DEVARIM

Posted on julho 18, 2023

DEVARIM

Aos 120: Envelhecer, Permanecer Jovem

Em 27 de março de 2012, para comemorar o jubileu de diamante da Rainha, uma cerimônia antiga aconteceu no Palácio de Buckingham. Várias instituições apresentaram discursos leais à rainha, agradecendo-lhe por seu serviço à nação. Entre eles estava o Conselho de Deputados dos Judeus Britânicos. Seu então presidente, Vivian Wineman, incluiu em seu discurso a tradicional bênção judaica nessas ocasiões. Ele lhe desejou felicidades “até cento e vinte”.

A rainha se divertiu e olhou com curiosidade para o príncipe Philip. Nenhum deles tinha ouvido a expressão antes. Mais tarde, o príncipe perguntou o que significava e nós explicamos. Cento e vinte é declarado como o limite externo de uma vida humana normal em Gênesis 6:3. O número está especialmente associado a Moisés, sobre quem a Torá diz:

“Moisés tinha cento e vinte anos quando morreu, mas seus olhos permaneciam intactos e sua força não diminuída.” (Deut. 34:7)

Juntamente com Abraham, um homem de personalidade e circunstâncias muito diferentes, Moisés é um modelo de como envelhecer bem. Com o crescimento da longevidade humana, isso se tornou uma questão significativa e desafiadora para muitos de nós. Como envelhecer e permanecer jovem?

A pesquisa mais consistente sobre esse tópico é o Grant Study, iniciado em 1938, que acompanhou a vida de 268 estudantes de Harvard por quase oitenta anos, buscando entender quais características – do tipo de personalidade à inteligência, saúde, hábitos e relacionamentos – contribuem ao florescimento humano. Por mais de trinta anos, o projeto foi dirigido por George Vaillant, cujos livros Aging Well e Triumphs of Experience exploraram esse fascinante território. [1]

Entre as muitas dimensões do envelhecimento bem-sucedido, Vaillant identifica duas que são particularmente relevantes no caso de Moisés. A primeira é o que ele chama de generatividade, [2] ou seja, cuidar da próxima geração. Ele cita John Kotre, que define isso como “investir a própria substância em formas de vida e trabalho que sobreviverão ao eu”. [3] Na meia-idade ou mais tarde na vida, quando estabelecemos uma carreira, uma reputação e um conjunto de relacionamentos, podemos estagnar ou decidir retribuir aos outros: à comunidade, à sociedade e à próxima geração. A generatividade costuma ser marcada pela realização de novos projetos, muitas vezes voluntários, ou pelo aprendizado de novas habilidades. Suas marcas são a franqueza e o cuidado.

A outra dimensão relevante é o que Vaillant chama de guardião do significado. Com isso ele quer dizer a sabedoria que vem com a idade, algo que muitas vezes é mais valorizado pelas sociedades tradicionais do que pelas sociedades modernas ou pós-modernas. Os “anciãos” mencionados no Tanach são pessoas valorizadas por sua experiência. “Pergunte a seu pai e ele lhe dirá, a seus anciãos, e eles lhe explicarão”, diz a Torá (Det 32:7). “A sabedoria não se acha entre os idosos? Longa vida não traz compreensão?” diz o livro de Jó. (12:12)

Ser guardião do significado significa transmitir os valores do passado para o futuro. A idade traz a reflexão e o desapego que nos permitem recuar e não nos deixar levar pelo clima do momento, pela moda passageira ou pela loucura da multidão. Precisamos dessa sabedoria, especialmente em uma época tão acelerada como a nossa, em que um grande sucesso pode chegar a pessoas ainda muito jovens. Examine as carreiras de figuras icônicas recentes, como Bill Gates, Larry Page, Sergey Brin e Mark Zuckerberg, e você descobrirá que, a certa altura, eles recorreram a mentores mais velhos que os ajudaram a atravessar as corredeiras de seu sucesso. Asseh lecha rav , “Adquira para si um professor” (Avot 1:6, 16) continua sendo um conselho essencial.

O que chama a atenção no livro de Devarim, ambientado inteiramente no último mês da vida de Moisés, é como ele mostra o líder idoso, mas ainda apaixonado e motivado, voltando-se para as tarefas gêmeas de geração e guardião do significado.

Teria sido fácil para ele retirar-se para um mundo interior de reminiscências, relembrando as conquistas de uma vida extraordinária, escolhida por D-s para ser a pessoa que conduziu todo um povo da escravidão à liberdade e à beira da Terra Prometida. Alternativamente, ele poderia ter refletido sobre seus fracassos, acima de tudo o fato de que nunca entraria fisicamente na terra para a qual passou quarenta anos liderando a nação. Há pessoas – todos certamente as conhecemos – que são assombradas pela sensação de que não conquistaram o reconhecimento que mereciam ou alcançaram o sucesso com que sonhavam quando eram jovens.

Moisés não fez nenhuma dessas coisas. Em vez disso, em seus últimos dias, ele voltou sua atenção para a próxima geração e embarcou em um novo papel. Não mais Moisés, o libertador e legislador, ele assumiu a tarefa pela qual se tornou conhecido pela tradição: Moshe Rabeinu , “Moisés, nosso professor”. Foi, de certa forma, sua maior conquista.

