EMOR

Posted on maio 18, 2016

EMOR

Tempos Sagrados

Uma parceria da Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema com o escritório do Rabino Jonathan Sacks (The Office of Rabbi Sacks)

A parashá de Emor contém um capítulo dedicado às festas do ano judaico. Há cinco dessas passagens na Torá. Duas menções, ambas no livro do Êxodo (Ex. 23:14-17; 34:18, 22-23), são muito breves. Elas se referem apenas às três festas de peregrinação, Pessach, Shavuot e Sucot. Não especificam as respectivas datas, apenas a sua posição aproximada no ano agrícola. Nem mencionam os mandamentos específicos relacionados com os festejos.

Há três outras menções, uma delas na nossa parashá, uma segunda em Bamidbar 28-29, e a terceira em Devarim 16. O que surpreende é a forma como elas são diferentes. Isso não ocorre, como afirmam os críticos, porque a Torá é um documento composto, mas sim porque ela vem com o seu assunto em múltiplas perspectivas uma característica da mentalidade da Torá como um todo.

A longa seção sobre as festas em Bamidbar é inteiramente dedicada aos sacrifícios adicionais especiais [do Mussaf] trazidos nos dias santos, incluindo o Shabat e Rosh Chodesh. Uma memória destes é preservada nas orações de mussaf para tais dias. Esses são tempos sagrados pela perspectiva do Tabernáculo, do Templo, e mais tarde da sinagoga.

A referência em Devarim trata da sociedade. Moisés, no final de sua vida, conta à próxima geração de onde vieram, para onde eles estavam indo, e o tipo de sociedade que iriam construir. Seria o oposto do Egito. Iriam lutar por justiça, liberdade e dignidade humana.

Um dos temas mais importantes de Devarim é sua insistência de que o culto fosse centralizado “no lugar que D-s vai escolher”, que acabou por ser Jerusalém. A unidade de D-s era para ser espelhada na unidade da nação, algo que não poderia ser alcançado se cada tribo tivesse seu próprio templo ou santuário. É por isso que, quando se trata de festividades, Devarim fala apenas de Pessach, Shavuot e Sucot, e não Rosh Hashaná ou Yom Kipur, porque apenas sobre aquelas três havia um dever de Aliá le-regel, peregrinação ao Templo.

Igualmente significativo é o foco de Devarim – não encontrado em outros lugares – sobre a inclusão social: “você, seus filhos e filhas, os seus servos, os leviím dentro das tuas portas, o peregrino, o órfão e a viúva que vivem entre vocês”. Devarim é menos sobre a espiritualidade individual e mais sobre o tipo de sociedade que honra a presença de D-s, honrando nossos companheiros humanos, especialmente aqueles que vivem à margem da sociedade. A ideia de que podemos servir a D-s enquanto somos indiferentes, ou preterimos nossos companheiros seres humanos, é totalmente alheia à visão de Devarim.

O que nos leva a Emor, a narrativa na parashá desta semana. Ela também é distinta. Ao contrário das passagens de Shemot e Devarim, ela inclui Rosh Hashaná e Yom Kipur. Ela também nos fala sobre as mitzvot específicas das festividades, notadamente de Sucot: é o único lugar onde a Torá menciona os arbaá minim, as “quatro espécies”, e o mandamento de viver em uma sucá.

Ela tem, no entanto, várias excentricidades estruturais. A mais impressionante é o fato de que ela inclui Shabat na lista das festividades. Isso não seria estranho em si mesmo. Afinal de contas, o Shabat é um dos dias sagrados. O que é estranho é a forma como trata do Shabat: O Senhor disse a Moisés: “Fala aos filhos de Israel e dize-lhes: Os tempos designados [moadê] do Senhor, que você deve proclamar [tikre’u] como assembleias sagradas [mikra’ê kodesh]. Essas são as minhas festividades fixas [mo’adai]. Seis dias vocês devem trabalhar, mas o sétimo dia é o shabat dos shabats, um dia de assembleia sagrada [mikrá kodesh]. Você não deve fazer qualquer trabalho; onde quer que você viva, é o shabat do Senhor”.

