PEKUDÊ

Posted on março 10, 2016

PEKUDÊ

Não Se Sente: Caminhe

Uma parceria da Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema com o escritório do Rabino Jonathan Sacks (The Office of Rabbi Sacks)

Ficar sentado é o novo fumar. Esse é o novo mantra da saúde. Ficar muito tempo numa mesa ou na frente de uma tela coloca você em risco de perigo significativo para a sua saúde. A Organização Mundial de Saúde identificou a inatividade física como o quarto maior perigo para a saúde atualmente, à frente da obesidade. Nas palavras do Dr. James Levine, um dos principais especialistas do mundo sobre o assunto e o homem responsável pela criação do mantra: “Estamos nos sentando para a morte”.

A razão é que não fomos feitos para ficar parados. Nossos corpos foram feitos para o movimento, ficar de pé, andar e correr. Se não formos capazes de dar ao corpo o exercício regular, ele pode facilmente funcionar mal e colocar-nos em risco de doença grave. A questão é: será que o mesmo se aplica para a alma, o espírito, a mente? É fascinante olhar para a sequência de verbos no primeiro versículo do livro de Salmos: “Feliz é o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios, nem se levanta para o caminho dos pecadores, ou se senta em torno dos escarnecedores” (Salmos 1:1). Isso é um retrato da vida ruim, vivida na busca de valores errados. Note como o homem mau começa caminhando, depois fica de pé, e em seguida se senta. A vida ruim imobiliza. Esse é o ponto dos famosos versos no Halel:

Os ídolos deles são de prata e ouro, obra das mãos dos homens. Têm boca, mas não falam, olhos, mas não veem, têm ouvidos, mas não ouvem; têm nariz, mas não cheiram. Eles têm mãos, mas não podem sentir, têm pés, mas não podem andar, nem podem fazer um som com suas gargantas. Aqueles que os fazem irão ficar como eles; assim serão todos os que neles confiam (Salmos 115:4-8).

Se você vive para coisas inanimadas – como diz o autocolante no vidro traseiro, “aquele que morre com mais brinquedos ganha” – você vai se tornar sem vida.

Exceto na Casa do Senhor, os judeus não se sentam. A vida judaica começou com duas jornadas muito importantes, Abraão a partir da Mesopotâmia, Moisés e os israelitas do Egito. “Caminhe à minha frente e seja irrepreensível”, disse D-s a Abraão (Gen. 17:1). Com a idade de noventa e nove anos, tendo recentemente sido circuncidado, Abraão viu três estranhos passando por perto e “correu para encontrá-los”. No verso “Jacob habitou [vayeshev, verbo que também significa “sentar”] na terra onde seu pai tinha ficado”, Rashi, citando os sábios, comentou: “Jacob procurou viver em tranquilidade, mas logo vieram os problemas de José”. Os justos não ficam parados. Eles não têm uma vida tranquila.

Raramente a questão é colocada com mais sutileza do que no final da parashá desta semana e do livro do Êxodo como um todo. O Tabernáculo tinha sido feito e montado. Os versos finais nos dizem sobre a relação entre ele e a “nuvem de glória” que encheu a tenda da reunião. O Tabernáculo foi feito para ser portátil (1). Podia ser desmontado e suas partes transportadas quando os israelitas viajavam para a próxima etapa de sua jornada. Quando chegava a hora para eles seguirem em frente, a nuvem se movia da Tenda da Reunião para uma posição fora do campo, sinalizando a direção que os israelitas deviam tomar. Eis como a Torá descreve:

Quando a nuvem se levantava de sobre o tabernáculo, os israelitas caminhavam em todas as suas jornadas, mas se a nuvem não se levantava, eles não partiam até o dia em que a nuvem se levantava. Então a nuvem do Senhor estava sobre o tabernáculo ao longo do dia, e o fogo estava na nuvem à noite, à vista de toda a casa de Israel em todas as suas jornadas (Ex. 40:36-38).

Há uma diferença significativa entre as duas ocorrências da frase “em todas as suas jornadas”. Na primeira, as palavras têm o significado literal. Quando a nuvem se levantava, os israelitas sabiam que estavam prestes a começar uma nova etapa de sua viagem. No entanto, no segundo caso, elas não podem ser entendidas literalmente. A nuvem não estava “sobre o Tabernáculo” em todas as suas jornadas. Ao contrário, ela estava lá apenas quando eles paravam de viajar e acampavam. Durante as viagens a nuvem ia à frente.

Rashi observa isso e faz o seguinte comentário:

O lugar onde eles acampavam é também chamado de massá, “uma jornada” … porque a partir do local de acampamento eles sempre partiam novamente em uma nova jornada; portanto, elas todas são chamadas de “jornadas”.

