NITZAVIM

Posted on setembro 11, 2015

NITZAVIM

POR QUE JUDAÍSMO?

Uma parceria da Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema com o escritório do Rabino Jonathan Sacks (The Office of Rabbi Sacks)

A parashá desta semana levanta uma questão que vai ao âmago do judaísmo, mas que não foi questionada por muitos séculos até que foi levantada por um grande estudioso espanhol do século XV, o Rabino Isaac Arama. Moisés está quase no fim de sua vida. O povo está prestes a atravessar o Jordão e entrar na Terra Prometida. Moisés sabe que deve fazer mais uma coisa antes de morrer. Ele deve renovar a aliança entre o povo e D-s.

O compromisso havia sido feito quase 40 anos atrás pelos seus antepassados, quando estavam no Monte Sinai e disseram: “Faremos e obedeceremos a tudo o que D-s declarou” (Ex. 24:7). Mas agora Moisés precisava garantir que a próxima geração e todas as gerações futuras ficassem vinculadas por esse compromisso. Ele não queria que alguém fosse capaz de dizer: “D-s fez um pacto com os meus antepassados, mas não comigo. Eu não dei o meu consentimento. Eu não estava lá. Eu não estou comprometido”. Por isso Moisés disse:

Não é só com você que eu estou fazendo este juramento, mas com quem está aqui de pé conosco hoje perante o Senhor nosso D-s, e com quem não está aqui conosco hoje. (Deut. 29:13-14).

“Quem não está aqui” não pode significar israelitas vivos na época que estivessem em outro lugar. A nação inteira estava presente na Assembleia. Significa “gerações que ainda não nasceram”. É por isso que o Talmud diz: somos todos mushba ve-omed me-har Sinai, “faltosos do Sinai” (1).

Daí um dos fatos mais fundamentais sobre o judaísmo: à exceção dos convertidos, nós não optamos por ser judeus. Nascemos como judeus. Nós nos tornamos adultos legais, sujeitos aos mandamentos, aos doze anos para meninas; treze para meninos. Mas nós somos parte da aliança desde o nascimento. Um bat mitzvá ou bar mitzvá não é uma “confirmação”. Trata-se da aceitação voluntária da identidade judaica. Essa escolha ocorreu mais de três mil anos atrás quando Moisés disse: “Não é com você somente que eu estou fazendo este juramento, mas com quem quer que não esteja aqui conosco hoje”, ou seja, todas as gerações futuras.

Mas como pode ser assim? Não há nenhuma obrigação sem consentimento. Como podemos estar sujeitos a um compromisso com base de uma decisão tomada há muito tempo pelos nossos ancestrais distantes? Certamente, na lei judaica você pode atribuir um benefício a outra pessoa sem o seu consentimento. Mas embora seja certamente um benefício ser um judeu, também é, em certo sentido, uma responsabilidade, uma restrição à nossa gama de escolhas legítimas. Por que, então, somos envolvidos agora por compromissos que os israelitas fizeram naquela época?

Judaicamente, esta é a pergunta. Como pode a identidade religiosa ser passada de pai para filho? Se a identidade fosse meramente étnica, poderíamos entender. Nós herdamos muitas coisas de nossos pais – mais obviamente os nossos genes. Mas ser judeu não é uma condição genética. É um conjunto de obrigações religiosas.

Os sábios deram uma resposta sob a forma de uma tradição sobre a parashá de hoje. Eles disseram que as almas de todas as gerações futuras estavam presentes no Sinai. Como almas, eles deram livremente o seu consentimento, gerações antes de terem nascido (2). No entanto, Arama argumenta que isso não pode responder a nossa pergunta, uma vez que a aliança com D-s não é apenas com almas, mas também com seres humanos encarnados. Nós somos seres físicos com desejos físicos. Podemos entender que a alma iria concordar com o pacto. O que a alma deseja, se não a proximidade com D-s? (3).

