SHEMOT

Posted on dezembro 28, 2015

SHEMOT

Trasnformando Maldições em Bençãos

Uma parceria da Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema com o escritório do Rabino Jonathan Sacks (The Office of Rabbi Sacks)

Gênesis termina com uma nota quase serena. Jacob encontrou seu filho perdido há muito tempo. A família foi reunida. José perdoou seus irmãos. Sob a sua proteção e influência a família se estabeleceu em Goshen, uma das regiões mais prósperas do Egito. Eles agora têm casas, propriedades, alimentos, a proteção de José e as graças do Faraó. Deve ter parecido um dos momentos de ouro da história da família de Abraão.
Então, como já aconteceu tantas vezes desde então, “Surgiu um novo Faraó que não conheceu José”. Houve uma mudança no clima político. A família perdeu prestigio. O Faraó disse aos seus conselheiros: “Vejam, o povo israelita está se tornando muito numeroso e forte para nós” (1) – a primeira vez que a palavra “povo” é usada na Torá com referência aos filhos de Israel. “Vamos usar de astúcia com eles, para que não possam aumentar”. E assim todo o mecanismo de opressão se move para operar: o trabalho forçado que se transforma em escravidão que se torna em tentativa de genocídio.
A história está gravada na nossa memória. Nós a contamos todos os anos e, de forma sumária em nossas orações, todos os dias. É parte do que é ser judeu. No entanto, há uma frase que brilha na narrativa: “Mas quanto mais eram oprimidos, mais eles aumentavam e mais eles se espalhavam”. Isso, não menos do que a própria opressão, é parte do que significa ser um judeu. Quanto mais a situação piora, mais forte nos tornamos. Os judeus são um povo que não só sobrevive, mas prospera na adversidade.
A história judaica não é apenas uma história de judeus resistindo a catástrofes que poderiam ter significado o fim para grupos menos tenazes. É que depois de cada desastre, os judeus se renovam. Eles descobriam um reservatório oculto de espírito que alimentava novas formas de auto expressão coletiva como os portadores da mensagem de D-s para o mundo.
Cada tragédia gerava nova criatividade. Depois da divisão do reino após a morte de Salomão vieram os grandes profetas literários, Amós e Oséias, Isaías e Jeremias. Da destruição do Primeiro Templo e do exílio na Babilônia veio a renovação da Torá na vida da nação, começando com Ezequiel e culminando no grande programa educacional trazido de volta a Israel por Ezra e Nehemias. Da destruição do Segundo Templo chegou a imensa literatura do judaísmo rabínico, até então preservado na maior parte sob a forma de uma tradição oral: Mishná, Midrash e Guemará.
Das Cruzadas veio a Chassidê Ashkenaz, a escola do Norte Europeu, escola de piedade e espiritualidade. Após a expulsão espanhola veio o círculo místico de Tzefat: Cabalá Luriânica e tudo o que inspirou por meio da poesia e da oração. Da perseguição do Leste Europeu e da pobreza veio o movimento Chassídico com o renascimento do Judaísmo de base através de um fluxo aparentemente interminável de história e música. E da pior tragédia de todas, em termos humanos, o Holocausto, veio o renascimento do Estado de Israel, a maior afirmação coletiva judaica de vida em mais de dois mil anos.
É bem sabido que o ideograma chinês para “crise” também significa “oportunidade”. Qualquer civilização que pode ver a bênção dentro da maldição, o fragmento de luz dentro do coração das trevas, tem dentro de si a capacidade de perdurar. Em hebraico fica melhor. A palavra para a crise, mashber, também significa “uma cadeira de parto”. Escrito na semântica da consciência judaica está a ideia de que a dor de tempos difíceis é uma forma coletiva de contração de uma mulher dando a luz. Algo novo está nascendo. Essa é a mentalidade de um povo de quem se pode dizer que “quanto mais eram oprimidos, mais eles aumentavam e mais eles se espalhavam”.
De onde é que vem essa habilidade judaica para transformar a fraqueza em força, adversidade em vantagem, escuridão em luz? Isso nos leva de volta para o momento em que o nosso povo recebeu seu nome, Israel. Foi então que, tendo Jacob lutado sozinho à noite com um anjo, ao amanhecer seu adversário lhe pediu para deixá-lo ir. “Eu não vou deixar você ir até que você me abençoe”, disse Jacob. Essa é a fonte de nossa peculiar e distinta obstinação. Podemos ter lutado durante toda a noite. Podemos estar cansados e à beira da exaustão. Podemos estar mancando, como estava Jacob. No entanto, nós não vamos deixar nosso adversário ir até ter extraído uma bênção do encontro. Isso acabou sendo uma concessão não menor nem temporária. Tornou-se a base de seu novo nome e nossa identidade. Israel, o povo que “lutou com D-s e com o homem e prevaleceu”, é a nação que cresce mais forte com cada conflito e catástrofe.