Há então uma quebra de parágrafo, após o qual toda a passagem parece recomeçar:

Estes são tempos designados [mo’adê] como festividades do Senhor, as assembleias sagradas [mikra’ê kodesh] que você irá proclamar [tikre’u] no seu tempo determinado [ser-mo’adam].

Essa estrutura, com os seus dois começos, intrigam os comentaristas. Mais ainda pelo fato de que a Torá aqui parece estar chamando o Shabat um mo’ed, um tempo determinado, e um mikrá kodesh, uma assembleia sagrada, o que não é feito em nenhum outro lugar. Como Rashi diz: “O que tem Shabat a ver com as festas?” As festas são ocorrências anuais, o Shabat é semanal. As festividades dependem do calendário fixado pelo Beit Din. Esse é o significado da frase, “as santas convocações, você vai anunciá-las no seu tempo determinado”. O shabat, no entanto, não depende de qualquer ato do Beit Din e é independente tanto do calendário solar quanto do lunar. Sua santidade vem diretamente de D-s e do início da criação. Juntar os dois sob uma única posição parece não fazer sentido. Shabat é uma coisa, mo’adim e mikra’ê kodesh são outra coisa. Então, o que conecta os dois?

Rashi nos diz que é para enfatizar a santidade dos festivais. “Aquele que profana os festivais, é como se ele tivesse profanado o sábado, e quem observa os festivais, é como se tivesse observado o sábado”. A questão que Rashi está levantando é que podemos imaginar alguém dizendo que ele respeita o sábado porque é dado por D-s, mas os festivais são de uma santidade totalmente menor, primeiro porque estamos autorizados a certos tipos de trabalho, como cozinhar e transportar coisas, e segundo porque eles dependem de um ato humano de fixar o calendário. A inclusão do Shabat entre os festivais é negar esse tipo de raciocínio.

Ramban oferece uma explicação muito diferente. Shabat é declarado antes dos festivais assim como é declarado antes das instruções de Moisés ao povo para começar a trabalhar na construção do Santuário, para nos dizer que, assim como o mandamento para construir o Santuário não se sobrepõe ao Shabat, então o mandamento para comemorar as festividades não se sobrepõe ao Shabat. Assim, embora possamos cozinhar e carregar coisas nas festividades nós não podemos fazê-lo se uma festividade cai no Shabat.

A explicação mais radical foi dada pelo Gaon de Vilna. Segundo ele, as palavras “Seis dias você deve trabalhar, mas o sétimo dia é o shabat dos shabats”, não se aplicam aos dias da semana, mas aos dias do ano. Há sete dias santos especificados na nossa parashá: o primeiro e o sétimo dias de Pessach, um dia de Shavuot, Rosh Hashaná, Yom Kipur, o primeiro dia de Sucot e Shemini Atseret. Em seis deles nos é permitido fazer algum trabalho, como cozinhar e transportar coisas, mas no sétimo, Yom Kipur, não somos autorizados, porque é um “Shabat dos Shabats” (ver versículo 32). A Torá usa duas expressões diferentes para a proibição do trabalho nos festivais, uma em geral e uma sobre o “sétimo dia”. O que é proibido nos festivais é melechet avodá (trabalho pesado ou servil), enquanto que no sétimo dia o que é proibido é melachá, “qualquer trabalho”, mesmo que não seja pesado. Então Yom Kipur é para o ano o que o Shabat é a para a semana.

A leitura do Gaon de Vilna nos permite ver outra coisa: que o tempo sagrado é modelado sobre o que eu chamei (na Introdução ao Sidur) fractal: o mesmo padrão em diferentes níveis de magnitude. Assim, a estrutura da semana – de seis dias de trabalho seguida de um sétimo que é sagrado – é espelhada na estrutura do ano – seis dias de menor santidade além de um sétimo, Yom Kipur, de santidade suprema. Como veremos daqui a dois capítulos (Lev. 25), o mesmo padrão aparece em uma escala ainda maior: seis anos normais seguidos pelo ano de shemitá, “libertação”.

