SHEMINI

Posted on março 26, 2019

SHEMINI

Entre a Esperança e a Humanidade

Deveria ter sido o grande dia da celebração. O Tabernáculo, a primeira casa coletiva de adoração de Israel, estava completo. Todas as preparações foram feitas. Durante sete dias, Moisés realizou a inauguração. Agora, o oitavo dia, o primeiro de Nissan, havia chegado. Os sacerdotes, liderados por Aaron, estavam prontos para começar o serviço.

Foi então que a tragédia ocorreu. Dois dos filhos de Aaron, Nadav e Avihu, trouxeram “fogo estranho, que [D-s] não os havia ordenado”. Fogo “veio do Senhor” e eles morreram. Então seguiram duas cenas entre Moisés e Aaron. A primeira:

Moisés então disse a Aaron: “Isto é o que o Senhor falou quando Ele disse: ‘Entre os que estão perto de Mim, Eu Me mostrarei santo; à vista de todo o povo, Eu serei honrado.” Aaron permaneceu calado. (Lev. 10: 3)

Moisés então ordenou que seus corpos fossem removidos, e proibiu Aaron e seus filhos restantes de se envolverem em rituais de luto. Ele lhes deu mais instruções para evitar que tais tragédias ocorressem no futuro e, em seguida, passou a verificar se os sacrifícios do dia haviam sido realizados. Ele descobriu que Aaron e seus filhos haviam queimado a oferta pelo pecado, em vez de comê-la como prescrito:

Quando Moisés perguntou sobre o bode da oferta pelo pecado e descobriu que ele havia sido queimado, ele ficou zangado com Eleazar e Itamar, os filhos remanescentes de Aaron, e perguntou: “Por que vocês não comeram a oferta pelo pecado na área do Santuário? É muito sagrado; foi dado a vocês para tirar a culpa da comunidade fazendo expiação por eles diante do Senhor. Já que seu sangue não foi levado para o Lugar Santo, vocês deveriam ter comido o bode na área do Santuário, como eu ordenei.

Aarão respondeu a Moisés: “Hoje eles sacrificaram a sua oferta pelo pecado e a sua oferta queimada diante do Senhor, mas coisas como estas aconteceram comigo. O Senhor teria ficado satisfeito se eu tivesse comido a oferta pelo pecado hoje?” Quando Moisés ouviu isso, ele aprovou. (Lev. 10: 16-20)

Sem entrar nos detalhes dessas trocas, sua psicologia é cativante. Moisés tenta consolar seu irmão, que perdeu dois de seus filhos. Ele diz a ele que D-s disse: “Entre os que estão perto de Mim, Eu Me mostrarei sagrado”. Segundo Rashi, ele disse: “Agora vejo que eles [ Nadav e Avihu ] eram maiores do que você e eu”. Quanto mais santa a pessoa, mais D-s exige dela.

É como se Moisés dissesse a Aaron: “Meu irmão, não desista agora. Nós chegamos tão longe. Nós subimos tão alto. Eu sei que seu coração está quebrado. Assim como o meu. Nós não pensamos – você e eu – que nossos problemas estavam para trás, que depois de tudo que sofremos no Egito, e no Mar Vermelho, e na batalha contra Amalek, e no pecado do bezerro de ouro, que nós finalmente estávamos seguros e livres? E agora isso aconteceu. Aaron, não desista, não perca a fé, não se desespere. Seus filhos morreram não porque eram maus, mas porque eram santos. Embora o ato deles estivesse errado, suas intenções eram boas. Eles simplesmente tentaram com muita força. Mas, apesar das palavras de consolo de Moisés, “Aaron permaneceu em silêncio”, perdido em uma dor profunda demais para palavras.

Na segunda cena, Moisés está preocupado com alguma outra coisa – a comunidade, cujos pecados deveriam ter sido expiados pela oferta pelo pecado. É como se ele tivesse dito a Aaron: “Meu irmão, sei que você está em estado de luto. Mas você não é apenas uma pessoa privada. Você também é o Sumo Sacerdote. As pessoas precisam de você para realizar seus deveres, quaisquer que sejam seus sentimentos interiores.” Aaron responde: “O Senhor teria ficado satisfeito se eu tivesse comido a oferta pelo pecado hoje?” Só podemos adivinhar a importância exata dessas palavras. Talvez elas querem dizer isso: “Eu sei que, em geral, um Sumo Sacerdote é proibido de lamentar como se ele fosse um indivíduo comum. Essa é a lei e eu aceito isso. Mas se eu tivesse agido neste dia inaugural como se nada tivesse acontecido, como se meus filhos não tivessem morrido, isto não pareceria às pessoas como se eu fosse sem coração, como se a vida e a morte humanas não significassem nada, como se o serviço de D-s significasse uma renúncia da minha humanidade?” Desta vez, Moisés está em silêncio. Aaron está certo e Moisés sabe disso.

Nessa troca entre dois irmãos, nasce uma enorme coragem: a coragem de um Aaron que tem a força para lamentar e não aceitar qualquer consolo fácil, e a coragem de um Moisés que tem força para continuar apesar do pesar. É quase como se estivéssemos presentes no nascimento de uma configuração emocional que caracterizará o povo judeu nos séculos vindouros. Os judeus são um povo que teve mais do que sua parcela de sofrimento. Como Aaron, eles não perderam sua humanidade. Eles não permitiram que seu sentimento de tristeza fosse entorpecido, amortecido, dessensibilizado. Mas também não perderam a capacidade de continuar, ir adiante, ter esperança. Como Moisés, eles nunca perderam a fé em D-s. Mas como Aaron, eles nunca permitiram que a fé anestesiasse seus sentimentos, sua vulnerabilidade humana.

Isso, parece-me, é o que aconteceu com o povo judeu após o Holocausto. Não haviam – e não há – palavras para silenciar a dor ou acabar com as lágrimas. Podemos dizer – como Moisés disse a Aaron – que as vítimas eram inocentes, santas, que morreram al kidush Hashem, “em santificação do nome de D-s”. Certamente isso é verdade. Ainda assim, “Aaron permaneceu em silêncio”. Quando todas as explicações e consolações foram dadas, a dor continua, sem ser desassociada. Nós não seríamos humanos se assim não fosse. Essa, certamente, é a mensagem do livro de Jó. Os consoladores de Jó eram piedosos em suas intenções, mas D-s preferiu o sofrimento de Jó à sua reivindicação de tragédia.

No entanto, como Moisés, o povo judeu encontrou forças para continuar, para reafirmar a esperança diante do desespero, a vida na presença da morte. Apenas três anos depois de ficar cara a cara com o Anjo da Morte, o povo judeu, ao estabelecer o Estado de Israel, fez a única e mais poderosa afirmação em dois mil anos de que Am Yisrael Chai o povo judeu vive.

Moisés e Aaron eram como os dois hemisférios do cérebro judeu: a emoção humana, por um lado, a fé em D-s, a Aliança e o futuro, por outro. Sem o segundo, teríamos perdido nossa esperança. Sem o primeiro, teríamos perdido nossa humanidade. Não é fácil manter esse equilíbrio, essa tensão. No entanto, é essencial. A fé não nos torna invulneráveis à tragédia, mas nos dá a força de chorar e depois, apesar de tudo, continuar.

Shabat shalom

 

Texto original “Between Hope and Humanity” por Rabino Jonathan Sacks

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