NITZAVIM – VAIELECH

Posted on setembro 14, 2017

NITZAVIM – VAIELECH

Por que Ser Judeu?

Nos últimos dias de sua vida, Moisés renova a aliança entre D-s e Israel. O livro inteiro de Devarim foi um relato da aliança – como aconteceu, quais são seus termos e condições, por que é o núcleo da identidade de Israel como um am kadosh, um povo sagrado, e assim por diante. Agora vem o momento da própria renovação, uma espécie de referendo nacional.

Moisés, no entanto, foi cuidadoso ao não limitar suas palavras para aqueles que estão realmente presentes. Próximo de morrer, ele quer garantir que nenhuma geração futura possa dizer: “Moisés fez uma aliança com nossos antepassados, mas não conosco. Não demos o nosso consentimento. Não estamos obrigados”. Para impedir isso, ele diz estas palavras:

Não é só com vocês que estou fazendo este juramento de pacto, mas com quem está aqui conosco perante o Senhor nosso D-s, e com quem não está aqui conosco hoje (Deuteronômio 29:13-14).

Como ressaltam os comentaristas, a frase “quem não está aqui” não pode se referir aos israelitas vivos no momento e que estavam em outro lugar. Não pode ser isso, uma vez que toda a nação estava lá reunida. Isso só pode significar “gerações ainda não nascidas”. O pacto vinculou todos os judeus desde aquele dia até hoje. Como o Talmud diz: todos somos mushbá ve-omed-me-har Sinai, saídos do Sinai (Yoma 73b, Nedarim 8a). Ao concordar em ser o povo de D-s, sujeito às leis de D-s, nossos antepassados ​​nos obrigaram.

Daí um dos fatos mais fundamentais sobre o judaísmo. Com exceção dos convertidos, não escolhemos ser judeus. Nascemos como judeus. Nos tornamos legalmente adultos, sujeitos aos mandamentos e responsáveis ​​por nossas ações, aos 12 anos para meninas e treze anos para os meninos. Mas somos parte da aliança desde o nascimento. Um bat ou bar mitzvá não é uma “confirmação”. Não envolve uma aceitação voluntária da identidade judaica. Essa escolha ocorreu há mais de três mil anos, quando Moisés disse: “Não é só com vocês que estou fazendo esse juramento da aliança, mas com… quem não está aqui conosco hoje”, significando todas as gerações futuras inclusive nós.

Mas como isso pode ser assim? Certamente, um princípio fundamental do judaísmo é que não há nenhuma obrigação sem consentimento. Como podemos ficar vinculados a um acordo do qual não éramos partes? Como podemos ser sujeitos a uma aliança com base em uma decisão tomada há muito tempo por nossos ancestrais?

Os sábios, inclusive, levantaram uma pergunta semelhante sobre a própria geração do deserto nos dias de Moisés que estavam realmente lá e concordaram. O Talmud sugere que eles não estavam inteiramente livres para dizer não. “O Santo abençoado seja Ele suspendeu a montanha sobre eles como um barril e disse: Se você disser Sim, tudo vai ficar bem, mas se você disser Não, isso será o local do seu enterro” (Shabat 88b). Sobre isso, R. Acha bar Yaakov disse: “Isso constitui um desafio fundamental para a legitimidade da aliança”. O Talmud responde que, embora o acordo não tenha sido totalmente livre na época, os judeus afirmaram voluntariamente seu consentimento nos dias de Assuero, como sugerido no livro de Esther.

Aqui não é o lugar para discutir esta passagem específica, mas o ponto essencial é claro. Os sábios acreditavam fortemente que um acordo deve ser livre para ser vinculante. Ainda que não tenhamos concordado em sermos judeus, a maioria de nós nascemos judeus. Nós não estávamos lá nos dias de Moisés quando o acordo foi feito. Nós ainda não existíamos. Como, então, podemos ser vinculados pela aliança?

Essa não é uma questão irrelevante. É a questão sobre a qual todos se voltam. Como a identidade judaica pode ser transmitida de pai para filho? Se a identidade judaica fosse meramente racial ou étnica, poderíamos entender isso. Nós herdamos muitas coisas de nossos pais – mais obviamente nossos genes. Mas ser judeu não é uma condição genética, é um conjunto de obrigações religiosas. Existe um princípio haláchico, zachin le-adam shelô be-fanav: “Você pode conferir um benefício a outra pessoa sem o seu conhecimento ou consentimento”. E, embora seja sem dúvida um benefício ser judeu, também é, em certo sentido, uma responsabilidade, uma restrição à nossa gama de escolhas legítimas. Se não fôssemos judeus, poderíamos trabalhar no Shabat, comer comida não-kasher, e assim por diante. Você pode conferir um benefício, mas não uma responsabilidade, a alguém sem o seu consentimento.

Em resumo, essa é a questão das questões da identidade judaica. Como podemos ser obrigados às leis judaicas sem nossa escolha, apenas porque nossos antepassados ​​concordaram em nosso nome?

Em meu livro Radical Then, Radical Now (publicado na América como A Letter in the Scroll), mostrei o quão fascinante é identificar exatamente quando e onde essa pergunta foi feita. Apesar do fato de que todo o resto depende dela, não foi questionada muitas vezes. Em sua maioria, os judeus não fizeram a pergunta: por que ser judeu? A resposta era óbvia. Meus pais são judeus. Meus avós eram judeus. Então sou judeu. Identidade é algo que a maioria das pessoas na maioria das épocas toma como certa.

