DEVARIM

Posted on agosto 8, 2016

DEVARIM

Até 120: Envelhecer, Permanecendo Jovem

Uma parceria da Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema com o escritório do Rabino Jonathan Sacks (The Office of Rabbi Sacks)

Em 27 de março de 2012, para comemorar o jubileu de diamante da Rainha, teve lugar uma antiga cerimônia no Palácio de Buckingham. Uma série de instituições proferiu palavras de lealdade à rainha, agradecendo-a pelo seu serviço à nação. Entre eles estava o Conselho dos Representantes dos Judeus Britânicos. Seu então presidente, Vivian Wineman, incluiu em seu discurso a tradicional bênção judaica para tais ocasiões. Ela desejou-lhe bem “até os cento e vinte”.

A Rainha se divertiu e olhou confusa para o príncipe Philip. Nenhum dos dois tinha ouvido a expressão antes. Mais tarde o príncipe perguntou o que significava e nós explicamos. Cento e vinte anos está estabelecido como o limite de uma vida humana normal em Gênesis 6:3. O número é especialmente associado com Moisés, sobre quem a Torá diz: “Moisés tinha cento e vinte anos quando morreu, mas seu olhar não estava enfraquecido e a sua força estava intacta” (Deut. 34:7). Juntamente com Abraão, um homem de personalidade muito diferente em uma diferente circunstância, Moisés é um modelo de como envelhecer bem. Com o crescimento da longevidade humana, isso se tornou uma questão importante e desafiadora para muitos de nós. Como envelhecer e ainda permanecer jovem?

A pesquisa mais consistente sobre esse tema é a Grant Studio, iniciada em 1938, que monitorou a vida de 268 estudantes de Harvard por quase 80 anos, buscando entender quais características – desde personalidade, inteligência e saúde até hábitos e relacionamentos – contribuem para o florescimento humano. Por mais de trinta anos, o projeto foi dirigido por George Vaillant, cujos livros Envelhecendo bem e Triunfos da Experiência têm explorado esse território fascinante (1).

Entre as muitas dimensões do envelhecimento bem sucedido, Vaillant identifica duas que são particularmente relevantes no caso de Moisés. A primeira é o que ele chama de generatividade (2), ou seja, cuidar da próxima geração. Ele cita John Kotre que define isso como “investir sua essência em formas de vida e trabalhar naquilo que irá sobreviver a si mesmo”. Na vida média ou mais tarde, quando temos uma carreira estabelecida, uma reputação, e um conjunto de relacionamentos, podemos tanto estagnar como decidir retribuir aos outros: à comunidade, à sociedade e à próxima geração. A generatividade é muitas vezes marcada pela realização de novos projetos, muitas vezes voluntários, ou aprender novas habilidades. Suas marcas são abertura às ideias e importar-se com os demais.

A outra dimensão relevante é o que Vaillant chama de guardião do significado. Sobre isso ele quer dizer a sabedoria que vem com a idade, algo que muitas vezes é mais valorizado pelas sociedades tradicionais do que pelas modernas ou pós-modernas. Os “anciãos” mencionados no Tanach são pessoas valorizadas por sua experiência. “Pergunte ao seu pai e ele irá lhe dizer; aos mais velhos, e eles vão lhe explicar”, diz a Torá (Deut. 32:7). “Não é a sabedoria encontrada entre os idosos? Não traz a vida longa entendimento?”, diz o livro de Jó (12:12).

Ser um guardião do significado significa passar os valores do passado para o futuro. A idade traz a reflexão e o desapego que permite distanciarmo-nos e não sermos arrastados pelo humor do momento, pela moda ou pela loucura da multidão. Precisamos dessa sabedoria, especialmente em uma época de ritmo tão acelerado como a nossa, onde enorme sucesso pode vir para pessoas ainda muito jovens. Examine a carreira de figuras icônicas recentes como Bill Gates, Larry Page, Sergey Brin e Mark Zuckerberg, e você vai descobrir que em certo ponto eles se voltaram para mentores mais velhos, que ajudaram a orientá-los através das correntezas de seu sucesso. Assê lechá Rav, “Adquira para si um orientador”, continua sendo um conselho essencial (3).

O que é surpreendente sobre o livro de Devarim, totalmente descrito no último mês de vida de Moisés, é a forma como mostra o envelhecido, mas ainda apaixonado e motivado líder, voltando-se para a dupla tarefa da generatividade e manutenção do significado.

Teria sido fácil para ele retirar-se para um mundo interior de reminiscências, recordando as realizações de uma vida extraordinária, escolhido por D-s para ser a pessoa que levou todo um povo da escravidão para a liberdade e para a beira da terra prometida. Alternativamente, ele poderia ter ficado incomodado sobre seus fracassos, sobretudo o fato de que ele nunca iria entrar fisicamente na terra, para a qual ele passou quarenta anos liderando a nação. Há pessoas – certamente todos nós já encontramos com elas – que são assombradas pela sensação de que não ganharam o reconhecimento que mereciam ou alcançado o sucesso que elas sonharam quando eram jovens.

