NASSO

Posted on junho 15, 2016

NASSO

A Bênção do Amor

Uma parceria da Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema com o escritório do Rabino Jonathan Sacks (The Office of Rabbi Sacks)

Contendo 176 versos, Nassô é a mais longa das parashiot. No entanto, uma de suas passagens mais comoventes, aquela que teve o maior impacto sobre o curso da história, é de fato muito curta e é conhecida por quase todos os judeus, qual seja, as bênçãos sacerdotais:

O Senhor disse a Moisés: “Diga a Aarão e aos seus filhos: Assim vocês devem abençoar os israelitas. Dize-lhes:

Possa o Senhor te abençoar e te proteger;
Que o Senhor faça resplandecer o Seu rosto sobre ti e lhe dê graça;
Que o Senhor volte Seu rosto sobre ti e te dê paz.
Que coloquem o Meu nome sobre os israelitas, e eu os abençoarei” (Num. 6:23-27).

Esse é o mais antigo de todos os textos de oração. Foi usado pelos sacerdotes no Templo. É dito hoje em dia pelos Cohanim na repetição da leitura da Amidá, todos os dias em Israel; na maior parte da diáspora, apenas nas festas (para os ashkenazim. Para o Sefaradim mesmo da diáspora, é dito todos os dias). Ele é usado pelos pais quando abençoam seus filhos na sexta-feira à noite. Diz-se muitas vezes para a noiva e o noivo sob a hupá. É a mais simples e mais bela de todas as bênçãos.

Ela também aparece no mais antigo de todos os textos bíblicos que sobreviveram fisicamente até hoje. Em 1979, o arqueólogo Gabriel Barkay estava examinando tumbas antigas em Ketef Hinom, fora dos muros de Jerusalém, na área hoje ocupada pelo Centro Menachem Begin Heritage. Um menino de treze anos de idade, que estava ajudando Barkay, descobriu que sob o piso de uma das cavernas havia um aposento escondido. Lá, o grupo descobriu quase mil artefatos antigos, incluindo dois pequenos rolos de prata de comprimento não maior do que uma polegada de comprimento.

Eles eram tão frágeis que levaram três anos para descobrir uma maneira de desenrolá-los sem causar-lhes desintegração. Finalmente descobriram que os pergaminhos eram kemayot, amuletos, contendo, entre outros textos, as bênçãos sacerdotais. Cientificamente datados do século VI (antes da era comum) – da época de Jeremias e dos últimos dias do Primeiro Templo – eles são quatro séculos mais antigos que o mais antigo dos textos bíblicos conhecidos até então, os rolos do Mar Morto. Hoje os amuletos podem ser vistos no Museu de Israel, um testemunho da antiga conexão dos judeus à terra e a continuidade da própria fé judaica.

O que lhes dá o seu poder é a sua simplicidade e beleza. Eles têm uma forte estrutura rítmica. As linhas contêm três, cinco e sete palavras respectivamente. Em cada um, a segunda palavra é “o Senhor”. Em todos os três versos, a primeira parte refere-se a uma atividade por parte de D-s – “abençoar”, “faça resplandecer o seu rosto”, e “vire o seu rosto para”. A segunda parte descreve o efeito da bênção sobre nós, dando-nos proteção, graça e paz.

Eles também viajam para dentro, por assim dizer. O primeiro verso “Que D-s abençoe você e o proteja” refere-se, como os comentaristas observam, para bênçãos materiais: sustento, saúde física e assim por diante. O segundo, “Que o Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre ti e lhe dê graça” refere-se à bênção moral. Hen, a graça, é o que mostramos para outras pessoas e elas para nós. É interpessoal. Aqui estamos pedindo a D-s para dar alguma de Sua graça para nós e para outros, para que possamos viver juntos sem contendas e inveja que podem tão facilmente envenenar relacionamentos.

O terceiro é o mais interior de todos. Há uma bonita história sobre uma multidão de pessoas que se reuniram em uma colina à beira-mar para assistir à passagem de um belo navio. Uma criança está acenando vigorosamente. Um dos homens na multidão lhe pergunta o porquê. Ele diz: “Eu estou acenando para que o capitão do navio possa me ver e acenar de volta”. “Mas”, disse o homem, “o navio está longe, e há uma multidão aqui. O que o faz pensar que o capitão pode vê-lo?” “Porque”, disse o menino, “o capitão do navio é meu pai. Ele estará olhando para mim no meio da multidão”.

Isso é aproximadamente o que queremos dizer quando dizemos: “Que o Senhor volte seu rosto para ti e te conceda paz”. Há sete bilhões de pessoas na face da terra. O que faz de nós nada mais do que um rosto na multidão, uma onda no oceano, um grão de areia na costa de mar? O fato de que somos filhos de D-s. Ele é nosso pai. Ele volta o Seu rosto para nós. Ele se preocupa conosco.

O D-s de Abraão não é uma mera força da natureza ou mesmo todas as forças da natureza combinadas. Um tsunami não se detém para perguntar quem serão suas vítimas. Não há nada pessoal sobre um terremoto ou um furacão. A palavra Elokim significa algo como “a força das forças, causa das causas, a totalidade de todas as leis cientificamente detectáveis”. Refere-se aos aspectos de D-s que são impessoais. Também se refere a D-s em Seu atributo de justiça, pois a justiça é essencialmente impessoal.

