VAYGASH

Posted on dezembro 17, 2015

VAYGASH

Reenquadrando

Uma parceria da Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema com o escritório do Rabino Jonathan Sacks (The Office of Rabbi Sacks)

Maimônides chamou o seu tipo ideal de ser humano – o sábio – rofe nefashot, “um curador de almas” (1). Hoje chamamos essa pessoa de psicoterapeuta, um termo cunhado a relativamente pouco tempo a partir da palavra grega psyche, que significa “alma” e therapeia “cura”. É surpreendente como muitos dos curadores de almas pioneiros nos tempos modernos têm sido judeus.
Quase todos os primeiros psicanalistas eram. Entre eles Sigmund Freud, Alfred Adler, Otto Rank e Melanie Klein. Tão impressionante foi isso que a psicanálise era conhecida, na Alemanha nazista, como a “ciência judaica”. Contribuições judaicas mais recentes incluem Solomon Asch em adaptação, Lawrence Kohlberg em psicologia do desenvolvimento e Bruno Bettelheim em psicologia infantil. De Leon Festinger veio o conceito de dissonância cognitiva, de Howard Gardner a ideia de inteligências múltiplas, e de Peter Salovey e Daniel Goleman a inteligência emocional. Abraham Maslow deu-nos uma nova visão sobre a motivação, como fez Walter Mischel em autocontrole através do famoso “teste do marshmallow”. Daniel Kahneman e Amos Tversky nos deram a teoria prospectiva e a economia comportamental. Mais recentemente, Jonathan Haidt e Joshua Green foram pioneiros no estudo empírico das emoções morais. E a lista continua…
Na minha opinião, porém, uma das contribuições judaicas mais importantes veio de três figuras proeminentes: Viktor Frankl, Aaron T. Beck e Martin Seligman. Frankl criou o método conhecido como Logo terapia, com base na busca de sentido. Beck foi o co-criador da forma mais bem sucedida de tratamento, a terapia comportamental cognitiva. Seligman nos deu a psicologia positiva, ou seja, a psicologia não apenas como uma cura para a depressão, mas como um meio de alcançar a felicidade ou florescer com o otimismo adquirido.
Essas são abordagens muito diferentes, mas elas têm uma coisa em comum. Elas são baseadas na crença – estabelecida muito mais cedo pelos Chassidim do Chabad através do Tanya de Rabbi Shneur Zalman de Liadi – que se mudarmos a forma como pensamos, vamos mudar a forma como sentimos. Essa foi, no início, uma proposta revolucionária em nítido contraste com outras teorias da psique humana. Havia aqueles que acreditavam que nosso caráter é determinado por fatores genéticos. Outros achavam que nossa vida emocional era governada por experiências da infância e impulsos inconscientes. Outros ainda, o mais famoso Ivan Pavlov, acreditavam que o comportamento humano é determinado pelo condicionamento. Em todas essas teorias nossa liberdade interior está severamente circunscrita. Quem somos e como nos sentimos são em grande parte determinados por outros fatores que não oriundos da mente consciente.
Foi Viktor Frankl que mostrou que há outra maneira – e o fez sob algumas das piores condições já sofridas pelos seres humanos: em Auschwitz. Como prisioneiro lá, Frankl descobriu que os nazistas tiraram quase tudo o que constituía como pessoas os seres humanos: os seus bens, suas roupas, seu cabelo, seus próprios nomes. Antes de ser enviado para Auschwitz, Frankl tinha sido um terapeuta especializado em curar as pessoas que tinham tendências suicidas. No campo, dedicou-se tanto quanto podia a transmitir aos seus companheiros de prisão a vontade de viver, sabendo que se a perdessem, eles iriam morrer em breve.
Lá, ele fez a descoberta fundamental pela qual mais tarde se tornou famoso:
Nós que vivemos em campos de concentração podemos nos lembrar dos homens que caminhavam pelos barracões confortando os outros, dando-lhes seu último pedaço de pão. Eles podem ter sido poucos em número, mas eles oferecem prova suficiente de que tudo pode ser tirado de um homem, menos uma coisa: a última das liberdades humanas – escolher qual atitude tomar em qualquer conjunto de circunstâncias; escolher o seu próprio caminho (2).
