SHEMOT

Posted on janeiro 16, 2017

SHEMOT

Quem Sou Eu?

Uma parceria da Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema com o escritório do Rabino Jonathan Sacks (The Office of Rabbi Sacks)

A segunda pergunta de Moisés a D-s na sarça ardente foi: Quem é você? “Então Irei aos israelitas e direi: ‘O D-s de teus pais me enviou a ti’. Eles imediatamente me perguntarão qual é o seu nome. O que lhes direi?” (Ex. 3:13). A resposta de D-s, Ehieh asher ehieh, mal traduzida em quase todas as Bíblias cristãs como algo como “Eu sou o que sou”, merece um ensaio só para isso (eu lido com ela em meus livros Future Tense e The Great Partnership).

Porém, sua primeira pergunta foi, Mi anochi, “Quem sou eu?” (Ex. 3:11).

“Quem sou para ir a Faraó?”, disse Moisés a D-s. “E como eu poderia retirar os israelitas do Egito?” Superficialmente, o significado é claro. Moisés está perguntando duas coisas. A primeira: quem sou eu, para ser digno de tão grande missão? A segunda: como posso ter sucesso?

D-s responde a segunda pergunta. “Porque eu estarei com você”. Você terá sucesso porque eu não estou pedindo que você faça sozinho. Eu não estou realmente pedindo que você faça isso de jeito algum. Eu estarei fazendo isso por você. Eu quero que você seja Meu representante, Meu porta-voz, Meu emissário e Minha voz.

D-s nunca respondeu à primeira pergunta. Talvez de um modo estranho Moisés respondeu a si mesmo. No Tanach, como um todo, as pessoas que se tornam as mais dignas são as que negam isso enfaticamente. O profeta Isaías, quando encarregado de sua missão, disse: “Eu sou um homem de lábios impuros” (Is. 6:5). Jeremias disse: “Não posso falar, porque sou criança” (Jer. 1:6). David, o maior Rei de Israel, ecoou as palavras de Moisés: “Quem sou eu?” (2 Samuel 7:18). Jonas, enviado em uma missão por D-s, tentou fugir. De acordo com Rashbam, Jacob estava prestes a fugir quando ele encontrou seu caminho bloqueado pelo homem / anjo com quem ele lutou durante a noite (Rashbam para Gen. 32:23).

Os heróis da Bíblia não são figuras de qualquer mito, seja grego ou qualquer outro. Eles não são pessoas possuídas de um senso de destino determinado a partir de uma idade precoce para alcançar a fama. Eles não têm o que os gregos chamavam de megalopsíquia, um senso de seu próprio valor, uma superioridade levemente desgastada. Eles não foram para Eton ou Oxford. Eles não nasceram para governar. Eram pessoas que duvidavam de suas próprias habilidades. Houve momentos em que eles sentiram vontade de desistir. Moisés, Elias, Jeremias e Jonas alcançaram pontos de tal desespero que oraram para morrerem. Eles se tornaram heróis da vida moral contra sua vontade. Havia um trabalho a ser feito – D-s disse a eles – e eles o fizeram. É quase como se uma sensação de pequenez fosse um sinal de grandeza. Então D-s nunca respondeu à pergunta de Moisés: “Por que eu?”

Mas há outra questão dentro da pergunta. “Quem sou eu?” Pode não ser apenas uma questão sobre valorização. Também pode ser uma questão sobre identidade. Moisés, sozinho no Monte Horeb / ​​Sinai, convocado por D-s para levar os israelitas para fora do Egito, não está apenas falando com D-s quando diz essas palavras. Ele também está falando consigo mesmo. “Quem sou eu?”

Há duas respostas possíveis. A primeira: Moisés é um príncipe do Egito. Ele tinha sido adotado como um bebê pela filha do Faraó. Ele cresceu no palácio real. Vestiu-se como um egípcio, parecia um egípcio e falava como um egípcio. Quando ele resgatou as filhas de Jetró de alguns pastores ásperos, elas voltaram e disseram a seu pai: “Um egípcio nos salvou” (2:19). Seu próprio nome, Moisés, foi-lhe dado pela filha do Faraó (Ex. 2:10). Era, presumivelmente, um nome egípcio (de fato, Moisés, como em Ramsés, é a antiga palavra egípcia para “criança”. A etimologia dada na Torá, que Moisés significa “eu o tirei da água”, nos diz o que a palavra sugere na linguagem hebraica). Então a primeira resposta é que Moisés era um príncipe egípcio.

