VEZOT HABERACHÁ

Posted on outubro 2, 2015

VEZOT HABERACHÁ

A Morte de Moisés, a Vida de Moisés

Uma parceria da Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema com o escritório do Rabino Jonathan Sacks (The Office of Rabbi Sacks)

E assim Moisés morre, sozinho numa montanha com D-s, com quem ele havia estado todos esses anos passados desde que, como pastor em Midian, ele avistou um arbusto em chamas e ouviu o chamado que mudou sua vida e os horizontes morais do mundo.
É uma cena que comove pela sua simplicidade. Não há multidões. Não há choro. A sensação de proximidade, ainda que distante, é quase avassaladora. Ele vê a terra de longe, mas já sabia há algum tempo que ele nunca iria alcançá-la. Nem sua esposa nem seus filhos estão ali para dizer adeus. Eles desapareceram da narrativa há muito tempo. Sua irmã Miriam e seu irmão Aarão, com quem compartilhou o peso da liderança por tanto tempo, faleceram antes. Seu discípulo Josué tornou-se seu sucessor. Moisés tornou-se o homem solitário da fé, só que com D-s nenhum homem, nenhuma mulher, é solitário mesmo estando sozinho.É um momento profundamente triste, mas o obituário que a Torá lhe dá – sendo Josué quem tenha escrito, ou ele mesmo a mando de D-s com lágrimas nos olhos (1) – é insuperável:
Nunca mais surgiu um profeta em Israel como Moisés, a quem o Senhor conheceu face a face, com todos os sinais e maravilhas que o Senhor lhe enviou para exibir na terra do Egito, ao Faraó e a todos os seus servos e toda a sua terra, e por todos os atos poderosos e visões incríveis que Moisés exibiu na vista de todo Israel (Deut. 34:10-12).
Moisés raramente aparece nas listas que costumam ser feitas, ao longo do tempo, sobre as pessoas mais influentes da história. Ele é mais difícil de se identificar do que Abraão, em sua devoção, David no seu carisma, ou Isaías em suas sinfonias de esperança. O contraste entre a morte de Abraão e a de Moisés não poderia ser mais contundente. De Abraão, a Torá diz: “Então Abraão expirou seu ultimo suspiro e morreu em idade avançada, um idoso cheio de anos; e ele se juntou ao seu povo” (Gen. 25:8). A morte de Abraão foi serena. Embora tivesse passado por muitas provações, ele tinha vivido para ver o primeiro cumprimento das promessas que D-s lhe fizera. Ele teve um filho, e ele tinha adquirido, pelo menos, o primeiro lote de terra em Israel. Na longa jornada de seus descendentes ele havia dado o primeiro passo. Há a sensação de conclusão.
Em contraste, a velhice de Moisés não é nada serena. No último mês de sua vida, ele desafiou as pessoas com a mesma energia, a mesma franqueza e sem rodeios. No exato momento em que eles estavam se preparando para atravessar o Jordão e entrar na terra, Moisés advertiu-os sobre os desafios que se aproximavam. O maior julgamento, disse ele, não seria a pobreza, mas a riqueza; não a escravidão, mas a liberdade; não a falta de abrigo do deserto, mas o conforto de casa. Lendo essas palavras, somos lembrados do poema de Dylan Thomas, “Não chegue gentilmente para essa noite boa”. Há tanta paixão nessas palavras, aos seus cento e vinte anos, quanto em qualquer outra fase anterior de sua vida. Este não é um homem pronto para se aposentar. Até o final ele continuou a desafiar tanto as pessoas quanto ao próprio D-s.
O que aprendemos com a morte de Moisés?
[1] Para cada um de nós, mesmo para os maiores, há um Jordão que não iremos cruzar, uma terra prometida na qual não iremos entrar, um destino que não vamos alcançar. Isso foi o que o Rabino Tarfon quis dizer quando ele falou: Você não precisa completar a tarefa, mas você também não está livre para desistir dela (2). O que começamos, outros irão continuar. O que importa é que nós empreendamos a viagem. Nós não ficamos parados.

[2] “Ninguém sabe o seu local de sepultamento” (34:6). Há um grande contraste entre Moisés e os heróis de outras civilizações, cujos locais de enterro tornaram-se monumentos, santuários, lugares de peregrinação. Foi precisamente para evitar isso que a Torá insiste explicitamente que ninguém sabe onde Moisés foi enterrado. Acreditamos que o maior erro é adorar os seres humanos como se fossem deuses. Nós admiramos os seres humanos; nós não os adoramos. Essa diferença não é nada pequena.

[3] Só D-s é perfeito. Moisés queria que as pessoas jamais esquecessem disso. Mesmo o maior ser humano não é perfeito. Moisés pecou. Nós ainda não sabemos que pecado foi esse – há muitas opiniões. Mas foi por isso que D-s lhe disse que ele não iria entrar na Terra Prometida. Nenhum ser humano é infalível. A perfeição pertence somente a D-s. Somente quando honramos essa diferença essencial entre o céu e a terra, D-s pode ser D-s e os seres humanos, humanos.
Nem a Torá escondeu o pecado de Moisés. “Porque você não me santificou…” (Num. 20:12). A Torá não escondeu o pecado de ninguém. É destemidamente honesta sobre o maior dos maiores. Coisas ruins acontecem quando tentamos esconder os pecados das pessoas. É por isso que tem havido tantos escândalos recentes no mundo dos judeus religiosos, alguns sexuais, alguns financeiros, alguns de outros tipos. Quando as pessoas religiosas escondem a verdade, elas o fazem pelos mais altos dos motivos. Elas procuram evitar um chilul Hashem. O resultado, inevitavelmente, é um maior chilul Hashem. Tal hipocrisia, negando as deficiências mesmo dos maiores, leva a consequências que são feias e más e afastam pessoas decentes para longe da religião. A Torá não esconde os pecados das pessoas. Nem devemos nós fazê-lo.

