VAETCHANAN

Posted on agosto 15, 2016

VAETCHANAN

O Poder do “Por Quê?”

Uma parceria da Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema com o escritório do Rabino Jonathan Sacks (The Office of Rabbi Sacks)

Numa palestra TED muito assistida, Simon Sinek perguntou: como é que grandes líderes inspiram à ação? (1). O que fez com que pessoas como Martin Luther King e Steve Jobs se destacassem de seus contemporâneos que podem ter sido não menos talentosos, não menos qualificados? Sua resposta: A maioria das pessoas falam sobre “o que”. Algumas pessoas falam sobre “como”. Grandes líderes, no entanto, começam com o “por quê”. Isso é o que os tornam transformadores (2).

A palestra de Sinek era sobre negócios e liderança política. Os exemplos mais poderosos, porém, são direta ou indiretamente religiosos. Nesse sentido, eu argumentei em The Great Partnership que o que faz o monoteísmo abraâmico diferente é que ele acredita que há uma resposta para a pergunta “por quê?”. Nem o universo, nem a vida humana, existem sem algum sentido, são um acidente, um mero acaso. Como Freud, Einstein e Wittgenstein disseram, a fé religiosa é a fé no significado da vida.

Raramente isso é mostrado numa luz tão poderosa como em Vaetchanan. Há muito no judaísmo sobre o que: o que é permitido, o que é proibido, o que é sagrado, o que é secular. Há muito também sobre como: como aprender, como orar, como crescer em nosso relacionamento com D-s e com outras pessoas. Há relativamente pouco sobre o por quê.

Em Vaetchanan Moisés diz algumas das palavras mais inspiradoras jamais proferidas sobre o porquê da existência judaica. Foi isso que fez dele o grande líder transformacional que ele era, e isso tem consequências para nós, aqui, agora.

Para se ter uma noção de quão estranhas foram as palavras de Moisés, devemos recordar alguns fatos. Os israelitas ainda estavam no deserto. Eles ainda não tinham entrado na terra. Eles não tinham vantagens militares sobre as nações que teriam de lutar. Dez dos doze espiões haviam argumentado, quase quarenta anos antes, que a missão era impossível. Em um mundo de impérios, nações e cidades fortificadas, os israelitas devem ter parecido, em um olhar não orientado, indefesos, duvidosos, mais uma horda entre as muitas que varreram a Ásia e a África nos tempos antigos. Diferente em suas práticas religiosas, alguns observadores contemporâneos não teriam visto nada sobre eles para separá-los dos jebuseus e periseus, midianitas e moabitas e as outras potências insignificantes que povoaram este canto do Oriente Médio.

No entanto, na parashá desta semana, Moisés comunicou uma certeza inabalável de que o que tinha acontecido com eles acabaria por mudar e inspirar o mundo. Veja essa linguagem:

Pergunte agora sobre os dias passados, muito antes do seu tempo, desde o dia em que D-s criou os seres humanos sobre a terra; de uma extremidade dos céus à outra.

Já teríamos ouvido falar de algo como este acontecimento, ou teríamos ouvido falar de qualquer coisa como isto? Teria qualquer outro povo ouvido a voz de D-s falar do meio do fogo como você e continuado vivo? Teria qualquer deus já tentado tomar para si uma nação de outra nação por meio de milagres, sinais e maravilhas, pela guerra, pela mão forte e braço estendido, ou por grandes e terríveis atos, como todas as coisas que o Senhor teu D-s fez para você no Egito, diante dos teus olhos? (Deut. 4:32-34).

Moisés estava convencido de que a história judaica era e permaneceria sendo única. Em uma era de impérios, um grupo pequeno e indefeso tinha sido libertado do maior império de todos não pelo seu poder, mas pelo próprio D-s. Esse foi o primeiro ponto de Moisés: a singularidade da história judaica como uma narrativa de redenção.

O segundo foi a singularidade da revelação:

Que outra nação é tão grande que tem seus deuses perto deles da forma como o Senhor nosso D-s está perto de nós sempre que oramos a ele? E que outra nação é tão grande que têm tais decretos e leis justas como esta lei que eu ponho diante de vós hoje? (Deut. 4:7-8).

Outras nações tinham deuses para quem eles rezavam e ofereciam sacrifícios. Eles também atribuíam seus sucessos militares às suas divindades. Mas nenhuma outra nação viu D-s como seu soberano e legislador. Em outros lugares a lei representava o decreto do rei, ou em séculos mais recentes, a vontade do povo. Em Israel, exclusivamente, mesmo quando havia um rei, ele não tinha o poder legislativo. Apenas em Israel D-s foi visto não somente como um poder, mas como o arquiteto da sociedade, o orquestrador de sua música de justiça e misericórdia, liberdade e dignidade.

A questão é por quê? Perto do final do capítulo, Moisés dá uma resposta: “Porque Ele amava seus antepassados ​​e escolheu a sua descendência depois deles” (Deut. 4:37). D-s amava Abraão. Para dizer o mínimo, porque Abraão amava D-s. E D-s amou os filhos de Abraão, porque eles eram seus filhos, e ele tinha prometido ao patriarca que iria abençoá-los e protegê-los.

Anteriormente, Moisés tinha dado um tipo diferente de resposta, não incompatível com o segundo ponto, mas diferente:

Veja, eu te ensinei decretos e leis que o Senhor meu D-s me ordenou… Observe-os com cuidado, pois são a sua sabedoria e entendimento aos olhos das nações, que vão ouvir sobre todos esses decretos e dizer: “Certamente esta grande nação é de um povo sábio e entendido” (Deut. 4:5-6).