A segunda é que ele era um midianita. Pois, embora ele fosse egípcio por educação, tinha sido forçado a se distanciar. Ele havia feito sua casa em Midian, casou-se com uma mulher midianita, Tziporá, filha de um sacerdote midianita e estava “contente de viver” lá, calmamente como um pastor. Temos tendência a esquecer que ele passou muitos anos lá. Ele deixou o Egito ainda jovem e já tinha oitenta anos de idade no início de sua missão, quando ele esteve pela primeira vez diante do Faraó (Ex. 7:7). Ele deve ter passado a maior parte de sua vida adulta em Midian, longe dos israelitas, por um lado, e dos egípcios, por outro. Moisés era midianita.

Então, quando Moisés pergunta, “Quem sou eu?”, não é apenas por se sentir sem valor. Ele não se sente envolvido. Ele pode ter sido judeu por nascimento, mas ele não havia sofrido o destino de seu povo. Ele não cresceu como judeu. Ele não tinha vivido entre judeus. Ele tinha boas razões para duvidar que os israelitas o reconhecessem como um deles. Como, então, ele poderia se tornar seu líder? Aprofundando a questão, por que ele deveria pensar em tornar-se líder? Aquilo não fazia parte de seu destino. Ele não era responsável por aquilo. Ele não sofria com aquilo. Ele não estava envolvido naquilo.

Além do mais, a única vez em que ele realmente tentou intervir nesses assuntos – ele matou um chefe egípcio que matara um escravo israelita, e no dia seguinte tentou impedir dois israelitas de lutarem um contra o outro – sua intervenção não foi bem-vinda. “Quem te fez governar e julgar sobre nós?”, disseram-lhe. Estas são as primeiras palavras registradas de um israelita a Moisés. Ele ainda não sonhava em ser um líder e sua liderança já estava sendo desafiada.

Considere agora as escolhas que Moisés enfrentou em sua vida. Por um lado ele poderia ter vivido como um príncipe do Egito, em luxo e à vontade. Poderia ter sido seu destino se ele não interviesse. Mesmo depois, tendo sido forçado a fugir, poderia ter vivido seus dias em silêncio como um pastor, em paz com a família midianita onde se casou. Não é de surpreender que, quando D-s o convidou a levar os israelitas à liberdade, ele resistiu.

Por que então ele aceitou? Por que D-s sabia que ele era o homem para a tarefa? Uma dica está contida no nome que deu a seu primeiro filho. Ele o chamou Guershom porque, disse ele, “Eu sou um estranho em uma terra estrangeira” (2:22). Ele não se sentia em casa em Midian. Era onde ele estava, mas não quem ele era.

Mas a verdadeira pista está contida em um versículo anterior, o prelúdio de sua primeira intervenção. “Quando Moisés cresceu, começou a frequentar seu próprio povo, e viu o trabalho árduo que lhes foi atribuído” (2:11). Essas pessoas eram seu povo. Ele pode ter parecido um egípcio, mas ele sabia que essencialmente ele não era. Foi um momento de transformação, não muito diferente quando a moabita Ruth disse à sua sogra Naomi, a israelita: “O teu povo será o meu povo e o teu D-s meu D-s” (Ruth 1:16). Ruth não era judia por nascimento. Moisés era um não-judeu por educação. Mas ambos sabiam que, quando viram o sofrimento e se identificaram com o sofredor, não poderiam distanciar-se.

O Rabino Joseph Soloveitchik chamou isso de aliança de destino, brit goral. Encontra-se no coração da identidade judaica até hoje. Há judeus que acreditam e aqueles que não acreditam. Há judeus que praticam e aqueles que não. Mas há poucos judeus realmente que, quando seu povo está sofrendo, distanciam-se dizendo: Isso não tem nada a ver comigo.

Maimônides, que define isso como “separando-se da comunidade” (poresh mi-darchei ha-tsibur, Hilchot Teshuva 3:11), diz que é um dos pecados pelos quais a você é negada uma parte no mundo vindouro. Isso é o que o Hagadá quer dizer quando diz do ímpio que “por se excluir do coletivo, nega um princípio fundamental da fé”. Que princípio fundamental da fé? Fé no destino coletivo e no destino do povo judeu.

Quem sou eu? perguntou Moisés, mas em seu coração ele sabia a resposta. Eu não sou Moisés, o egípcio, nem Moisés, o midianita. Quando eu vejo o meu povo sofrer eu sou, e não posso ser outro, senão Moisés, o judeu. E se isso impõe responsabilidades sobre mim, então eu devo assumi-las. Porque eu sou quem eu sou porque meu povo é quem ele é.

Essa é a identidade judaica, na época e agora.

 

Texto original: “WHO AM I?” por Rabino Jonathan Sacks.
Tradução Rachel Klinger Azulay para a Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema

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