VAYAKEL/PEKUDEI

Posted on março 7, 2018

VAYAKEL/PEKUDEI

Fazendo Espaço

Com a dupla parashá desta semana, com seu longo relato acerca da construção do santuário – uma das narrativas mais longas na Torá, que leva 13 capítulos completos – chega a um clímax magnífico:

“Então a nuvem cobriu a tenda da reunião, e a glória do Senhor preencheu o Santuário. Moisés não pôde entrar na Tenda da Reunião porque a nuvem ali se estabeleceu, e a Glória do Senhor preencheu o Santuário” (Ex. 40:34-35).

Era disso que se tratava a construção do santuário: ​​como trazer D-s, por assim dizer, do céu à terra, ou pelo menos do alto da montanha até o embaixo no vale, do D-s distante de poder estarrecedor e inspirador para a Shechiná, a Presença residente, D-s como shachen, um vizinho, íntimo, próximo, dentro do campo, no meio do povo.

Mesmo com tudo isso, perguntamo-nos por que a Torá tem que descrever com tamanho detalhamento o Mishkan, ocupando toda a parashá Terumá, toda Tetzavê, metade de Ki Tissá, e novamente Vayakhel e Pekudê. Afinal, o Mishkan era, na melhor das hipóteses, uma habitação temporária para a Shechiná, apropriada para os anos errantes no deserto. Em Israel, foi substituído pelo Templo. Por dois mil anos, na ausência de um Templo, seu lugar foi ocupado pela sinagoga. Por que, se a Torá é atemporal, ela dedica tanto espaço para o que era essencialmente uma estrutura com limite de tempo?

A resposta é profunda e transformadora para a vida, mas para alcançá-la, devemos destacar alguns fatos. Em primeiro lugar, a linguagem que a Torá usa em Pekudê lembra muito a linguagem usada na narrativa da criação do universo:

 

Gênesis 1-2Êxodo 39-40
E D-s viu tudo o que Ele havia feito e observou que era muito bom (1:31).Moisés viu todo o trabalho habilidoso e observou que eles o tinham feito; Como D-s havia ordenado, eles haviam feito (39:43).
Os céus e a terra e toda a sua variedade foram concluídos (2:1).Todo o trabalho do Tabernáculo da Tenda da Reunião foi concluído (39:32).
E D-s completou todo o trabalho que Ele havia feito (2:2).E Moisés completou o trabalho (40:33).
E D-s abençoou… (2:3).E Moisés abençoou… (39:43).
E santificou-o (2:3).E o santificarás e a todos os seus utensílios (40:9).

Claramente, a Torá quer que conectemos o nascimento do universo com a construção do Mishkan, mas como e por quê?

A estrutura numérica das duas passagens aumenta a conexão. Sabemos que o número-chave da narrativa de criação é sete. Há sete dias, e a palavra “bom” aparece sete vezes. O primeiro verso da Torá contém sete palavras hebraicas, e o segundo, 14. A palavra eretz, “terra”, aparece 21 vezes, a palavra Elokim, “D-s”, 35 vezes, e assim por diante.

Assim também em Pekudê, a frase “como o Senhor ordenou a Moisés” aparece sete vezes no relato da fabricação das roupas sacerdotais (Ex. 39:1-31), e outras sete vezes na descrição de Moisés estabelecendo o Santuário (Ex. 40:17-33).

Note também um pequeno detalhe, o aparentemente estranho e supérfluo “E” no início do livro de Êxodo: “E estes são os nomes…”. A presença desse conectivo sugere que a Torá está nos dizendo para ver Gênesis e Êxodo como inerentemente conectados. Eles fazem parte da mesma narrativa estendida.

O fato relevante final é que um dos dispositivos estilísticos mais significativos da Torá é o quiasmo, ou “simetria de imagem espelhada” – um padrão da forma ABCC1B1A1, como em: “(A) Ele que derrama (B) o sangue (C) do homem, (C1) pelo homem (B1) o sangue dele (A1) será derramado” (Gen. 9:6). Essa forma pode ser moldada em uma única frase, como aqui, ou em um parágrafo, mas também pode existir em níveis maiores de magnitude.

O que significa é que uma narrativa atinge um certo tipo de fechamento quando o final nos leva de volta ao início – que é precisamente o que acontece ao final de Êxodo. Lembra-nos, com bastante precisão, o início de todos os inicios, quando D-s criou o céu e a terra. A diferença é que dessa vez os seres humanos fizeram a criação: os israelitas, com seus presentes, seu trabalho e suas habilidades.