[4] Há mais de uma maneira de viver uma vida boa. Mesmo Moisés, o maior dos homens, não poderia liderar sozinho. Ele precisava da habilidade pacificadora de Aarão, a coragem de Miriam e o apoio dos setenta anciãos. Nunca devemos perguntar: Por que não sou tão grande quanto X? Cada um de nós tem alguma coisa, uma habilidade, uma paixão, uma sensibilidade, que nos faz, ou poderia fazer, maiores. O maior erro é tentar ser outra pessoa, em vez de ser você mesmo. Faça o que você pode fazer de melhor, em seguida, cerque-se de pessoas que são fortes naquilo que você é fraco.

[5] Nunca perca o idealismo da juventude. A Torá diz de Moisés que, com a idade de 120 anos, “seus olhos estavam intactos e sua energia natural não esmoreceu” (Deut. 34:7). Eu costumava pensar que essas eram duas frases complementares até que percebi que a primeira é a explicação da segunda. “Os olhos de Moisés não foram ofuscados” significa que ele nunca perdeu a paixão pela justiça que ele tinha quando jovem. Está ali, tão vigorosa em Deuteronômio como foi em Êxodo. Nós somos tão jovens quanto nossos ideais. Dando forma ao cinismo, você envelhece rapidamente.

[6] Na sarça ardente, Moisés disse a D-s: “Eu não sou um homem de palavras. Eu sou pesado de fala e língua”. Quando chegamos em Deuteronômio, o livro chamado “Palavras”, Moisés tornou-se o mais eloquente dos profetas. Alguns ficam intrigados com isso. Eles não deveriam. D-s escolheu alguém que não era um homem de palavras, de modo que quando ele falava, as pessoas percebiam que não era ele quem estava falando, mas D-s é que falava através dele. O que ele falou não eram suas palavras, mas as palavras de D-s. É por isso que Ele escolheu um casal que não podia ter filhos – Abraão e Sara – para se tornar pais da primeira criança judia. É por isso que ele escolheu um povo que não ostentava piedade para tornar-se testemunhas de D-s para o mundo. A forma mais elevada de grandeza é abrir-nos tão inteiramente a D-s de forma que suas bênçãos fluam através de nós para o mundo. É assim que os sacerdotes abençoavam o povo. Não eram as suas bênçãos. Eles eram o canal da bênção de D-s. A conquista mais elevada a que podemos aspirar é nos abrir para os outros e para D-s em amor, para que algo maior do que nós flua através de nós.

[7] Moisés defendeu o povo. Será que ele gostava deles? Será que ele os admirava? Ele era querido por eles? A Torá não nos deixa nenhuma dúvida quanto às respostas a essas perguntas. No entanto, ele defendeu-os com toda a paixão e poder que tinha à sua disposição. Mesmo quando eles pecaram. Mesmo quando eles foram ingratos com D-s. Mesmo quando eles fizeram um bezerro de ouro. Moisés arriscou sua vida para defendê-los. Ele disse a D-s: “E agora, perdoa-lhes, e se não o fizer, risca-me do livro que escreveste” (Ex. 32:32). De acordo com o Talmud, D-s ensinou a Moisés essa lição logo no início de sua carreira. Quando Moisés disse sobre o povo, “Eles não vão acreditar em mim”, D-s disse: “Eles são crentes, filhos de crentes e, no fim, você que não acredita” (3). Os líderes dignos de admiração são aqueles que defendem o povo: até mesmo o não ortodoxo, até mesmo o secular, mesmo aqueles cuja ortodoxia é de um tom diferente da deles. As pessoas dignas de respeito são aquelas que respeitam os demais. Os que odeiam serão odiados, aqueles que olham os outros “por cima” vão ser desprezados, e aqueles que condenam serão condenados. Isso é um princípio básico do Judaísmo: midá kenegued midá. As pessoas que são grandes são aquelas que ajudam os outros a se tornar grandes. Moisés ensinou o povo judeu como se tornar grande.
O maior tributo que a Torá dá a Moisés é chamá-lo eved Hashem, o servo de D-s. É por isso que o Rambam escreve que todos nós podemos ser tão grandes quanto Moisés (4). Porque todos podemos servir. Somos tão grandes quanto as causas que servimos, e quando servimos com verdadeira humildade, uma força maior flui através de nós, trazendo a presença divina ao mundo.

NOTAS:
(1) Baba Batra 15a.
(2) Avot 2:16.
(3) Shabat 97a.
(4) Hilchot Teshuvá 5:2.

Texto original: “MOSES’ DEATH, MOSES’ LIFE” por Rabino Jonathan Sacks.
Tradução Rachel Klinger Azulay para a Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema

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