TERUMÁ

Posted on fevereiro 21, 2023

TERUMÁ

O Dom de Dar

Foi a primeira casa de adoração israelita, o primeiro lar que os judeus construíram para D-s. Mas a própria ideia está repleta de paradoxos, até mesmo de contradições. Como você pode construir uma casa para D-s? Ele é maior do que qualquer coisa que possamos imaginar, quanto mais construir.

O rei Salomão destacou isso quando inaugurou outra casa de D-s, o Primeiro Templo:

“Mas D-s realmente habitará na terra? Os céus, mesmo o céu mais alto, não podem conter Você. Quanto menos esta casa que construí!” (I Reis 8:27)

Assim fez Isaías em nome do próprio D-s:

“O céu é o Meu trono e a terra é o estrado dos Meus pés. Que casa você pode construir para Mim? Onde será Meu lugar de descanso?” (Is. 66:1)

Não só parece impossível construir um lar para D-s. Deve ser desnecessário. O D-s de todos os lugares pode ser acessado em qualquer lugar, tão prontamente no poço mais profundo quanto na montanha mais alta, em uma favela da cidade como em um palácio revestido de mármore e ouro.

A resposta, e é fundamental, é que D-s não mora em prédios. Ele mora em construtores. Ele não vive em estruturas de pedra, mas no coração humano. O que os sábios e místicos judeus apontaram foi que em nossa parashá D-s diz: “Que eles construam para Mim um santuário para que Eu possa habitar neles” (Ex. 25:8), não “para que nele habite”.

Por que então D-s ordenou ao povo que fizesse um santuário? A resposta dada pela maioria dos comentaristas, e sugerida pela própria Torá, é que D-s deu a ordem especificamente após o pecado do bezerro de ouro.

O povo fez o bezerro depois que Moisés esteve na montanha por quarenta dias para receber a Torá. Enquanto Moisés estava no meio deles, o povo sabia que ele se comunicava com D-s e D-s com ele e, portanto, D-s estava acessível, próximo. Mas quando ele esteve ausente por quase seis semanas, eles entraram em pânico. Quem mais poderia preencher a lacuna entre o povo e D-s? Como eles poderiam ouvir as instruções de D-s? Através de qual intermediário eles poderiam fazer contato com a Presença Divina?

É por isso que D-s disse a Moisés: “Que eles me construam um santuário para que eu possa habitar entre eles”. A palavra-chave aqui é o verbo sh-ch-n, habitar. Nunca antes tinha sido usado em conexão com D-s. Eventualmente, tornou-se uma palavra-chave do próprio judaísmo. Dele veio a palavra Mishkan, que significa santuário, e Shechinah, a Presença Divina.

Central para o seu significado é a ideia de proximidade. Shachen em hebraico significa vizinho, a pessoa que mora ao lado. O que os israelitas precisavam e o que D-s lhes dava era uma maneira de se sentirem tão próximos de D-s quanto do vizinho.

Isso é o que os patriarcas e matriarcas tinham. D-s falou com Avraham, Isaac e Jacó, Sara, Rebeca, Raquel e Lia intimamente, como um amigo. Ele disse a Avraham e Sara que eles teriam um filho. Ele explicou a Rebeca por que ela estava sofrendo dores tão agudas na gravidez. Ele apareceu para Jacob em momentos-chave de sua vida, dizendo-lhe para não ter medo.

Isso não é o que os israelitas haviam experimentado até agora. Eles tinham visto D-s trazendo pragas sobre os egípcios. Eles O viram dividir o mar. Eles O viram enviar maná do céu e água de uma rocha. Eles ouviram Sua voz de comando no Monte Sinai e a acharam quase insuportável. Disseram a Moisés: “Fala-nos tu mesmo e ouviremos. Mas não deixe D-s falar conosco ou morreremos”. D-s havia aparecido para eles como uma presença avassaladora, uma força irresistível, uma luz tão brilhante que ao olhar para ela você fica cego, uma voz tão forte que você fica surdo.

