SHOFETIM

Posted on setembro 7, 2016

SHOFETIM

A Grandeza da Humildade

Uma parceria da Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema com o escritório do Rabino Jonathan Sacks (The Office of Rabbi Sacks)

Num jantar para celebrar o trabalho de um líder comunitário, o orador-convidado fez um tributo às muitas qualidades desse líder: sua dedicação, trabalho duro e visão. Quando ele se sentou, o líder se inclinou na sua direção e disse: “Você esqueceu de mencionar uma coisa”. “O que foi?”, perguntou o orador. O líder respondeu: “Minha humildade”.

É bem assim. Grandes líderes têm muitas qualidades, mas a humildade comumente não é uma delas. Com raras exceções, tendem a ser ambiciosos, com alta medida de respeito por si mesmo. Esperam ser obedecidos, honrados, respeitados, até mesmo temidos. Eles podem vestir-se com superioridade sem esforço – Eleanor Roosevelt chamou de “vestir uma coroa invisível” – mas há uma diferença entre isso e a humildade.

Isso faz uma provisão inesperada e poderosa na nossa parashá. A Torá está falando sobre um rei. Sabendo que, conforme Lord Acton coloca, o poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe completamente, a Torá especifica três tentações pelas quais um rei em tempos antigos era exposto. Um rei, lá está dito, não deve acumular muitos cavalos ou esposas ou riquezas – as três armadilhas nas quais, centenas de anos atrás, o Rei Salomão ao final caiu. E então, acrescenta:

Quando [o rei] está estabelecido no seu trono real, ele deve escrever para si mesmo sobre um pergaminho uma cópia dessa Torá… Que deve estar com ele, e ele deve a ler todos os dias de sua vida para que ele aprenda a ter reverência pelo Senhor seu D-s e seguir cuidadosamente todas as palavras dessa lei e esses decretos e não sentir-se superior a seus irmãos ou desviar da lei para direita ou para a esquerda. Então ele e seus descendentes irão reinar um longo tempo no meio de Israel (Deut. 17:18-20).

Se um rei, que todos são obrigados a honrar, é comandado a ser humilde – “não sentir-se superior a seus irmãos” – quanto mais o resto de nós. Moisés, o maior líder que o povo judeu já teve, era “muito humilde, mais do que qualquer um na face da terra” (Num. 12:3). Ele era grande porque era humilde, ou era humilde porque era grande? De qualquer forma, conforme R. Johanan disse do próprio D-s, “Onde quer que você encontre sua grandeza você encontrará sua humildade (1).

Isso é uma das revoluções genuínas que o judaísmo trouxe na história da espiritualidade. A ideia de que um rei no mundo antigo pudesse ser humilde pareceria falso. Podemos ainda ver hoje em dia, nas ruinas da Mesopotâmia e Egito, uma série quase infinita de projetos de vaidade criados por governantes em honra de si mesmos. Ramsés II tinha quatro estátuas de si mesmo e duas da rainha Nefertiti colocadas na frente do templo em Abu Simbel. Com 10 metros de altura, eles são quase duas vezes a altura da estátua de Lincoln em Washington.

Aristóteles não teria entendido essa ideia que humildade é uma virtude. Para ele, o megalopsychos, o homem de alma grande, era um aristocrata, consciente de sua superioridade em relação a massa da humanidade. Humildade, juntamente com a obediência, a servidão e auto humilhação, seria para as classes mais baixas, aqueles que tinham nascido para serem descartados. A ideia de que um rei deve ser humilde era radicalmente uma nova ideia introduzida pelo judaísmo e adotado mais tarde pelo cristianismo.

Esse é um exemplo claro de como a espiritualidade faz diferença para a nossa forma de agir, sentir e pensar. Acreditar que há um D-s em cuja presença nós estamos significa que não somos o centro do nosso mundo. D-s É. “Eu sou pó e cinzas”, disse Abraão, o pai da fé. “Quem sou eu?”, disse Moisés, o maior dos profetas. Isso não os torna servis ou bajuladores. Foi precisamente no momento em que Abraão pôs-se como poeira e cinzas que ele desafiou D-s sobre a justiça da punição proposta para Sodoma e as cidades da planície. Foi Moisés, o mais humilde dos homens, que incentivou D-s a perdoar o povo, e caso contrário, “risca-me do livro que Você escreveu”. Eles estavam entre os espíritos mais ousados que a humanidade já produziu.