Mas o parecer favorável que conta é com seres humanos vivos em corpos, e não podemos assumir que eles concordariam com a Torá, com suas muitas restrições sobre comer, beber, relações sexuais e o resto. Não até que nasçamos e tenhamos idade suficiente para entender o que está sendo pedido de nós, para então podermos dar o nosso consentimento de uma forma que nos una. Portanto, o fato de que as gerações futuras estiveram presentes na cerimônia do pacto com Moisés não nos dá a resposta que precisamos.

Em essência, Arama estava perguntando: por que ser judeu? O que foi fascinante é que ele tenha sido o primeiro a fazer essa pergunta desde a era do Talmud. Por que não foi perguntado antes? Por que isso foi perguntado pela primeira vez na Espanha, no século XV? Por muitos séculos, a pergunta: “Por que ser judeu?” Não surgiu. A resposta era auto evidente. Sou judeu porque é isso que meus pais foram, e os pais deles antes deles, isso desde o início dos tempos judaicos. Questões existenciais só surgem quando nós sentimos que há uma escolha. Por grande parte da história, a identidade judaica não foi uma escolha. Era um fato de origem, um destino. Não era algo que você escolhesse, tal como não é escolha você nascer.

Na Espanha do século XV, os judeus foram confrontados com uma escolha. Os judeus da Espanha experimentaram seu Kristallnacht em 1391, e a partir de então até a expulsão, em 1492, os judeus viram-se excluídos de mais e mais áreas da vida pública. Havia imensa pressão sobre eles para se converterem, e alguns o fizeram. Destes, alguns mantiveram a sua identidade judaica em segredo, mas outros não. Pela primeira vez em muitos séculos, manter-se judeu passou a ser visto não apenas como um destino, mas como uma escolha. Foi por isso que Arama levantou a pergunta que não havia sido feita por tanto tempo. É também por isso que, numa época em que tudo de significativo parece aberto à escolha, está sendo perguntado novamente em nosso tempo.

Arama deu uma resposta. Eu dei a minha própria em meu livro Uma letra da Torá (4). Mas eu acredito que uma grande parte da resposta está no que o próprio Moisés disse no final de sua comunicação: “Eu chamo o céu e a terra como testemunhas de que eu pus diante de vocês a vida e a morte, a bênção e a maldição. Portanto, escolha a vida, para que você e seus filhos possam viver” (Deut. 30:19).

Escolha a vida. Nenhuma religião, nenhuma civilização, tem insistido de forma tão enérgica e consistente de que podemos escolher. Nós temos em nós mesmos, diz Maimônides, a escolha de ser tão justo quanto Moisés ou tão malvado quanto Jeroboam (5). Podemos ser grandes. Podemos ser pequenos. Podemos escolher.

Os antigos com sua crença no destino, na sorte, moira, ananke, a influência das estrelas ou a arbitrariedade da natureza, não acreditavam plenamente na liberdade humana. Para eles, a verdadeira liberdade significava, se você fosse religioso – aceitar o destino, ou se você fosse filosófico – a consciência da necessidade. Nem os ateus mais científicos acreditam nisso hoje em dia. Somos definidos, dizem eles, pelos nossos genes. Nosso destino está planejado em nosso DNA. A escolha é uma ilusão da mente consciente. É a ficção que dizemos a nós mesmos.

O Judaísmo diz: Não. A escolha é como um músculo: ou você o usa ou vai perdê-la. A lei judaica é um regime de formação contínua na força de vontade. Você pode comer isso e não aquilo? Você pode praticar a espiritualidade três vezes por dia? Você pode descansar um dia a cada sete dias? Você pode adiar a gratificação do instinto – o que Freud considerava ser a marca da civilização? Você pode praticar o autocontrole – de acordo com o “teste do marshmallow”, o sinal mais seguro do sucesso na vida futura? (6). Ser judeu não significa ir com o fluxo, não fazer o que os outros fazem apenas porque eles estão fazendo. Ser judeu nos dá 613 exercícios na força de vontade para moldar nossas escolhas. É assim que, com D-s, nos tornamos coautores de nossas vidas. “Nós temos que ser livres”, disse Isaac Bashevis Singer, “Nós não temos escolha!”

