NOACH

Posted on outubro 14, 2015

NOACH

A Coragem de Viver Com a Incerteza

Uma parceria da Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema com o escritório do Rabino Jonathan Sacks (The Office of Rabbi Sacks)

Para cada um de nós existem marcos na nossa jornada espiritual que mudam a direção de nossa vida e nos estabelecem em um novo caminho. Para mim um desses momentos aconteceu quando eu era estudante rabínico na Escola Judaica e, assim, tive o privilégio de estudar com um dos grandes estudiosos rabínicos do nosso tempo, o Rabino Dr. Nahum Rabinovitch.
Ele era um gigante: um dos mais profundos estudiosos de Maimônides na idade moderna, igualmente familiar com praticamente todas as disciplinas seculares, assim como com toda a literatura rabínica, e um dos mais ousados e independentes dos poskim, como mostram seus vários volumes de Responsa publicados. Ele também mostrou o que era ter coragem espiritual e intelectual, e isso em nosso tempo provou-se, infelizmente, ser muito raro.
A ocasião não era especial. Ele estava apenas dando um de seus regulares Dibrê Torá. A semana era de parashá Noach. Mas o Midrash que ele citou para nós foi extraordinário. Na verdade, é bastante difícil de encontrar. Ele aparece no livro conhecido como Tanhumá de Buber, publicado em 1885 pelo avô de Martin Buber, Shlomo, em manuscritos antigos. É um texto muito inicial – alguns dizem que remonta ao quinto século – e tem alguma sobreposição com um Midrash antigo de que não temos mais o texto completo, conhecido como Midrash Yelamdenu.
O texto é dividido em duas partes, e é um comentário sobre as palavras de D-s a Noé: “Então D-s disse a Noé: ‘Vem para fora da arca’” (Gen. 8:16). Sobre isso, o Midrash diz: “Noach disse para si mesmo, Já que eu só entro na arca com permissão (de D-s), será que poderei sair sem Sua permissão? O Santo, bendito seja Ele, disse-lhe: Você está procurando permissão? Nesse caso, eu lhe dou permissão, como está dito, ‘Então D-s disse a Noé: Saia da arca’”.
O Midrash, em seguida, acrescenta: “Disse Rabi Judá bar Ilai, ‘Se eu estivesse lá eu teria esmagado [as portas] da arca e saído para fora’” (1).
A moral que o Rabino Rabinovitch derivou disso – na verdade, a única possível – era que, quando se trata de reconstruir um mundo fraturado, você não espera por permissão. D-s nos dá permissão. Ele espera que a gente vá em frente.
Essa foi, naturalmente, parte de uma antiga tradição, mencionada por Rashi em seu comentário (para Gen. 6:9), e central para a compreensão dos sábios de porque D-s não começou o povo judeu com Noé, mas com Abraão. Noach, diz a Torá, “andava com D-s” (6:9). Mas D-s disse a Abraão: “Caminha à minha frente…” (Gen. 17:1). Assim, a questão não era nova, mas o drama e o poder do Midrash eram impressionantes.
De repente compreendi que esta é uma parte significativa do que é a fé no judaísmo: Ter a coragem do pioneiro, fazer algo novo, para tomar o caminho menos percorrido, aventurar-se no desconhecido. Isso é o que Abraão e Sara haviam feito quando eles deixaram a sua terra, a sua casa e a casa de seus pais. É o que os israelitas fizeram nos dias de Moisés, quando eles viajaram para o deserto, guiados apenas por uma coluna de nuvem durante o dia e fogo à noite.
A fé é precisamente a coragem de assumir um risco, sabendo que “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei nenhum mal, porque tu estás comigo” (Salmo 23:4). É preciso fé para desafiar as religiões do mundo antigo, especialmente quando elas foram incorporadas aos maiores impérios de seu tempo. Foi preciso fé para permanecer judeu na época helenística, quando os judeus e o Judaísmo devem ter parecido pequenos e paroquiais quando comparados com a cultura cosmopolita da Grécia antiga e no Império Alexandrino.
Foi preciso a fé do Rabino Yehoshua ben Gamla para construir, já no primeiro século, o primeiro sistema do mundo de escolaridade obrigatória universal (Baba Batra 21a), e a fé de um Raban Yochanan ben Zakai para perceber que o judaísmo poderia sobreviver a perda da independência, da terra e do Templo, com base em uma academia de estudiosos e uma cultura de bolsa de estudos.