Há uma diferença fundamental entre duas palavras em hebraico: anivut, “humildade”, shiflut, “auto degradação”. São tão diferentes que Maimônides definiu humildade como o caminho do meio entre shiflut e orgulho (2). Humildade não é baixa autoestima. Isso é shiflut. Humildade significa que você está seguro o suficiente para não precisar ser reafirmado por outros. Significa que você não sente que precisa se provar mostrando que é mais esperto, mais inteligente, mais talentoso ou mais bem sucedido do que outros. Você está seguro porque você vive no amor de D-s. Ele tem fé em você mesmo que você não tenha. Você não precisa se comparar aos outros. Você tem a sua tarefa, eles têm as deles, e isso o leva a cooperar e não competir.

Isso significa que você pode ver outras pessoas e valorizá-las por aquilo que são. Elas não são apenas uma série de espelhos para onde você olha só para ver o seu próprio reflexo. Seguro de si mesmo, você pode valorizar outros. Confiante na sua identidade você pode valorizar as pessoas que não são como você. A humildade se auto transforma para o exterior. É o entendimento de que “Não é sobre você”.

Já em 1979, o falecido Christopher Lasch publicou um livro intitulado A cultura do narcisismo, com o subtítulo, a vida americana em uma época de expectativas reduzidas. Foi um trabalho profético. Ele ali argumentou que a quebra da família, da comunidade e da fé nos deixou fundamentalmente inseguros, desprovidos dos suportes tradicionais de identidade e valor. Ele não viveu para ver a época das selfies, do perfil no Facebook, dos nomes das marcas da moda aparecendo para fora, e das muitas outras formas de “publicidade para si mesmo” – mas ele não teria se surpreendido. Narcisismo, argumentou ele, é uma forma de insegurança, necessitando de constante reafirmação e injeções regulares de autoestima. Simplesmente, não é a melhor maneira de viver.

Eu penso às vezes que o narcisismo e a perda da fé religiosa andam de mãos dadas. Quando perdemos a fé em D-s, o que é deixado no centro da consciência é o eu. Não é coincidência que o maior dos ateus modernos, Nietzsche, foi o homem que viu a humildade como um vício, não uma virtude. Ele a descreveu como a vingança dos fracos contra os fortes. Também não é por acaso que um dos seus últimos trabalhos foi intitulado “Por que eu sou tão inteligente” (3). Pouco depois de escreve-lo ele caiu na loucura que o envolveu nos últimos onze anos de sua vida.

Você não precisa ser religioso para compreender a importância da humildade. Em 2014, a Harvard Business Review publicou os resultados de uma pesquisa que mostrou que “Os melhores líderes são líderes humildes” (4). Eles aprendem com as críticas. Eles são suficientemente confiantes para dar poderes a outras pessoas e elogiar suas contribuições. Eles assumem riscos pessoais em benefício do bem maior. Eles inspiram lealdade e forte espírito de equipe. E o que se aplica aos líderes aplica-se a cada um de nós como cônjuges, pais, colegas de trabalho, membros de comunidades e amigos.

Uma das pessoas mais humildes que eu já conheci foi o falecido Rebe de Lubavitch, Rabi Menachem Mendel Schneerson. Não havia nada de auto rebaixamento sobre ele. Ele se comportava com dignidade silenciosa. Ele era autoconfiante e tinha um comportamento quase da realeza. Mas quando você estava sozinho com ele, ele o fazia se sentir como a pessoa mais importante na sala. Era um dom extraordinário. Era a “realeza sem uma coroa”. Era a “grandeza à paisana”. Isso me ensinou que a humildade não é pensar que você é pequeno. É pensar que as outras pessoas têm grandeza dentro delas.

Ezra Taft Benson disse que “o orgulho está preocupado com quem está certo; a humildade está preocupada com o que está certo”. Servir a D-s com amor, disse Maimônides, é fazer o que é verdadeiramente certo porque é verdadeiramente certo e por nenhuma outra razão (5). O amor é altruísta. O perdão é altruísta. Quando colocamos o eu no centro do nosso universo, no final transformamos tudo e todos em meios para nossos fins. Isso os diminui, o que nos diminui. Humildade significa viver pela luz do que-é-maior-do-que-eu. Quando D-s está no centro de nossas vidas, nós nos abrimos para a glória da criação e a beleza das outras pessoas. Quanto menor o eu, maior o alcance do nosso mundo.

 

NOTAS:
1) Pesikta Zutrata, Ekev.
2) Maimônides, Oito Capítulos, cap. 4; Comentário para Avot, 4:4. Em Hilchot Teshuvá 9:1, ele define shiflut como o oposto de malchut, soberania.
3) Parte do trabalho publicado como Ecce Homo.
4) Jeanine Prime and Elizabeth Salib, ‘The Best Leaders are Humble Leaders’, Harvard Business Review, 12 de maio de 2014.
5) Maimônides, Hilchot Teshuvá 10:2

 

Texto original: “THE GREATNESS OF HUMILILTY” por Rabino Jonathan Sacks.
Tradução Rachel Klinger Azulay

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