Por que Moisés, ou D-s, se importava se as outras nações viam ou não as leis de Israel como sábias e entendidas? O Judaísmo foi e é uma história de amor entre D-s e um povo em particular, muitas vezes tempestuosa, às vezes serena, muitas vezes alegres; mas próxima, íntima, até mesmo introspectiva. O que tem o resto do mundo a ver com isso?

Mas o resto do mundo tem sim a ver com isso. O judaísmo nunca foi concebido para judeus somente. Em suas primeiras palavras para Abraão, D-s já disse: “Abençoarei os que te abençoarem, e os que te maldizem, Eu amaldiçoarei; através de você todas as famílias da terra serão abençoadas” (Gen. 12:3). Os Judeus deveriam ser uma fonte de bênção para o mundo.

D-s é o D-s de toda a humanidade. Em Genesis ele falou com Adão, Eva, Caim, Noé, e fez uma aliança com toda a humanidade antes de fazer com Abraão. No Egito, seja na casa de Potifar, ou na prisão, ou no palácio do Faraó, José continuamente falou sobre D-s. Ele queria que os egípcios soubessem que nada do que ele fez, o fez por si mesmo. Ele era apenas um agente do D-s de Israel. Não há nada aqui que sugira que D-s é indiferente às nações do mundo.

Mais tarde, nos dias de Moisés, D-s disse que iria realizar sinais e maravilhas para que “Os egípcios saibam que Eu sou o Senhor” (Ex. 7:5). Ele chamou Jeremias para ser “um profeta para as nações”. Ele enviou Jonas para os assírios em Nínive. Ele tinha Amos para enviar oráculos às outras nações antes que ele enviasse um oráculo para Israel. Na profecia, talvez a mais surpreendente do Tanach, mandou a Isaías a mensagem de que chegará um tempo que D-s vai abençoar os inimigos de Israel: “O Senhor dos Exércitos os abençoará dizendo: ‘Bendito seja o Egito, meu povo, a Assíria minha obra, e Israel, minha herança’” (Is. 19:25).

D-s está preocupado com toda a humanidade. Portanto, o que fazemos como judeus faz a diferença para a humanidade, e não apenas em um sentido místico, mas como exemplo do que significa amar e ser amado por D-s. Outras nações iriam olhar para os judeus e sentir que algum poder maior trabalhava em sua história. Como o falecido Milton Himmelfarb colocou:

Cada judeu sabe quão totalmente comum ele é; ainda assim, quando considerados em conjunto, parecemos envolvidos em coisas grandes e inexplicáveis… O número de judeus no mundo é menor do que um pequeno erro estatístico no censo chinês. No entanto, continuamos a ser maiores do que os nossos números. Coisas grandes parecem acontecer em torno de nós e para nós (3).

Nós não fomos chamados para converter o mundo. Fomos chamados a inspirar o mundo. Como o profeta Zacarias colocou, um tempo chegará quando “Dez pessoas de todas as línguas e nações vão segurar firme em um judeu pela orla do seu manto e dizer: ‘Deixe-nos ir com você, porque temos ouvido que D-s está com você’” (Zacarias 8:23). Nossa vocação é sermos embaixadores de D-s para o mundo, dando testemunho, através da nossa maneira de viver, que é possível um pequeno povo sobreviver e prosperar sob as condições mais adversas, para construir uma sociedade de liberdade governada pela lei, para a qual todos assumimos responsabilidade coletiva, e para “agir com justiça, amar a misericórdia e andar humildemente” (4) com o nosso D-s. Vaetchanan é a declaração da missão do povo judeu.

E outros foram e ainda são inspirados por ela. A conclusão que eu tirei de uma vida vivida no terreno público é que os não-judeus respeitam os judeus que respeitam o judaísmo. Eles acham que é difícil entender por que os judeus, nos países onde existe uma verdadeira liberdade religiosa, abandonam sua fé ou definem a sua identidade em termos puramente étnicos.

Falando pessoalmente, acredito que o mundo em seu estado atual de turbulência precisa da mensagem judaica, que é a de que D-s nos conclama a sermos fiéis à nossa fé e uma bênção para os outros, independentemente de qual seja a fé de cada um. Imagine um mundo em que todos acreditassem nisso. Seria um mundo transformado.

Nós não somos apenas mais uma minoria étnica. Nós somos o povo que predicou a liberdade ensinando nossos filhos a amar, não a odiar. A nossa é a fé que consagrou o casamento e a família, e falou das responsabilidades muito antes de falar dos direitos. A nossa é a visão que vê o alívio da pobreza como uma tarefa religiosa porque, como disse Maimônides, você não pode ter pensamentos espirituais exaltados se você está morrendo de fome ou doente ou sem-teto e sozinho (5). Fazemos essas coisas não porque somos conservadores ou liberais, republicanos ou democratas, mas porque acreditamos que é o que D-s quer de nós.

Muito é escrito hoje em dia sobre o que e como do judaísmo, mas muito pouco sobre o por quê.  Moisés, no último mês de sua vida, ensinou o porquê. Foi assim como o maior dos líderes inspirou a ação, dos seus dias para os nossos.

Se você quer mudar o mundo, comece com o por quê.

 

NOTAS:
1- https://www.youtube.com/watch?v=u4ZoJKF_VuA.
2- Para mais detalhes, veja o livro baseado na palestra: Simon Sinek,Start with Why: How Great Leaders Inspire Everyone to Take Action. New York, Portfolio, 2009.
3- Milton Himmelfarb e Gertrude Himmelfarb. Jews and Gentiles. New York, Encounter, 2007, 141.
4- Micá 6:8.
5- O Guia dos Perplexos, III:27.
Texto original: “THE POWER OF WHY?” por Rabino Jonathan Sacks.
Tradução Rachel Klinger Azulay

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