Escolha a vida. Em muitas outras religiões, a vida aqui na terra com os seus amores, perdas, triunfos e derrotas, não é o valor mais elevado. O céu deve ser encontrado na vida após a morte, ou a alma em comunhão ininterrupta com D-s, ou na aceitação do como ele é. A vida é a eternidade, a vida é a serenidade, a vida é livre de dor. Mas isso, para o Judaísmo, não é exatamente a vida. Pode ser nobre, espiritual, sublime, mas não é a vida com toda a sua paixão, responsabilidade e risco.

O judaísmo nos ensina como encontrar D-s aqui na terra e não lá em cima no céu. Isso significa se envolver com a vida, não se esconder dela. Destina-se, não tanto a felicidade como alegria: a alegria de estar com os outros e com eles fazer uma bênção sobre a vida. Isso significa correr o risco de amar, comprometer-se, ter lealdade. Significa viver para algo maior do que a busca do prazer ou sucesso. Significa ousar muito.

Ele não nega o prazer. O Judaísmo não é ascético. Não faz adoração ao prazer. O Judaísmo não é hedonista. Em vez disso, santifica o prazer. Ele traz a presença Divina para os atos mais físicos: comer, beber, ter intimidade. Nós encontramos D-s não apenas na sinagoga, mas em casa, na casa de estudo e nos de atos de bondade, na comunidade, na hospitalidade e onde quer que façamos algum conserto das fraturas do nosso mundo humano.

Nenhuma outra religião jamais teve o maior respeito pela pessoa humana. Nós não estamos contaminados pelo pecado original. Não somos simplesmente um mero punhado de genes egoístas. Nós não somos uma forma de vida inconsequente perdidos na vastidão do universo. Nós somos o ser a quem D-s concedeu sua imagem e semelhança. Nós somos o povo que D-s escolheu para sermos seus parceiros na obra da criação. Nós somos a nação que D-s escolheu para se casar no Sinai tendo a Torá como nosso contrato de casamento. Nós somos o povo que D-s chamou para ser suas testemunhas. Nós somos os embaixadores do céu no país chamado Terra.

Não somos melhores ou piores do que outros. Nós somos simplesmente diferentes, porque D-s valoriza a diferença que, pela maior parte dos tempos, os seres humanos têm procurado eliminar através da imposição de uma fé, um regime ou um império sobre toda a humanidade. A nossa religião é uma das poucas a assegurar que os justos de todas as nações têm uma cota no céu por causa do que eles fazem na Terra.

Escolha a vida. Nada soa mais fácil mesmo que nada tenha se mostrado mais difícil através dos tempos. Ao invés disso as pessoas escolhem substitutos para a vida. Eles buscam a riqueza, as posses, status, poder, fama, e para esses deuses as pessoas fazem o sacrifício supremo, percebendo tarde demais que a verdadeira riqueza não é o que você possui, mas aquilo pelo que você tem gratidão, pois o status mais elevado é não se preocupar com status, e essa influência é mais forte do que o poder.

É por isso que, apesar de poucas religiões serem mais exigentes, a maior parte dos judeus, na maioria das vezes, têm permanecido fiéis ao judaísmo, vivendo vidas judaicas, constituindo lares judaicos e continuando a história judaica. É por isso que, com uma fé tão inabalável como tem provado ser na verdade, Moisés estava convencido de que “Não com você somente faço este pacto e este juramento… mas também com aqueles que não estão conosco hoje”. Seu presente para nós é que através do culto a algo tão maior do que nós, nos tornamos muito maiores do que seriamos de outra forma.

Por que o judaísmo? Porque não há qualquer outra maneira mais difícil de escolher a vida.

NOTAS:

  • Yomá 73b, Nedarim 8a.
  • Shavuot 39a.
  • Isaac Arama, Akedat Yitzhak, Deuteronomy, Nitzavim.
  • Publicado na Britânia tão Radical na época, quanto hoje em dia
  • Hilchot Teshuvá 5:2.
  • Walter Mischel, The Marshmallow Test, Bantam Press, 2014.

Texto original: “WHY JUDAISM?” por Rabino Jonathan Sacks.

Tradução Rachel Klinger Azulay para a Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema

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