Ele disse aos jovens israelitas quem eles eram, de onde tinham vindo e qual era o seu destino. Ele lhes deu leis, e o fez de uma nova maneira. Não era mais a ênfase no encontro Divino, como havia em Shemot, ou nos sacrifícios, como em Vayikra, mas sim nas leis em seu contexto social. Ele falou sobre justiça, cuidado com os pobres, consideração pelos funcionários e amor pelo estrangeiro. Ele expôs os fundamentos da fé judaica de forma mais sistemática do que em qualquer outro livro do Tanach. Ele lhes falou sobre o amor de D-s por seus ancestrais e os exortou a retribuir esse amor de todo o coração, alma e poder. Ele renovou a Aliança, lembrando ao povo as bênçãos que desfrutariam se mantivessem a fé em D-s e as maldições que cairiam sobre eles se não o fizessem. Ele ensinou-lhes a grande canção em Ha’azinu, e deu às tribos sua bênção no leito de morte.

Mostrou-lhes o significado da generatividade, deixando um legado que lhe sobreviveria, e o que é ser um guardião do significado , convocando toda a sua sabedoria para refletir sobre o passado e o futuro, presenteando os jovens com a sua longa experiência. A título de exemplo pessoal, mostrou-lhes o que é envelhecer mantendo-se jovem.

Bem no final do livro, lemos que aos 120 anos de idade, os “olhos de Moisés não se obscureciam e sua energia natural era inabalável” (Deut. 34:7). Eu costumava pensar que eram simplesmente duas descrições até que percebi que a primeira era a explicação da segunda. A energia de Moisés era inabalável porque seu olhar não esmaecia, o que significa que ele nunca perdeu o idealismo de sua juventude, sua paixão pela justiça e pelas responsabilidades da liberdade.

É muito fácil abandonar seus ideais quando você vê como é difícil mudar até mesmo a menor parte do mundo, mas quando você faz isso, você se torna cínico, desiludido, desanimado. Isso é um tipo de morte espiritual. As pessoas que não desistem, que nunca desistem, que “não vão gentilmente para aquela boa noite,” [4] que ainda veem um mundo de possibilidades ao seu redor e encorajam e capacitam aqueles que vêm depois delas, mantêm sua energia espiritual intacta.

Há pessoas que fazem seu melhor trabalho jovens. Felix Mendelssohn escreveu o Octeto aos 16 anos, e a Abertura para o Sonho de uma Noite de Verão um ano depois, as maiores peças musicais já escritas por alguém tão jovem. Orson Welles já havia alcançado a grandeza no teatro e no rádio quando realizou Cidadão Kane, um dos filmes mais transformadores da história do cinema, aos 26 anos.

Mas havia muitos outros que ficavam cada vez melhores à medida que envelheciam. Mozart e Beethoven foram crianças prodígios, mas escreveram suas melhores músicas nos últimos anos de suas vidas. Claude Monet pintou suas paisagens cintilantes de nenúfares em seu jardim em Giverny aos oitenta anos. Verdi escreveu Falstaff aos 85 anos. Benjamin Franklin inventou as lentes bifocais aos 78 anos. O arquiteto Frank Lloyd Wright concluiu os projetos para o Museu Guggenheim aos 92. Michelangelo, Ticiano, Matisse e Picasso permaneceram criativos até a nona década. Judith Kerr, que veio para a Grã-Bretanha quando Hitler chegou ao poder em 1933 e escreveu o clássico infantil The Tiger who came to Tea, ganhou recentemente seu primeiro prêmio literário aos 93 anos de idade. David Galenson em seu Velhos mestres e jovens gênios argumentam que aqueles que são inovadores conceituais fazem seu melhor trabalho jovens, enquanto inovadores experimentais, que aprendem por tentativa e erro, melhoram com a idade. [5]

Há algo comovente em ver Moisés, com quase 120 anos, olhando para frente e para trás, compartilhando sua sabedoria com os jovens, ensinando-nos que, embora o corpo possa envelhecer, o espírito pode permanecer jovem ad me’ah ve’esrim, até os 120 anos, se mantivermos nossos ideais, retribuirmos à comunidade e compartilharmos nossa sabedoria com aqueles que virão depois de nós, inspirando-os a continuar o que não pudemos concluir.

 

NOTAS
[1] George Vaillant, Aging Well , Little, Brown, 2003; Triumphs of Experience, Harvard University Press, 2012.
[2] O conceito de generatividade é extraído do trabalho de Erik Erikson, que a viu – e seu oposto, estagnação – como um dos oito estágios de desenvolvimento da vida.
[3] John Kotre, Outliving the Self: Generivity and the Interpretation of Lives (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1984), p. 10.
[4] A primeira linha do poema de Dylan Thomas com esse título.(*)
(*) Significa provavelmente “um platô metafórico de solitude e solidão antes da morte” (Westphal, Jonathan (22 October 2015). “Thomas’s Do Not Go Gentle into That Good Night”. The Explicator52 (2): 113–115.) Wikipedia
[5] David Galenson, Old Masters and Young Geniuses , Princeton University Press, 2007.

 

Texto original “To 120: Growing Old, Staying Young” por Rabbi Lord Jonathan Sacks zt’l

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