Mas o nome que chamamos Hashem – o nome usado nas bênçãos sacerdotais, e em quase todos os textos sacerdotais – é D-s como ele se relaciona conosco como pessoas, indivíduos, cada um com a nossa configuração única de esperanças e medos, dons e possibilidades. Hashem é o aspecto de D-s que nos permite usar a palavra “Você”. Ele é o D-s que nos fala e que nos ouve quando falamos com ele. Como isso acontece, não sabemos, mas que isso acontece é central para a fé judaica.

O fato de chamarmos D-s Hashem é a confirmação transcendental da nossa importância no esquema das coisas. Nós importamos como indivíduos, porque D-s cuida de nós como um pai para com seu filho. Isso, aliás, é uma razão pela qual as bênçãos sacerdotais estão todas no singular, para enfatizar que D-s nos abençoa não só coletivamente, mas também individualmente. Uma vida, dizem os sábios, é como um universo.

Daí o significado da última das bênçãos sacerdotais. O conhecimento de que D-s volta seu rosto em direção a nós – que não somos apenas uma face indiscernível em uma multidão, mas que D-s se relaciona conosco em nossa singularidade e exclusividade – é a mais profunda e definitiva fonte de paz. Competição, luta, ilegalidade e violência vêm da necessidade psicológica para provar que nós temos importância. Fazemos coisas para provar que sou mais poderoso, mais rico ou mais bem sucedido do que você. Eu posso fazer você temer. Posso dobrá-lo à minha vontade. Eu posso transformá-lo em minha vítima, meu assunto, meu escravo. Todas essas coisas não são testemunhas de fé, mas uma profunda falta de fé.

Fé significa que eu acredito que D-s cuida de mim. Eu estou aqui porque Ele quis que eu estivesse. A alma que Ele me deu é pura. Como a criança no monte observando o navio passar, eu sei que D-s está olhando para mim, acenando para mim enquanto eu acenar para ele. Essa é a fonte mais profunda de paz interior. Nós não precisamos testar a nós mesmos, a fim de receber uma bênção de D-s. Tudo o que precisamos saber é que o Seu rosto está voltado para nós. Quando estamos em paz conosco, podemos começar a fazer paz com o mundo.

Então as bênçãos se tornam mais longas e mais profundas: a partir da bênção externa de bens materiais para a bênção interpessoal da graça entre nós e os outros, ao mais íntimo de todos eles, a paz de espírito que vem quando sentimos que D-s nos vê, nos ouve, nos mantém em Seus braços eternos.

Um detalhe adicional das bênçãos sacerdotais é singular, qual seja, a bênção que os sábios instituíram para ser dita pelos Cohanim sobre a mitzvá: “Bendito és tu … que nos fez santos com a santidade de Aarão e nos ordenou abençoar Seu povo Israel com amor”.

É a última palavra, be-ahavá, que é incomum. Ela não aparece em nenhuma outra benção para a execução de um mandamento. Parece não fazer sentido. Idealmente, deveríamos cumprir todos os mandamentos com amor. Mas a ausência de amor não invalida qualquer outro mandamento. De qualquer forma, a bênção quando do desempenho de um mandamento é uma forma de mostrar que estamos agindo intencionalmente. Houve uma discussão entre os sábios quanto ao fato das mitzvot, em geral, exigirem intenção (kavaná) ou não. Mas fazendo ou não com kavaná, fazer uma bênção, por si só, mostra que temos a intenção de cumprir a ordem. Porém, intenção é uma coisa e emoção é outra. Certamente o que importa é que os Cohanim recitem a bênção e D-s fará o resto. Que diferença faz se eles a realizam com amor ou não?

Os comentaristas lutam com essa questão. Alguns dizem que o fato de que os Cohanim estão de frente para as pessoas quando as abençoam, significa que eles são como os querubins no Tabernáculo, cujos rostos “estão voltados um para o outro”, como um sinal de amor. Outros alteram a ordem das palavras. Eles dizem que a bênção realmente significa, “quem nos fez santos com a santidade de Aarão e com amor nos ordenou para abençoar Seu povo Israel”. “Amor” aqui se refere ao amor de D-s por Israel, não o amor dos Cohanim.

No entanto, parece-me que a explicação é a seguinte: a Torá diz explicitamente que, embora os Cohanim digam as palavras, é D-s quem envia a bênção. “Que eles coloquem o meu nome sobre os filhos de Israel, e eu os abençoarei.” Normalmente, quando nós cumprimos uma mitzvá, estamos fazendo algo. Mas quando os Cohanim abençoam o povo, eles não estão fazendo nada por si mesmos. Ao invés disso, estão atuando como canais através dos quais a benção de D-s flui para o mundo e para nossas vidas. Só o amor faz isso. Amor significa que estamos focados não em nós mesmos, mas no outro. O amor é abnegação. E só a abnegação nos permite ser um canal por onde corre uma força maior do que nós, o amor que como disse Dante, “move o sol e as outras estrelas”, o amor que traz nova vida ao mundo.

Para abençoar, precisamos amar, e ser abençoado é saber que somos amados por Aquele que é Mais Vasto do que o Universo e ainda assim vira o Seu rosto em direção a nós como um pai para um filho amado. Saber isso é encontrar a verdadeira paz espiritual.

 

Texto original: “THE BLESSING OF LOVE” por Rabino Jonathan Sacks.
Tradução Rachel Klinger Azulay para a Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema

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