A questão é linguística, mas a mensagem é notável. Em poucas palavras, Rashi resumiu uma verdade existencial sobre a identidade judaica. Ser judeu é viajar. O judaísmo é uma jornada e não um destino. Mesmo um lugar de descanso, um acampamento, ainda é chamado de uma jornada. Os patriarcas viveram não em casas, mas em tendas (2). A primeira vez que nos é dito que um patriarca construiu uma casa, prova a questão:

Jacob viajou para Sukot. Lá, ele construiu uma casa e fez abrigos [Sukot] para o seu gado. É por isso que ele chamou o lugar de Sukot (Gen. 33:17).

O verso é surpreendente. Jacob acaba de se tornar o primeiro membro da família da aliança a construir uma casa, mas ainda assim ele não chama o lugar de “Casa” (como em Bet-El ou Bet-lechem). Ele chama de galpões de gado”. É como se Jacob, consciente ou inconscientemente, já soubesse que viver a vida do pacto significa estar pronto para seguir em frente, fazer a jornada, viajar, crescer.

Poderíamos pensar que tudo isso se aplicaria apenas ao tempo anterior aos israelitas atravessarem o Jordão e entrarem na Terra Prometida. No entanto, a Torá nos diz de outra forma:

A terra não deve ser vendida em perpetuidade, porque a terra é Minha: vocês são estrangeiros e residentes temporários no que se refere a Mim (Lev. 25:23).

Se vivermos como se a terra fosse permanentemente nossa, a nossa estadia lá será temporária. Se vivermos como se fosse apenas temporariamente, então vamos viver lá permanentemente. Neste mundo de tempo e de mudança, crescimento e decadência, só D-s e Sua Palavra são permanentes. Uma das linhas mais pungentes no livro dos Salmos – um verso estimado pelo filósofo judeu-francês Emmanuel Levinas – diz, “Eu sou um estranho na terra. Não esconda seus mandamentos de mim” (Salmos 119:19). Ser judeu é não ficar muito enraizado, pronto para começar a próxima etapa da jornada, literal ou metaforicamente. A casa de um inglês é seu castelo, eles costumam dizer. Mas a casa de um judeu é uma tenda, um tabernáculo, uma suká. Sabemos que a vida na terra é uma moradia temporária. É por isso que valorizamos cada momento e sua nova experiência.

Recentemente, um distinto judeu britânico, (Lord) George Weidenfeld, morreu com a idade de 96 anos. Ele era um editor bem-sucedido, um amigo e confidente de líderes europeus, um lutador inveterado pela paz e um sionista apaixonado. Em 1949-1950, ele era conselheiro político e Chefe de Gabinete para Chaim Weizmann, primeiro Presidente de Israel. Um de seus últimos atos foi ajudar o resgate de 20.000 refugiados cristãos que fugiam do ISIS, na Síria. Ele estava alerta e ativo, até mesmo hiperativo, até o fim de uma vida longa e distinta.

Em entrevista ao The Times em seu aniversário de noventa e dois anos foi-lhe feita a seguinte pergunta: “A maioria das pessoas nos seus 90 anos abrandam suas atividades. Você parece estar acelerando. Por que isso?” Ele respondeu: “Quando você chega aos noventa e dois anos, você começa a ver a porta prestes a fechar. Eu tenho tanta coisa para fazer antes da porta se fechar que quanto mais velho fico, mais eu tenho que trabalhar”. Essa é uma boa fórmula para permanecer jovem.

Como nossos corpos, nossas almas não foram feitas para ficar paradas. Fomos feitos para nos mover, caminhar, viajar, aprender, pesquisar, batalhar, crescer, sabendo que não nos é exigido completar o trabalho, mas também não podemos nos colocar à parte dele. No judaísmo, como o livro do Êxodo nos lembra em suas palavras finais, mesmo um acampamento é chamado de uma jornada. Em assuntos espirituais, não apenas físicos, ficar sentado é o novo fumar.

 

NOTAS:

(1) Isso é especialmente verdadeiro com respeito à arca. Era carregada por varas que passavam através de anéis na parte lateral da arca. Era proibido remover as varas, mesmo quando os israelitas estavam acampados (Ex. 25:15). A arca precisa estar sempre pronta para viajar a qualquer momento. Veja o comentário de S. R. Hirsch ad loc.
(2) Observe que Lot, em Sodoma, viveu numa casa (Gen. 19:2). Labão também (Gen. 24:23).

 

Texto original: “Don´t Sit: Walk” por Rabino Jonathan Sacks.
Tradução Rachel Klinger Azulay para a Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema

PARASHIOT mais recentes

PARASHIOT MAIS RECENTES

METSORA

Existe algo como Lashon Tov? Os Sábios entenderam tsara’at, o tema da parashá desta semana, não como uma doença, mas com...

Leia mais →

TAZRIA

Otelo, WikiLeaks e paredes mofadas Foi a Septuaginta, a antiga tradução grega da Bíblia Hebraica, que traduziu tsara’at,...

Leia mais →

SHEMINI

Espontaneidade: Boa ou Ruim? Shemini conta a trágica história de como a grande inauguração do Tabernáculo, um dia sobre o qua...

Leia mais →

HORÁRIOS DAS REZAS