Onde quer que a Torá deseje enfatizar a dimensão da santidade (a palavra kodesh aparece nada menos que doze vezes em Lev. 23), faz uso sistemático do número e do conceito de sete. Portanto, não existem apenas sete dias santos no calendário anual. Há também sete parágrafos no capítulo. A palavra “sete” ou “sétimo” ocorre repetidamente (dezoito vezes) assim como a palavra para o sétimo dia, o Shabat, em uma ou outra das suas formas (quinze vezes). A palavra “colheita” aparece sete vezes. No entanto, parece-me que Vayikrá 23 está contando outra história também – uma história profundamente espiritual. Lembre-se de nosso argumento (feito por Judá Halevi e Ibn Ezra) que quase todos os quarenta capítulos entre Shemot

24 e Vayikrá 25 são uma digressão, provocada porque Moisés argumentou que as pessoas precisavam que D-s estivesse perto. Eles queriam encontrá-Lo não somente no topo da montanha, mas também no meio do campo; não apenas como um poder aterrador capotando impérios e dividindo o mar, mas também como uma presença constante em suas vidas. Por isso o Santuário (Ex. 25-40) e seus serviços (o livro de Vayikrá como um todo) foi dado por D-s aos israelitas. É por isso que a lista dos festivais em Vayikrá enfatiza não a dimensão social que encontramos em Devarim, ou a dimensão sacrificial que encontramos em Bamidbar, mas sim a dimensão espiritual do encontro, da proximidade, da reunião do humano e do Divino. Isso explica porque nós encontramos neste capítulo, mais do que em qualquer outro, duas palavras-chave. Uma delas é mo’ed, o outro é mikrá kodesh, e ambas são mais profundas do que parecem ser. Essa ideia é belamente expressa na última linha da canção mística que cantamos no Shabat, Yedid Nefesh, “Depressa, amado, pois o tempo determinado [mo’ed] chegou”. Mo’ed aqui significa um encontro marcado – um compromisso feito entre os amantes para se reunirem em um determinado tempo e lugar. Quanto à frase mikrá kodesh, ela vem da mesma raiz da palavra que dá ao livro inteiro o seu nome: Vayikrá, significando “ser convocado ao amor”. Um mikrá kodesh não é apenas um dia sagrado. É uma reunião para a qual fomos chamados afetivamente por Aquele que nos mantém próximos.

Grande parte do livro de Vayikrá é sobre a santidade do lugar, o Santuário. Alguns deles são sobre a santidade das pessoas, os Cohanim, os sacerdotes, e Israel como um todo, como “um reino de sacerdotes”. No capítulo 23, a Torá se volta para a santidade do tempo e os tempos de santidade. Somos seres espirituais, mas também seres físicos. Não podemos ser espirituais, próximos de D-s, o tempo todo. Por isso temos o tempo secular, bem como o tempo sagrado. Mas um dia em sete, paramos de trabalhar e entramos na presença do D-s da criação. Em certos dias do ano, nas festividades, celebramos o D-s da história. A santidade do Shabat é determinada somente por D-s porque só Ele criou o universo. A santidade das festas é parcialmente determinada por nós (ou seja, pela fixação do calendário), porque a história é uma parceria entre nós e D-s. Mas em dois aspectos são a mesma coisa. Ambos são momentos de encontro (Mo’ed), e eles são os dois momentos em que nos sentimos chamados, convocados, convidados como hospedes de D-s (mikrá kodesh).

Não podemos estar sempre no modo espiritual. D-s nos deu um mundo material com o qual nos engajar. Mas no sétimo dia da semana, e (originalmente) sete dias no ano, D-s nos dá o tempo dedicado no qual sentimos a proximidade da Shechiná (presença Divina) e somos banhados no esplendor do amor de D-s.

 

Texto original: “HOLY TIMES” por Rabino Jonathan Sacks.
Tradução Rachel Klinger Azulay para a Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema

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