TERUMÁ

Posted on fevereiro 12, 2016

TERUMÁ

O Dom de Dar

Uma parceria da Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema com o escritório do Rabino Jonathan Sacks (The Office of Rabbi Sacks)

Foi a primeira casa de culto israelita, a primeira casa que os judeus fizeram para D-s. Mas a ideia está cheia de paradoxos e até mesmo contradições. Como você pode construir uma casa para D-s? Ele é maior do que qualquer coisa que possamos imaginar… muito mais uma construção.

O rei Salomão ressaltou este ponto quando inaugurou outra casa de D-s, o Primeiro Templo: “Mas será que D-s realmente habita na terra? Os céus, mesmo os mais altos céus, não podem contê-lo. Muito menos esta casa que eu construí!” (1 Reis 8:27). Assim fez Isaías em nome do próprio D-s: “O céu é o meu trono, e a terra o escabelo dos meus pés. Que casa você pode construir para mim? Onde estará meu lugar de descanso?” (Isaías 66:1).

Não só parece impossível construir uma casa para D-s, mas também deve ser desnecessário. O D-s de todos os lugares pode ser acessado em qualquer lugar, tão prontamente na cova mais profunda, como na mais alta montanha, em uma favela da cidade assim como num palácio revestido de mármore e ouro.

A resposta é fundamental: D-s não habita em construções. Ele vive nos construtores. Ele não vive em estruturas de pedra, mas no coração humano. O que os sábios e místicos judeus apontam é que em nossa parashá D-s diz: “Deixe-os construir um santuário para mim, de forma que eu possa habitar neles” (Ex. 25:8), e não “de forma que eu possa morar na construção”.

Por que então D-s ordenou ao povo que fizessem um santuário? A resposta dada pela maioria dos comentaristas, e insinuada pela própria Torá, é que D-s deu o comando especificamente após o pecado do bezerro de ouro.

O povo fez o bezerro depois que Moisés já estava na montanha durante quarenta dias para receber a Torá. Desde que Moisés estava no meio deles, as pessoas sabiam que ele se comunicava com D-s, e D-s com ele e, portanto, D-s era acessível, estava próximo. Mas quando Moisés se ausentou por quase seis semanas, eles entraram em pânico. Quem mais poderia preencher a lacuna entre o povo e D-s? Como eles poderiam ouvir as instruções de D-s? Através de que intermediário eles poderiam fazer contato com a presença divina?

É por isso que D-s disse a Moisés: “Deixe-os construir um santuário para que Eu possa habitar no meio deles”. A palavra chave aqui é o verbo sh-ch-n, habitar. Nunca antes havia sido usada em conexão com D-s. Finalmente tornou-se uma palavra-chave para o próprio judaísmo. Dela veio a palavra Mishkan (Tabernáculo) que significa um santuário, e Shechiná, a presença Divina.

Central ao seu significado está a ideia de proximidade. Shachen em hebraico significa um vizinho, a pessoa que mora ao lado. O que os israelitas necessitavam e o que D-s lhes deu foi uma maneira de se sentir tão próximo de D-s quanto estamos próximos ao nosso vizinho.

Isso é o que tinham os patriarcas e matriarcas. D-s falava com Abraão, Isaac e Jacob, Sarah, Rebeca, Rachel e Leá intimamente, como um amigo. Ele disse a Abraão e Sarah que eles teriam um filho. Ele explicou a Rebecca porque ela estava sofrendo uma dor aguda na gravidez. Ele apareceu a Jacob em momentos-chave de sua vida dizendo-lhe para não ter medo.

Os israelitas não tinham experimentado isso até então. Eles tinham visto D-s trazendo pragas sobre os egípcios. Eles O tinham visto dividir o mar. Eles O tinham visto enviar o maná do céu e a água de uma rocha. Eles tinham ouvido os mandamentos de Sua voz no Monte Sinai e descobriram que era quase insuportável. Disseram a Moisés: “Fala-nos tu mesmo e ouviremos. Mas não deixe que D-s nos fale diretamente ou vamos morrer”. D-s havia aparecido para eles como uma presença esmagadora, uma força irresistível, uma luz tão brilhante que olha-la os cegariam, uma voz tão forte que os fariam ensurdecer.

