todo Poderoso é, por assim dizer, impotente?

Em 2008, o economista Richard Thaler e o professor de Direito Cass Sunstein publicaram um fascinante livro chamado Nudge. Nele abordavam um problema fundamental na lógica da liberdade. Por um lado, a liberdade depende de não legislar demais. Significa criar espaço dentro do qual as pessoas têm o direito de escolher por si mesmas.

Por outro lado, sabemos que as pessoas nem sempre fazem as escolhas certas. O modelo antigo sobre o qual a economia clássica se baseava, que deixava as pessoas por si mesmas fazer escolhas racionais, não se revela verdadeira. Somos profundamente irracionais, uma descoberta para a qual vários acadêmicos judeus fizeram grandes contribuições. Os psicólogos Solomon Asch e Stanley Milgram mostraram o quanto somos influenciados pelo desejo de nos conformar, mesmo quando sabemos que outras pessoas erraram. Os economistas israelenses, Daniel Kahneman e Amos Tversky, mostraram que, mesmo quando tomamos decisões econômicas, frequentemente calculamos mal seus efeitos e não reconhecemos nossas motivações, uma descoberta para a qual Kahneman ganhou o Prêmio Nobel.

Como então você impede que as pessoas façam coisas nocivas sem tirar sua liberdade? A resposta de Thaler e Sunstein é que há maneiras oblíquas pelas quais você pode influenciar as pessoas. Em uma cafeteria, por exemplo, você pode colocar alimentos saudáveis ​​ao nível dos olhos e “junk food” em um lugar mais inacessível e menos perceptível. Você pode sutilmente ajustar o que eles chamam de “arquitetura de escolha” das pessoas.

Isso é exatamente o que D-s faz no caso da escravidão. Ele não a abole, mas Ele a circunscreve de tal modo que Ele põe em movimento um processo que, previsivelmente, mesmo que depois de muitos séculos, levará as pessoas a abandoná-la por vontade própria.

Um escravo hebreu deve ser libertado depois de seis anos. Se o escravo cresceu tão acostumado com a sua condição que ele não deseja ficar livre, então ele é forçado a sofrer uma certidão estigmatizante, tendo sua orelha perfurada, que depois permanece como um sinal visível de vergonha. Os escravos não podem ser forçados a trabalhar no shabat. Todas essas estipulações têm o efeito de transformar a escravidão, de um destino ao longo da vida, em uma condição temporária, e que é percebido como uma humilhação, em vez de algo escrito indelevelmente no roteiro humano.

Por que escolher esta maneira de fazer as coisas? Porque as pessoas devem escolher livremente abolir a escravidão se quiserem ser livres. Demorou o tempo do reinado do terror depois da Revolução Francesa para mostrar o quão errado estava Rousseau quando escreveu no seu Contrato Social que, se necessário, as pessoas têm que ser forçadas a ser livres. Essa é uma contradição em termos, e levou à democracia totalitária, no título do grande livro de J. L. Talmon sobre o pensamento por trás da revolução francesa.

D-s pode mudar a natureza, disse Maimônides, mas Ele não pode, ou não escolhe, mudar a natureza humana, precisamente porque o Judaísmo é construído sobre o princípio da liberdade humana. Então Ele não poderia abolir a escravidão da noite para o dia, mas Ele poderia mudar nossa arquitetura de escolha, ou em palavras claras, dar-nos um empurrão, sinalizando que a escravidão é errada, mas que devemos ser aqueles que a irão abolir, em nosso tempo, através da compreensão. Demorou muito tempo, e na América, foi preciso uma guerra civil, mas aconteceu.

Há algumas questões em que D-s nos dá um empurrão. O resto depende de nós.

 

Texto original: “GOD’S NUDGE” por Rabino Jonathan Sacks.
Tradução Rachel Klinger Azulay para a Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema

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