Na idade moderna, embora muitas das mentes mais ilustres do Judaísmo perderam ou abandonaram sua fé, no entanto, o antigo reflexo sobreviveu. De que outra forma devemos entender o fenômeno que uma pequena minoria na Europa e nos Estados Unidos foi capaz de produzir tantos formadores da mente moderna, cada um deles um pioneiro em sua própria maneira: Einstein em física, Durkheim em sociologia, Lévi-Strauss na antropologia, Mahler e Schoenberg na música, e toda uma série de economistas inovadores de David Ricardo (a lei da vantagem comparativa) para John von Neumann (Teoria dos Jogos) a Milton Friedman (teoria monetária), para Daniel Kahneman e Amos Tversky (economia comportamental).
Eles dominaram as áreas da psiquiatria, psicoterapia e psicanálise, desde Freud e seu círculo a Viktor Frankl (Logo terapia), Aaron T. Beck (terapia cognitiva comportamental) e Martin Seligman (Psicologia Positiva). Os pioneiros de Hollywood e do cinema eram quase todos judeus. Mesmo na música popular a realização é impressionante, de Irving Berlin e George Gershwin, mestres do musical americano, a Bob Dylan e Leonard Cohen, os dois poetas supremos da música popular no século XX.
Em muitos casos – tal é o destino de inovadores – as pessoas em causa tiveram que enfrentar uma enxurrada de críticas, o desprezo, oposição ou indiferença. Você tem que estar preparado para estar só, na melhor das hipóteses incompreendido, na pior das hipóteses caluniado e difamado. Como disse Einstein: “Se a minha teoria da relatividade for comprovadamente um sucesso, a Alemanha vai afirmar que sou alemão e a França vai me declarar um cidadão do mundo. Caso a minha teoria se provar falsa, a França vai dizer que eu sou um alemão, e a Alemanha vai declarar que eu sou judeu”. Para ser um pioneiro – como os judeus sabem de nossa história – você tem que estar preparado para permanecer muito tempo num deserto.
Essa foi a fé dos primeiros sionistas. Eles sabiam desde o início, alguns nos anos 1860, outros após os pogroms dos anos 1880, Herzl após o julgamento de Dreyfus, que a Europa Iluminista e emancipada tinha falhado e que, apesar de suas imensas realizações científicas e políticas, a Europa continental ainda não tinha lugar para os judeus. Alguns sionistas eram religiosos, outros eram seculares, mas o mais importante de tudo é que todos sabiam o que o Midrash Tanhumá esclareceu: quando se trata de reconstruir um mundo despedaçado ou um sonho frustrado, você não espera pela permissão do Céu. O Céu está lhe dizendo para ir em frente.
Isso não é uma carta branca para fazermos o que gostaríamos de fazer. Nem toda inovação é construtiva. De fato, algumas podem ser muito destrutivas. Mas este princípio de “Caminhe em frente”, a ideia de que o Criador quer que nós, Sua maior criação, seja criativa, é o que faz o Judaísmo único no alto valor que atribui à pessoa humana e à condição humana.
A fé é a coragem de assumir um risco pela causa de D-s ou pelo povo judeu; para começar uma viagem para um destino longínquo, sabendo que haverá perigos ao longo do caminho, mas sabendo também que D-s está conosco, nos dando força se alinharmos nossa vontade com a Sua. A fé não é certeza, mas a coragem de viver com a incerteza.

NOTA:
(1) O Midrash parece estar baseado no fato que este é o primeiro versículo na Torá onde o verbo d-b-r (falar) é usado. A raiz a-m-r (dizer) tem um significado semelhante, mas há uma pequena diferença entre eles. D-b-r comumente implica em falar duramente, em tom de julgamento. Veja também Ibn Ezra ad loc, que dá sentido ao texto indicando que Noach estava relutante em deixar a arca.
Texto original: “THE COURAGE TO LIVE WITH UNCERTAINTY” por Rabino Jonathan Sacks.
Tradução Rachel Klinger Azulay para a Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema

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