O que fez a diferença, o que deu às pessoas a vontade de viver, foi a crença de que havia uma tarefa para elas executarem, uma missão para que realizassem, uma que ainda não havia sido terminada e que estava esperando por elas para ser realizada no futuro. Frankl descobriu que “realmente não importa o que se espera da vida, mas sim o que a vida espera de nós” (3). Havia pessoas no campo que tinham perdido a esperança de modo que elas nada mais tinham a esperar da vida. Frankl foi capaz de levá-las a ver que “a vida ainda estava esperando alguma coisa delas”. Uma delas, por exemplo, tinha um filho ainda vivo, em um país estrangeiro, que estava esperando por ela. Outra chegou a vislumbrar que tinha livros para produzir, livros que ninguém mais poderia escrever. Através do sentido de um futuro chamando por elas, Frankl foi capaz de ajudá-las a descobrir seu propósito na vida, mesmo no vale da sombra da morte.
A mudança mental envolvida nisso veio a ser conhecida, especialmente na terapia comportamental cognitiva, como “reenquadramento”. Assim como uma pintura pode parecer diferente quando colocada em uma moldura diferente, da mesma forma pode uma vida. Os fatos não mudam, mas a forma como nós os percebemos podem mudar. Frankl escreve que ele foi capaz de sobreviver Auschwitz por ver-se a si mesmo como se estivesse numa universidade, dando uma palestra sobre psicologia do campo de concentração. Tudo o que estava acontecendo com ele foi transformado, por esse único ato da mente, em uma série de ilustrações dos pontos que ele estava defendendo na palestra. “Por esse método consegui, de alguma forma, elevando-me acima da situação, acima dos sofrimentos do momento, observa-los como se eles já estivessem no passado” (4). O reenquadramento nos diz que, embora nem sempre possamos mudar as circunstâncias em que nos encontramos, podemos mudar a nossa forma de vê-los, e isso por si só já muda a forma como sentimos.
Essa descoberta moderna é na verdade uma redescoberta, porque o primeiro grande “reenquadrador” na história foi José, conforme descrito nas parashiot desta semana e da próxima. Lembrem-se dos fatos. José havia sido vendido como escravo por seus irmãos. Havia perdido sua liberdade por treze anos e ficou separado de sua família durante vinte e dois anos. Seria compreensível se ele sentisse ressentimento em relação a seus irmãos e desejo de vingança. No entanto, ele ergueu-se acima de tais sentimentos, e o fez precisamente deslocando suas experiências para um quadro diferente. Eis o que ele diz a seus irmãos quando revela sua identidade a eles:
“Eu sou seu irmão José, a quem vocês venderam para o Egito. E agora não fiquem angustiados, ou com raiva de si mesmos, porque vocês me venderam para cá; porque D-s me enviou adiante de vós para preservar a vida… D-s me enviou adiante de vós para preservar para vocês um pedaço na terra, e para mantê-los vivos.
Então não foram vocês que me enviaram para cá, mas D-s” (Gen. 45:4-8).
E isso foi o que ele disse anos mais tarde, depois que seu pai Jacob morreu e os irmãos temeram que ele agora poderia se vingar:
“Não tenham medo! Estarei eu no lugar de D-s? Embora vocês pretendessem fazer mal a mim, D-s o transformou em bem, a fim de preservar um povo numeroso, como ele está fazendo hoje. Então não tenham medo; eu mesmo vou prover vocês e seus filhos” (Gen. 50:19-21).
José tinha “reenquadrado” todo seu passado. Ele já não se via como um homem injustiçado pelos seus irmãos. Ele conseguiu se ver como um homem encarregado por D-s de uma missão de salvar vidas. Tudo o que tinha acontecido com ele era necessário para que ele pudesse alcançar seu objetivo na vida: salvar uma região inteira da fome durante uma época de escassez, e para fornecer um refúgio seguro para a sua família.
Esse único ato de reenquadramento permitiu que José vivesse sem um sentimento ardente de raiva e injustiça. Permitiu-lhe perdoar seus irmãos e se reconciliar com eles. Transformou as energias negativas de sentimentos sobre o passado em atenção voltada para o futuro. José, sem sabê-lo, tornou-se o precursor de um dos grandes movimentos em psicoterapia no mundo moderno. Ele mostrou o poder do reenquadramento. Não podemos mudar o passado. Mas mudando a maneira como pensamos sobre o passado, podemos mudar o futuro.
Dando uma nova moldura a qualquer situação em que estivermos, podemos mudar nossa resposta inteiramente, dando-nos a força para sobreviver, a coragem de persistir, e a resiliência para emergir, do outro lado da escuridão, para a luz de um novo e melhor dia.

NOTAS:
(1) Rambam, Shemonê Perakim, c. 3.
(2) Viktor Frankl, man’s search for meaning, 75.
(3) Ibid. 85.
(4) Ibid. 82.

Texto original: “REFRAMING” por Rabino Jonathan Sacks.
Tradução Rachel Klinger Azulay para a Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema

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