TERUMÁ

Posted on fevereiro 14, 2024

TERUMÁ

Construindo Construtores

Assim que lemos as primeiras linhas de Teruma, começamos a enorme mudança do intenso drama do Êxodo, com seus sinais, maravilhas e eventos épicos, para a narrativa longa e detalhada de como os israelitas construíram o Tabernáculo, o santuário portátil que eles construíram, levado com eles pelo deserto.

Por qualquer padrão, é uma parte da Torá que clama por explicação. A primeira coisa que nos impressiona é a extensão do relato: um terço do livro de Shemot, cinco parshiyot – Teruma, Tetzave, metade de Ki Tissa, Vayakhel e Pekudei, interrompida apenas pela história do Bezerro de Ouro.

Isto se torna ainda mais desconcertante quando o comparamos com outro ato de criação, nomeadamente a criação do universo por D-s. Essa história é contada com a maior brevidade: apenas trinta e quatro versos. Por que demorar quinze vezes mais para contar a história da construção do Santuário?

A questão torna-se ainda mais difícil quando recordamos que o Mishkan não era uma característica permanente da vida espiritual dos Filhos de Israel. Ele foi projetado especificamente para ser carregado em sua jornada pelo deserto. Mais tarde, nos dias de Salomão, seria substituído pelo Templo de Jerusalém. Que mensagem duradoura devemos aprender com a construção de um Santuário itinerante que nem sequer foi concebido para durar?

Ainda mais intrigante é o fato de a história fazer parte do livro de Shemot. Shemot é sobre o nascimento de uma nação. Daí o Egito, a escravidão, o Faraó, as Dez Pragas, o Êxodo, a viagem pelo mar e a aliança no Monte Sinai. Todas essas coisas passariam a fazer parte da memória coletiva do povo. Mas o Santuário, onde os sacrifícios eram oferecidos, certamente pertence a Vayikra, também conhecido como Torat Kohanim, Levítico, o livro das coisas sacerdotais. Parece não ter qualquer ligação com o Êxodo.

A resposta, acredito, é profunda.

A transição de Bereshit para Shemot, de Gênesis para Êxodo, trata da mudança de família para nação. Quando os israelitas entraram no Egito, eles eram uma única família extensa. Na época em que partiram, eles haviam se tornado um povo considerável, dividido em doze tribos, além de uma coleção amorfa de companheiros de viagem conhecida como erev rav, a “multidão mista”.

O que os uniu foi um destino. Eles eram o povo que os egípcios desconfiaram e escravizaram. Os israelitas tinham um inimigo comum. Além disso, eles tinham uma memória dos patriarcas e de seu D-s. Eles compartilhavam um passado. O que se revelou difícil, quase impossível, foi fazê-los partilhar a responsabilidade pelo futuro.

Tudo o que lemos em Shemot nos diz que, como tantas vezes acontece entre pessoas há muito privadas de liberdade, elas eram passivas e facilmente levadas a reclamar. Os dois costumam andar juntos. Eles esperavam que outra pessoa, Moisés ou o próprio D-s, lhes fornecesse comida e água, os conduzisse para um lugar seguro e os levasse para a Terra Prometida.

A cada contratempo, eles reclamavam. Eles reclamaram quando a primeira intervenção de Moisés falhou:

“Que o Senhor olhe para você e o julgue! Você nos tornou desagradáveis ​​ao faraó e aos seus oficiais e colocou uma espada nas mãos deles para nos matar. Ex. 5:21

No Mar Vermelho reclamaram novamente. Eles disseram a Moisés:

“Foi porque não havia sepulturas no Egito que você nos trouxe para morrer no deserto? O que você fez conosco ao nos tirar do Egito? Não lhes dissemos no Egito: ‘Deixe-nos em paz; vamos servir os egípcios’? Teria sido melhor servir os egípcios do que morrer no deserto!” Ex. 14:11-12

Após a divisão do Mar Vermelho, a Torá diz:

“Quando os israelitas viram a poderosa mão do Senhor manifestada contra os egípcios, o povo temeu ao Senhor e creu nele e em Moisés, seu servo.” Ex. 14:31

Mas depois de apenas três dias eles já estavam reclamando novamente. Não havia água. Depois havia água, mas era amarga. Então não havia comida.

Os israelitas disseram: “Se ao menos tivéssemos morrido pela mão do Senhor no Egito! Lá nos sentamos ao redor de panelas de carne e comemos toda a comida que queríamos, mas vocês nos trouxeram para este deserto para matar de fome toda a assembleia.” Ex. 16:3

Logo o próprio Moisés está dizendo:

“O que devo fazer com essas pessoas? Eles estão quase prontos para me apedrejar.”  Ex. 17:4

Até agora D-s já realizou sinais e maravilhas em favor do povo, tirou-o do Egito, dividiu o mar para ele, deu-lhe água de uma rocha e maná do céu, e ainda assim eles não estão unidos como nação. Eles são um grupo de indivíduos, que não querem ou são incapazes de assumir responsabilidades, de agir coletivamente. A primeira resposta deles é sempre reclamar.

E agora D-s realiza o maior ato da história. Ele aparece numa revelação no Monte Sinai, a única vez na história em que D-s apareceu a um povo inteiro, e o povo tremeu. Nunca houve nada parecido antes; nunca mais haverá.

Quanto tempo isso dura? Apenas quarenta dias. Então o povo faz um Bezerro de Ouro. Se os milagres, a divisão do mar e a Revelação no Monte Sinai não conseguirem transformar os israelitas, o que acontecerá? Não há milagres maiores do que estes.

É aí que D-s faz a coisa mais inesperada. Ele diz a Moisés: fala ao povo e diz-lhe que contribua, que dê algo de seu, seja ouro ou prata ou bronze, seja lã ou pele de animal, seja óleo ou incenso, ou a sua habilidade ou o seu tempo, e levá-los a construir algo juntos – uma casa simbólica para a Minha Presença, um Tabernáculo. Não precisa ser grande, grandioso ou permanente. Faça com que façam algo, que se tornem construtores. Faça com que eles deem.

Moisés faz isso. E o povo responde. Eles respondem tão generosamente que Moisés ouve: “O povo está trazendo mais do que o suficiente para fazer a obra que o Senhor ordenou que fosse feita” (Ex. 36:5), e Moisés tem que pedir-lhes que parem de dar.

Durante todo o tempo em que o Tabernáculo estava sendo construído, não houve reclamações, nem rebeliões, nem dissensões. O que todos os sinais e maravilhas não conseguiram fazer, a construção do Tabernáculo conseguiu fazer. Transformou o povo. Isso os transformou em um grupo coeso. Isso lhes deu um senso de responsabilidade e identidade.

Vista neste contexto, a história do Tabernáculo foi o elemento essencial no nascimento de uma nação. Não admira que seja contado longamente; não é surpresa que pertença ao livro do Êxodo; e não há nada de efêmero nisso.

O Tabernáculo não durou para sempre, mas a lição que ele ensinou durou. Não é o que D-s faz por nós que nos transforma, mas o que fazemos para D-s. Uma sociedade livre é melhor simbolizada pelo Tabernáculo. É a casa que construímos juntos. Só nos tornando construtores é que passamos de súditos a cidadãos. Temos que conquistar nossa liberdade pelo que damos. Não pode ser dado a nós como um presente imerecido.

É o que fazemos, e não o que nos é feito, que nos torna livres. Essa é uma lição tão verdadeira hoje como era naquela época.

 

Texto original “Building Builders” por Rabbi Lord Jonathan Sacks zt’l

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