VAYSHLACH

Posted on dezembro 9, 2024

VAYSHLACH

A Jornada Judaica

Por que Yaacov é o pai do nosso povo, o herói da nossa fé? Nós somos “a congregação de Yaacov”, “os filhos de Israel”. No entanto, foi Avraham quem começou a jornada judaica, Yitzchak quem estava disposto a ser sacrificado, Yosef quem salvou sua família nos anos de fome, Moshe quem tirou o povo do Egito e lhe deu suas leis. Foi Josué quem levou o povo para a Terra Prometida, David quem se tornou seu maior rei, Shlomo quem construiu o Templo, e os profetas através dos tempos que se tornaram a voz de D-s.

O relato de Yaacov na Torá parece ficar aquém dessas outras vidas, pelo menos se lermos o texto literalmente. Ele tem relacionamentos tensos com seu irmão Essav, suas esposas Rachel e Leah, seu sogro Laban e com seus três filhos mais velhos, Reuven, Shimon e Levi. Há momentos em que ele parece cheio de medo, outros em que ele age – ou pelo menos parece agir – com menos do que total honestidade. Em resposta ao Faraó, ele diz de si mesmo: “Os dias da minha vida foram poucos e difíceis”. (Gênesis 47:9) Isso é menos do que poderíamos esperar de um herói da fé.

É por isso que grande parte da imagem que temos de Yaacov é filtrada pelas lentes do Midrash – a Tradição Oral preservada pelos Sábios. Nessa tradição, Yaacov é todo bom, Essav todo mau. Tinha que ser assim – argumentou o Rabino Zvi Hirsch Chajes em seu ensaio sobre a natureza da interpretação Midráshica – porque, de outra forma, acharíamos difícil extrair do texto bíblico um senso claro de certo e errado, bom e mau. [1] A Torá é um livro excepcionalmente sutil, e livros sutis tendem a ser mal compreendidos. Então a Tradição Oral tornou isso mais simples: preto e branco em vez de tons de cinza.

Mas talvez, mesmo sem o Midrash, possamos encontrar uma resposta – e a melhor maneira de fazer isso é pensar na ideia de uma jornada.

O judaísmo é sobre fé como uma jornada. Começa com a jornada de Avraham e Sarah, deixando para trás sua “terra, local de nascimento e casa paterna” e viajando para um destino desconhecido, “a terra que eu lhe mostrarei”.

O povo judeu é definido por outra jornada em uma era diferente: a jornada de Moshe e os israelitas do Egito através do deserto até a Terra Prometida. Essa jornada se torna uma ladainha em Parshat Masei: “Eles deixaram X e acamparam em Y. Eles deixaram Y e acamparam em Z.” Ser judeu é se mudar, viajar e apenas raramente, se alguma vez, se estabelecer. Moshe alerta o povo sobre o perigo de se estabelecer e tomar o status quo como garantido, mesmo em Israel:

“Quando você tem filhos e netos, e está estabelecido na terra por muito tempo, você pode se tornar decadente.” Deuteronômio 4:25 

Daí as regras de que Israel deve sempre se lembrar do seu passado, nunca esquecer seus anos de escravidão no Egito, nunca esquecer em Sucot que nossos ancestrais viveram em habitações temporárias, nunca esquecer que não é dono da terra – ela pertence a D-s – e nós estamos lá meramente como gerim ve-toshavim de D-s “estrangeiros e peregrinos”. (Levítico 25:23)

Por que assim? Porque ser judeu significa não estar totalmente em casa no mundo. Ser judeu significa viver dentro da tensão entre o céu e a terra, a criação e a revelação, o mundo que é e o mundo que somos chamados a fazer; entre o exílio e o lar, e entre a universalidade da condição humana e a particularidade da identidade judaica. Os judeus não ficam parados, exceto quando estão diante de D-s. O universo, das galáxias às partículas subatômicas, está em constante movimento, e assim também está a alma judaica.

Somos, acreditamos, uma combinação instável de pó da terra e sopro de D-s, e isso nos convoca constantemente a tomar decisões, escolhas, que nos farão crescer para sermos tão grandes quanto nossos ideais, ou, se escolhermos errado, nos farão murchar em pequenas criaturas petulantes obcecadas por trivialidades. A vida como uma jornada significa se esforçar a cada dia para sermos maiores do que fomos no dia anterior, individual e coletivamente.

Se o conceito de jornada é uma metáfora central da vida judaica, qual é a diferença entre Avraham, Yitzchak e Yaacov?