Simplificando: Gênesis começa com D-s criando o universo como um lar para a humanidade. Êxodo termina com os seres humanos, os israelitas, criando o Santuário como um lar para D-s.

Mas o paralelo é muito mais profundo do que isso – fala-nos sobre a natureza intrínseca da diferença entre kodesh e chol, sagrado e secular, o santo e o mundano.

Devemos ao grande místico, R. Isaac Luria, o conceito de tzimtzum, “auto anulação” ou “autolimitação”. Luria ficou perplexo com a pergunta: se D-s existe, como pode o universo existir? Em cada ponto do tempo e do espaço, o Infinito deveria povoar o finito. A própria existência de D-s deveria atuar como faz um buraco negro para tudo em sua vizinhança. Nada, nem mesmo ondas de luz, podem escapar de um buraco negro, tão esmagadora é sua atração gravitacional. Do mesmo modo, nada físico ou material deveria poder sobreviver mesmo que por um momento na presença do D-s puro e absoluto.

A resposta de Luria foi que, para que o universo exista, D-s teve que se esconder, ocultar Sua presença, limitar o Seu Ser. Isso é tzimtzum.

Agora vamos voltar às palavras-chave kodesh e chol. Um dos significados da raiz de chol, e a raiz relacionada ch-l-l, é “vazio”. Chol é o espaço desocupado por D-s através do processo de auto-limitação para que um universo físico possa existir. É, por assim dizer, “esvaziado” da luz Divina pura.

Kodesh é o resultado de um processo paralelo na direção oposta. É o espaço desocupado por nós para que a presença de D-s possa ser sentida em nosso meio. É o resultado do nosso próprio tzimtzum. Nós nos comprometemos com a autolimitação, toda vez que colocamos de lado nossos truques e desejos para agir de acordo com a vontade de D-s, não a nossa.

É por isso que os detalhes do Santuário são descritos tão longamente: para mostrar que todos os atributos do seu projeto não foram inventados por humanos, mas dados por D-s. É por isso que o equivalente humano da palavra “bom” no relato da criação de Gênesis é “como o Senhor ordenou a Moisés”. Quando anulamos a nossa vontade para fazer a vontade de D-s, criamos algo que é sagrado.

Simplificando: chol é o espaço que D-s faz para a humanidade. Kodesh é o espaço que a humanidade faz para D-s. E ambos os espaços são criados da mesma maneira: por um ato de tzimtzum, auto anulação.

Assim, a construção do Santuário, que ocupa o último terço do livro de Êxodo, não se trata apenas de uma construção específica, o santuário portátil que os israelitas levaram com eles na jornada pelo deserto. Trata-se de um atributo absolutamente fundamental da vida religiosa, a saber, a relação entre o sagrado e o secular, kodesh e chol. Chol é o espaço que D-s faz para nós. Kodesh é o espaço que nós fazemos para D-s.

Então, durante seis dias por semana – os dias que são chol – D-s deixa espaço para que sejamos criativos. No sétimo dia, o dia que é Kadosh, deixamos espaço para D-s, ao reconhecermos que somos Suas criações. E o que se aplica ao tempo também se aplica ao espaço. Existem lugares seculares onde buscamos nossos próprios propósitos. E há lugares sagrados onde nos abrimos, totalmente e sem reservas, para os propósitos de D-s.

Se é assim, temos diante de nós uma ideia com implicações que podem transformar a vida. A maior conquista não é a auto expressão, mas a autolimitação: deixando espaço para outra coisa, diferente de nós. Os casamentos mais felizes são aqueles em que cada cônjuge deixa espaço para que o outro seja ele ou ela mesmo (a). Grandes pais deixam espaço para seus filhos. Grandes líderes deixam espaço para seus seguidores. Grandes professores deixam espaço para seus alunos. Eles estão lá quando necessário, mas eles não sufocam, ou inibem ou tentam dominar. Eles praticam tzimtzum, autolimitação, para que outros tenham o espaço para crescer. Foi assim que D-s criou o universo, e é assim que permitimos que outros preencham nossas vidas com a sua glória.

 

 

Texto original: “MAKING SPACE” por Rabino Jonathan Sacks
Tradução Rachel Klinger Azulay para a Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema

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