Portanto, tornar D-s acessível não apenas aos pioneiros da fé – os patriarcas e matriarcas – mas a todos os membros de uma grande nação foi um desafio, por assim dizer, para o próprio D-s. Ele teve que fazer o que os místicos judeus chamavam de tzimtzum, “contrair-se”, encobrir Sua luz, suavizar Sua voz, esconder Sua glória dentro de uma nuvem espessa e permitir que o infinito assumisse as dimensões do finito.

Mas essa, por assim dizer, era a parte fácil. A parte difícil não tinha nada a ver com D-s e tudo a ver conosco. Como chegamos a sentir a presença de D-s? Não é difícil fazê-lo ao pé do Monte Everest ou vendo o Grand Canyon. Você não precisa ser muito religioso, ou mesmo nada religioso, para sentir reverência na presença do sublime. O psicólogo Abraham Maslow, que encontramos na parashá Va’era, falou sobre “experiências culminantes” e as viu como a essência do encontro espiritual.

Mas como você sente a presença de D-s no meio da vida cotidiana? Não do topo do Monte Sinai, mas da planície abaixo? Não quando está rodeado de trovões e relâmpagos como na grande revelação, mas hoje, apenas um dia entre os dias?

Esse é o segredo transformador da vida do nome da parashá, Terumá. Significa “uma contribuição”. D-s disse a Moisés: “Diga aos israelitas que façam uma contribuição para Mim. Você deve receber a contribuição para Mim de todos cujo coração os incita a dar”. (Ex. 25:2) A melhor maneira de encontrar D-s é dar.

O próprio ato de dar flui ou leva ao entendimento de que o que damos é parte do que nos foi dado. É uma forma de agradecer, um ato de gratidão. Essa é a diferença na mente humana entre a presença de D-s e a ausência de D-s.

Se D-s está presente, isso significa que o que temos é Dele. Ele criou o universo. Ele nos fez. Ele nos deu vida. Ele soprou em nós o mesmo ar que respiramos. Ao nosso redor está a majestade, a plenitude da generosidade de D-s: a luz do sol, o ouro da pedra, o verde das folhas, o canto dos pássaros. É isso que sentimos ao ler os grandes salmos da criação que recitamos todos os dias no culto da manhã. O mundo é a galeria de arte de D-s e Suas obras-primas estão por toda parte.

Quando a vida é dada, você reconhece isso devolvendo.

Mas se a vida não é dada porque não há um Doador, se o universo surgiu apenas por causa de uma flutuação aleatória no campo quântico, se não há nada no universo que saiba que existimos, se não há nada no corpo humano a não ser uma série de letras no código genético, e para a mente humana apenas impulsos elétricos no cérebro, se nossas convicções morais são meios egoístas de autopreservação e nossas aspirações espirituais meras ilusões, então é difícil sentir gratidão pelo dom da vida. Não há dádiva se não houver doador. Existe apenas uma série de acidentes sem sentido e é difícil sentir gratidão por um acidente.

A Torá, portanto, nos diz algo simples e prático. Dê, e você verá a vida como um presente. Você não precisa ser capaz de provar que D-s existe. Tudo o que você precisa é agradecer por existir – e o resto virá.

Foi assim que D-s se aproximou dos israelitas por meio da construção do santuário. Não era a qualidade da madeira, dos metais e das cortinas. Não era o brilho das joias no peitoral do sumo sacerdote. Não foi a beleza da arquitetura ou o cheiro dos sacrifícios. Foi o fato de ter sido construído com os dons de “todos cujo coração os leva a dar”. (Ex. 25:2 ) Onde as pessoas doam voluntariamente umas às outras e a causas sagradas, é aí que repousa a Presença Divina.

Daí a palavra especial que dá nome a esta parashá: Terumá. Traduzi como “uma contribuição”, mas na verdade tem um significado sutilmente diferente para o qual não existe um equivalente simples em português. Significa “algo que você eleva” dedicando-o a uma causa sagrada. Você o eleva, então ele o eleva. A melhor maneira de escalar as alturas espirituais é simplesmente dar em gratidão pelo fato de ter recebido.

D-s não mora em casa de pedra. Ele vive no coração daqueles que dão.

 

Texto original “The Gift of Giving” por Rabbi Lord Jonathan Sacks zt’l

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