A vida de Avraham é emoldurada por duas jornadas, ambas usando a frase Lech lecha, “empreender uma jornada”, uma em Gênesis 12, quando lhe foi dito para deixar sua terra e a casa de seu pai, a outra em Gênesis 22:2, na Amarração de Yitzchak, quando lhe foi dito: “Pegue seu filho, o único que você ama – Yitzchak – e vá [lech lecha] para a região de Moriá”.

O que é tão comovente sobre Avraham é que ele vai, imediatamente e sem questionar, apesar do fato de que ambas as jornadas são de cortar o coração em termos humanos. Na primeira, ele deve deixar seu pai. Na segunda, ele deve deixar seu filho. Ele tem que dizer adeus ao passado e arriscar dizer adeus ao futuro. Avraham é pura fé. Ele ama a D-s e confia Nele absolutamente. Nem todos podem alcançar esse tipo de fé. É quase sobre-humano.

Yitzchak é o oposto. É como se Avraham, sabendo dos sacrifícios emocionais que teve que fazer, sabendo também do trauma que Yitzchak deve ter sentido na Ligação, procurasse proteger seu filho até onde estivesse em seu poder. Ele garante que Yitzchak não deixe a Terra Santa (veja Gênesis 24:6 – é por isso que Avraham não o deixa viajar para encontrar uma esposa). A única jornada de Yitzchak (para a terra dos filisteus, em Gênesis 26) é limitada e local. A vida de Yitzchak é um breve descanso da existência nômade que Avraham e Yaacov vivenciam.

Yaacov é diferente novamente. O que o torna único é que ele tem seus encontros mais intensos com D-s – eles são os mais dramáticos em todo o livro de Gênesis – no meio da jornada, sozinho, à noite, longe de casa, fugindo de um perigo para o outro, de Essav para Laban na jornada de ida, de Laban para Essav em seu retorno para casa.

No meio do primeiro, ele tem a epifania brilhante da escada que se estende da terra ao céu, com anjos subindo e descendo, levando-o a dizer ao acordar: “D-s está realmente neste lugar, mas eu não sabia… Esta deve ser a casa de D-s e esta a porta para o céu”. (Gênesis 28:16-17) Nenhum dos outros patriarcas, nem mesmo Moshe, tem uma visão como essa.

No segundo, em nossa Parashá, ele tem a assombrosa e enigmática luta com o homem/anjo/D-s, que o deixa mancando, mas permanentemente transformado – a única pessoa na Torá a receber de D-s um nome inteiramente novo, Israel, que pode significar “aquele que lutou com D-s e o homem” ou “aquele que se tornou um príncipe [sar] diante de D-s”.

O que é fascinante é que os encontros de Yaacov com os anjos são descritos pelo mesmo verbo –‘p-g-‘a, עגפ‘, (Gênesis 28:11 , e Gn 32:2) que significa “um encontro casual”, como se tivessem pegado Yaacov de surpresa, o que claramente aconteceu. Os momentos mais espirituais de Yaacov são aqueles que ele não planejou. Ele estava pensando em outras coisas, sobre o que estava deixando para trás e o que estava à sua frente. Ele foi, por assim dizer, “surpreendido por D-s”.

Yaacov é alguém com quem podemos nos identificar. Nem todos podem aspirar à fé amorosa e à confiança total de um Avraham, ou à reclusão de um Yitzchak. Mas Yaacov é alguém que entendemos. Podemos sentir seu medo, entender sua dor pelas tensões em sua família e simpatizar com seu profundo anseio por uma vida de quietude e paz (os Sábios dizem sobre as palavras de abertura da Parashá da próxima semana que “Yaacov ansiava por viver em paz, mas foi imediatamente lançado nos problemas de Yosef”).

A questão não é apenas que Yaacov é o mais humano dos patriarcas, mas sim que nas profundezas de seu desespero ele é elevado às maiores alturas da espiritualidade. Ele é o homem que encontra anjos. Ele é a pessoa surpreendida por D-s. Ele é aquele que, nos momentos em que se sente mais sozinho, descobre que não está sozinho, que D-s está com ele, que ele é acompanhado por anjos.

A mensagem de Yaacov define a existência judaica. É nosso destino viajar. Somos o povo inquieto. Raros e breves foram nossos interlúdios de paz. Mas na escuridão da noite nos encontramos elevados por uma força de fé que não sabíamos que tínhamos, cercados por anjos que não sabíamos que estavam lá. Se andarmos no caminho de Yaacov, também podemos nos encontrar surpresos por D-s.

 

NOTAS
[1] O Maharatz Chajes explica esta visão tradicionalmente ‘preto e branco’ de Yaacov e Essav no Mavo ha-Aggadot impresso no início de Eyn Yaakov.

 

 

Texto original “The Jewish Journey” por Rabbi Lord Jonathan Sacks zt’l

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