No entanto, tornou-se um problema durante o exílio da Babilônia. O profeta Ezequiel diz: “O que está em sua mente nunca deve acontecer – o pensamento: “Sejamos como as nações, como as tribos dos países, e adoremos a madeira e a pedra” (Ez 20:32). Essa é a primeira referência de judeus procurando ativamente abandonar sua identidade.

Aconteceu novamente em tempos rabínicos. Sabemos que no século II AEC haviam judeus que se helenizaram, procurando tornar-se gregos e não judeus. Havia outros que, sob o domínio romano, procuraram tornar-se romanos. Alguns até se submeteram a uma operação conhecida como epispasmo para reverter os efeitos da circuncisão (em hebraico, eles eram conhecidos como meshuchim) para esconder o fato de eram judeus [1].

A terceira vez foi na Espanha no século XV. É lá que encontramos dois comentaristas da Bíblia, R. Isaac Arama e R. Isaac Abarbanel, levantando precisamente a questão que levantamos sobre como a aliança pode vincular os judeus atualmente. A razão pela qual eles perguntaram, enquanto comentaristas anteriores não o fizeram, foi porque na época deles – entre 1391 e 1492 – houve uma imensa pressão sobre os judeus espanhóis para converterem-se ao cristianismo, e até um terço pode ter feito isso (eles eram conhecidos em hebraico como anusim, em espanhol como conversos, e depreciativamente como marranos, “suínos”). A questão “Por que permanecer judeu?” era real.

As respostas dadas foram diferentes em diferentes épocas. A resposta de Ezequiel foi contundente: “Assim como Eu vivo, declara o Senhor D-s, certamente com uma mão poderosa e um braço estendido e com ira derramada, Eu serei Rei sobre vocês”. Em outras palavras, os judeus poderiam tentar escapar do seu destino, mas eles falhariam. Mesmo contra sua vontade, eles seriam conhecidos como judeus. Isso, tragicamente, foi o que aconteceu durante as duas grandes épocas de assimilação – a Espanha do século XV e a Europa do século XIX e início do século XX. Em ambos os casos, o antissemitismo racial persistiu e os judeus continuaram sendo perseguidos.

Os sábios responderam à pergunta de forma mística. Eles disseram que mesmo as almas dos judeus ainda não nascidos estavam presentes no Sinai e ratificaram a aliança (Êxodo Rabá 28:6). Todo judeu, em outras palavras, deu o seu consentimento nos dias de Moisés, mesmo que ainda não tivessem nascido. Desmistificando isso, talvez os sábios quisessem dizer que, nas profundezas de seu coração mais íntimo, mesmo o judeu mais assimilado sabia que ele ou ela ainda era judeu ou judia. Isso parece ter sido o caso de figuras como Heinrich Heine e Benjamin Disraeli, que viviam como cristãos, mas frequentemente escreviam e pensavam como judeus.

Os comentaristas espanhóis do século XV acharam essa resposta problemática. Como Arama disse, somos cada um de nós corpo e alma. Como é suficiente dizer que nossa alma estava presente no Sinai? Como a alma pode obrigar o corpo? É claro que a alma concorda com a aliança. Espiritualmente, ser judeu é um privilégio, e você pode conferir um privilégio a alguém sem o seu consentimento. Mas para o corpo, a aliança é uma carga. Envolve todos os tipos de restrições de prazeres físicos. Portanto, se as almas das gerações futuras estavam presentes, mas não seus corpos, isso não constituiria consentimento.

Radical Then, Radical Now é a minha resposta a essa pergunta. Mas talvez exista uma mais simples. Nem toda obrigação que nos vincula é aquela para a qual demos o nosso consentimento livremente. Há obrigações que vêm com o nascimento. O exemplo clássico é um príncipe herdeiro. Ser herdeiro de um trono envolve um conjunto de deveres e uma vida de serviço para outros. É possível negligenciar esses deveres. Em circunstâncias extremas, um monarca pode até mesmo abdicar. Mas ninguém escolhe ser herdeiro de um trono. Esse é um destino; um destino que vem com o nascimento.

O povo sobre quem o próprio D-s disse: “Meu filho, meu primogênito, Israel” (Êxodo 4:22) se reconhece como realeza. Isso pode ser um privilégio. Pode ser uma carga. Pode ser ambos. É uma ilusão peculiar do pós-Iluminismo pensar que as únicas coisas significativas sobre nós são aquelas que escolhemos. Pois a verdade é que alguns dos fatos mais importantes sobre nós, nós não escolhemos. Nós não escolhemos nascer. Nós não escolhemos nossos pais. Nós não escolhemos a hora e o local do nosso nascimento. Ainda assim, cada um deles afeta quem somos e o que somos chamados a fazer.

Somos parte de uma história que começou muito antes de nascermos e continuará muito depois que não estejamos mais aqui, e a questão para todos nós é: vamos continuar a história? As esperanças de centenas de gerações de nossos antepassados ​​dependem da nossa vontade de fazê-lo. No fundo de nossa memória coletiva, as palavras de Moisés continuam a ressoar. “Não é só com vocês que estou fazendo esse juramento da aliança, mas com… quem não está aqui conosco hoje”. Somos parte dessa história. Podemos vivê-la. Podemos abandoná-la. Mas é uma escolha que não podemos evitar e que tem imensas consequências. O futuro da aliança depende de nós.

 

NOTA:
[1] Isso é o que R. Elazar de Modiin quer dizer quando se refere àquele que “anula a aliança de nosso pai Abraão”, Avot 3:15.

 

Texto original: “WHY BE JEWISH?” Por Rabino Jonathan Sacks.
Tradução Rachel Klinger Azulay para a Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema

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