Moisés não fez nada disso.  Ao invés disso, em seus últimos dias, ele voltou sua atenção para a próxima geração e embarcou num novo papel. Não mais como Moisés, o libertador e legislador, ele assumiu a tarefa, para a qual se tornou conhecido pela tradição: Moshe Rabenu, “Moises nosso professor”. Foi, de certa forma, sua maior conquista.

Ele disse aos jovens israelitas quem eles eram, de onde eles vieram e qual seria seu destino. Ele lhes deu leis, e o fez de uma maneira nova. A ênfase já não estava no encontro Divino, como tinha sido em Vayikrá, ou em sacrifícios, como foi em Bamidbar, mas nas leis em seu contexto social. Ele falou de justiça, de cuidados com o pobre, consideração pelos empregados e amor ao estrangeiro.

Ele estabeleceu os fundamentos da fé judaica de uma forma mais sistemática do que em qualquer outro livro do Tanach. Falou-lhes do amor de D-s por seus antepassados, e exortou-os a retribuir esse amor com todo o seu coração, alma e força. Ele renovou a aliança, lembrando o povo das bênçãos que eles iriam desfrutar se mantivessem fé em D-s, e das maldições que recairiam sobre eles se não o fizessem. Ele lhes ensinou a grande canção em Ha’azinu, e deu às tribos sua bênção no leito de morte. Ele lhes mostrou o significado da generatividade, deixando um legado que sobreviverá a ele, e o que é ser um guardião de significado, reunindo toda a sua sabedoria para refletir sobre o passado e o futuro, dando aos jovens o presente da sua longa experiência. A título de exemplo pessoal, mostrou-lhes o que é envelhecer, permanecendo jovem.

Bem ao final do livro, lemos que Moisés, com a idade de 120 anos, tinha um “olhar que não estava enfraquecido e uma energia natural que estava inabalada” (Deut. 34:7). Eu costumava pensar que estas eram simplesmente duas descrições até que percebi que a primeira era a explicação da segunda. A energia de Moisés estava inabalada porque seu olhar não estava enfraquecido, significando que ele nunca perdeu o idealismo de sua juventude, sua paixão por justiça e pelas responsabilidades da liberdade.

É muito fácil abandonar seus ideais quando você vê o quão difícil é mudar até mesmo a menor parte do mundo, mas quando você abandona, você se torna cínico, desiludido e desanimado. Isso é uma espécie de morte espiritual. As pessoas que não abandonam, que nunca desistem, que “não vão mansamente para a noite escura” (4), que ainda veem um mundo de possibilidades ao seu redor, e encorajam e dão força àqueles que vêm depois deles, mantem sua energia espiritual intacta.

Há pessoas que fazem o seu melhor trabalho ainda jovem. Felix Mendelssohn escreveu o Octeto com a idade de 16 anos, e a Música incidental para o Sonho de uma Noite de Verão, um ano depois, sendo as maiores peças de música já escritas por alguém tão jovem. Orson Welles já tinha alcançado a grandeza no teatro e na rádio quando fez Cidadão Kane, um dos filmes mais transformadores da história do cinema, com a idade de 26.

Mas houve muitos outros que foram ficando melhores quanto mais velhos eles se tornaram. Mozart e Beethoven eram ambos crianças-prodígio, mas escreveram suas melhores músicas nos últimos anos de vida. Claude Monet pintou suas paisagens brilhantes de lírios d’água em seu jardim em Giverny quando estava nos seus oitenta anos. Verdi escreveu Falstaff com a idade de 85. Benjamin Franklin inventou a lente bifocal aos 78 anos. O arquiteto Frank Lloyd Wright projetou o Museu Guggenheim aos 92. Michelangelo, Ticiano, Matisse e Picasso, todos permaneceram criativos em sua nona década. Judith Kerr, que veio para a Grã-Bretanha quando Hitler chegou ao poder em 1933, e escreveu o clássico The Tiger who came to tea, recentemente ganhou seu primeiro prêmio literário com a idade de 93. David Galenson em seu Old Masters and Young Geniuses argumenta que aqueles que são inovadores conceituais fazem o seu melhor trabalho jovens, enquanto os inovadores experimentais, que aprendem por tentativa e erro, ficam melhores com a idade (5).

Há algo emocionante ao vermos Moisés, quase com 120 anos, olhando tanto para a frente quanto para trás, compartilhando sua sabedoria com os jovens, ensinando-nos que, enquanto o corpo pode envelhecer, o espírito pode permanecer jovem ad meá ve-esrim, até os cento e vinte, se mantivermos nossos ideais, retribuirmos à comunidade, e compartilharmos nossa sabedoria com aqueles que virão depois de nós, inspirando-os a continuar o que não nos foi possível concluir.

 

NOTAS:
1) George Vaillant, Aging Well, Little, Brown, 2003; Triumphs of Experience, Harvard University Press, 2012.
2) O conceito de generatividade é baseado no trabalho de Erik Erikson, que viu – assim como seu oposto, a estagnação – como sendo um dos oito estágios de desenvolvimento da vida.
3) Avot 1:6, 16.
4) A primeira linha do poema com esse título de Dylan Thomas.
5) David Galenson, Old Masters and Young Geniuses, Princeton University Press, 2007

 

Texto original: “TO 120: GROWING OLD, STAYING YOUNG” por Rabino Jonathan Sacks.
Tradução Rachel Klinger Azulay

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