Assim, para que D-s seja acessível, não apenas para os pioneiros da fé – os patriarcas e matriarcas – mas para cada membro de uma grande nação, foi um desafio, por assim dizer, para o próprio D-s. Ele teve que fazer o que os místicos judeus chamam tzimtzum, “contrair” a si mesmo, sua tela de luz, suavizar a sua voz, esconder a Sua glória dentro de uma nuvem espessa, e permitir que o infinito assumisse as dimensões do finito.

Mas esta, por assim dizer, era a parte mais fácil. A parte difícil não tinha nada a ver com D-s e tudo a ver com a gente. Como podemos sentir a presença de D-s? Não é difícil fazê-lo ao pé do Monte Everest ou ao ver o Grand Canyon. Você não precisa ser muito religioso ou até mesmo nada religioso para sentir respeito na presença do sublime. O psicólogo Abraham Maslow, a quem encontramos algumas semanas atrás nestas páginas, falou sobre “experiências de pico”, e as viu como a essência do encontro espiritual.

Mas como sentir a presença de D-s no meio da vida cotidiana? Não a partir do topo do Monte Sinai, mas a partir do descampado aqui embaixo? Não quando ele é cercado por trovões e relâmpagos como foi na grande revelação, mas quando ele é apenas um dia entre os dias?

Esse é o segredo transformador do nome da parashá, Terumá, que significa “a contribuição”. D-s disse a Moisés: “Diga aos israelitas que me tragam uma contribuição. Você deverá receber a contribuição para mim de todo aquele cujo coração pedir-lhe para doar” (25:2). A melhor maneira de encontrar D-s é doar.

O próprio ato de dar flui, ou leva a fluir, o entendimento de que o que nós damos é parte do que nos foi dado. É uma maneira de dar graças, um ato de gratidão. Essa é a diferença na mente humana entre a presença de D-s e a ausência de D-s.

Se D-s está presente, isso significa que o que temos é Seu. Ele criou o universo. Ele nos fez. Ele nos deu a vida. Ele soprou em nós o próprio ar que respiramos. Tudo à nossa volta é a majestade, a plenitude da generosidade de D-s: a luz do sol, o ouro da pedra, o verde das folhas, o canto dos pássaros. Isto é o que nós sentimos lendo os grandes salmos da criação, todos os dias no serviço da manhã. O mundo é a galeria de arte de D-s e Suas obras estão em toda parte.

Quando a vida é uma dádiva, você reconhece isso doando de volta.

Mas se a vida não é uma dádiva, porque não há Doador, se o universo passou a existir somente por causa de uma flutuação aleatória no campo quântico, se não há nada no universo que saiba que existimos, se não há nada no corpo humano, apenas uma sequência de letras do código genético, se não há nada na mente humana, apenas impulsos elétricos no cérebro, se as nossas convicções morais são egoístas com intuito de autopreservação e nossas aspirações espirituais são meras ilusões, então é difícil sentir gratidão pelo dom da vida. Não há doação, se não houver doador. Existe apenas uma série de acidentes sem sentido, e é difícil sentir gratidão por um acidente.

A Torá, portanto, nos diz algo simples e prático. Doe, e você chegará a ver a vida como uma doação. Você não precisa ser capaz de provar que D-s existe. Tudo que você precisa é ser grato por você existir – e o resto se seguirá.

Foi assim que D-s veio para ficar perto dos israelitas através da construção do santuário. Não tem a ver com a qualidade da madeira, dos metais e das cortinas. Não foi o brilho das joias no peitoral do Sumo Sacerdote. Não foi a beleza da arquitetura ou o cheiro dos sacrifícios. Foi o fato de que ele foi construído pelas doações de “todo aquele cujo coração lhes pedia para doar” (Ex. 25:2). A presença Divina repousa onde as pessoas dão voluntariamente uns aos outros e às causas sagradas.

Daí a palavra especial que dá nome à parashá desta semana: Terumá. Eu traduzi Terumá como “contribuição”, mas na verdade há um significado sutilmente diferente para o qual não há tradução equivalente. Significa “algo que você eleva”, dedicando-o para uma causa sagrada. Você a eleva e, em seguida, ela o eleva. A melhor maneira de escalar as alturas espirituais é simplesmente doando em gratidão pelo fato de que lhe foi dado.

D-s não vive em uma casa de pedra. Ele vive nos corações daqueles que doam.

Texto original: “THE GIFT OF GIVING” por Rabino Jonathan Sacks.
Tradução Rachel Klinger Azulay para a Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema

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