Lembrei-me dessa incomum característica nacional por um artigo que apareceu na imprensa britânica em outubro de 2015. Israel na época estava sofrendo uma onda de ataques terroristas de palestinos que assassinavam civis inocentes nas ruas e estações de ônibus em todo o país. Tudo começou com estas palavras: “Israel é um país surpreendente, cheio de energia e confiança, um imã para talentos e investimentos – um caldeirão de inovação”. Estava falando de sua superioridade de classe mundial nos segmentos aeroespacial, de tecnologia limpa, sistemas de irrigação, software, segurança cibernética, produtos farmacêuticos e sistemas de defesa (2).
“Tudo isso”, o escritor chegou a dizer, “deriva da inteligência, pois Israel não tem recursos naturais e é cercado por vizinhos hostis”. O país é a prova do “poder do ensino técnico, a imigração e os benefícios do tipo certo de serviço militar”. No entanto, isso não pode ser tudo, considerando que os judeus têm superado consistentemente, onde quer que estejam e sempre que lhes foi dada a oportunidade. Ele atravessa as várias explicações sugeridas: a força das famílias judias, sua paixão pela educação, um desejo de autonomia, assumir riscos como uma forma de vida, até mesmo na história antiga. O Levante foi o lar das primeiras sociedades agrícolas do mundo e dos primeiros comerciantes. Talvez então a disposição para empreendimentos foi escrita, há milhares de anos, no DNA judaico. Em última análise, porém, ele conclui que tem a ver com “a cultura e as comunidades”.
Um elemento-chave dessa cultura tem a ver com a resposta judaica à crise. Para cada circunstância adversa, aqueles que herdaram a sensibilidade de Jacob insistem: “Eu não vou deixar você ir até você me abençoe”. Essa é a maneira como judeus, deparando-se com o Neguev, encontraram maneiras de fazer florescer o deserto. Vendo uma paisagem estéril negligenciada em outros lugares, eles plantaram árvores e florestas. Diante de exércitos hostis em todas as suas fronteiras, eles desenvolveram tecnologias militares que então se viraram para uso pacífico. Guerra e terror os forçaram a desenvolver competências e liderança mundial em habilidades médicas ao lidar com as consequências do trauma. Eles descobriram formas de transformar toda maldição em bênção. O historiador Paul Johnson, como sempre, coloca a questão de forma eloquente:
Ao longo de mais de 4.000 anos os judeus provaram a si mesmos ser não somente grandes sobreviventes, mas extraordinariamente hábeis em se adaptar às sociedades entre as quais o destino lhes havia colocado e a juntar seja qual fosse o conforto humano que tinham para oferecer. Nenhum povo tem sido mais fértil em enriquecer a pobreza ou humanizar a riqueza, ou em transformar infelicidade em algo criativo (3).
Há algo profundamente espiritual, bem como robustamente prático sobre essa capacidade de transformar os maus momentos da vida em um estímulo à criatividade. É como se no fundo de nós mesmos tivesse uma voz dizendo: “Você está nesta situação, embora seja ruim, porque há uma tarefa para executar, uma habilidade para adquirir, uma força para desenvolver, uma lição para aprender, um mal para ser redimido, uma centelha de luz para ser resgatada, uma bênção para ser revelada, pois eu te escolhi para dar testemunho para a humanidade que do sofrimento pode vir grandes bênçãos se você lutar por tempo suficiente e com fé inabalável”.
Em uma época em que as pessoas de violência estão cometendo atos de brutalidade em nome do D-s da compaixão, o povo de Israel está provando diariamente que esta não é a maneira do D-s de Abraão, o D-s da vida e da santidade da vida. E nós que somos uma parte desse povo desolado, e pergunto quando isso vai acabar, devemos sempre recordar as palavras: “Quanto mais eles eram oprimidos, mais eles cresceram e mais eles se espalharam”. Um povo de quem pode ser dito que pode ser ferido, mas nunca derrotado. O caminho de D-s é o caminho da vida.

NOTAS:
(1) Ex. 1:9. Essa é a primeira insinuação na história do que nos tempos modernos assumiu a forma da falsificação russa, Os Protocolos dos Sábios de Sião. Na Diáspora, os judeus – impotentes – muitas vezes foram vistos como todo-poderosos. O que isso geralmente significa, quando traduzido, é: Como é que os judeus conseguem evitar o status de pária que temos atribuído a eles?
(2) Luke Johnson, ‘Animal Spirits: Israel and its tribe of risk-taking entrepreneurs’, Sunday Times, 4 de outubro de 2015.
(3) Paul Johnson, The History of the Jews, London, Weidenfeld e Nicolson, 1987, 58.

Texto original: “TURNING CURSES INTO BLESSINGS” por Rabino Jonathan Sacks.
Tradução Rachel Klinger Azulay para a Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema

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