VAYKRÁ

Posted on março 17, 2016

VAYKRÁ

A Busca do Significado

Uma parceria da Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema com o escritório do Rabino Jonathan Sacks (The Office of Rabbi Sacks)

A Declaração de Independência Americana fala dos direitos inalienáveis ​​da vida, da liberdade e da busca da felicidade. Recentemente, após o trabalho pioneiro de Martin Seligman, fundador da Psicologia Positiva, existem centenas de livros sobre a felicidade. No entanto, há algo mais fundamental ainda do que o sentido de uma vida bem vivida, qual seja, o significado. Os dois conceitos parecem similares. É fácil supor que as pessoas que encontram significado estão felizes, e as pessoas que estão felizes encontraram significado. Mas os dois não são a mesma coisa, e nem sempre se encontram.

A felicidade é, em grande parte, uma questão de satisfazer as necessidades e desejos. O significado, em contraste, trata-se de um senso de propósito na vida, especialmente fazendo contribuições positivas para a vida de outros. A felicidade é em grande parte sobre como você se sente no presente. O significado é sobre como você julga a sua vida como um todo: passado, presente e futuro.

A felicidade está associada com “tomar” e o significado com “doar”. Indivíduos que sofrem de estresse, preocupação ou ansiedade não são felizes, mas podem estar vivendo vidas ricas de significado. Infortúnios passados ​​reduzem a felicidade presente, mas muitas vezes as pessoas conectam esses momentos com a descoberta do significado. A felicidade não é exclusiva aos seres humanos. Os animais também experimentam contentamento quando os seus desejos e necessidades são satisfeitos. Mas o significado é um fenômeno distintamente humano. Não tem a ver com a natureza, mas com a cultura. Não é sobre o que nos acontece, mas sobre como nós interpretamos o que nos acontece. Pode haver felicidade sem significado, e pode haver significado na ausência de felicidade, mesmo no meio da escuridão e da dor (1).

Em um artigo fascinante no The Atlantic, ‘Há mais na vida do que ser feliz’ (2), Emily Smith argumentou que a busca da felicidade pode resultar em uma vida superficial e até mesmo relativamente egoísta. O que torna a busca de sentido diferente é que ela trata da busca de algo maior do que si mesmo.

Ninguém fez mais para colocar a questão do significado no discurso moderno do que o falecido Viktor Frankl, que teve um lugar proeminente nos ensaios sobre espiritualidade de Covenant and Conversation neste ano. Nos três anos que ele passou em Auschwitz, Frankl sobreviveu ajudando outros a sobreviver, ajudando-os a descobrir um propósito na vida, mesmo no meio do inferno na terra. Foi lá que ele formulou as ideias que depois transformaram-se em um novo tipo de psicoterapia com base no que ele chamou de “o homem em busca de sentido”. Seu livro de mesmo título, escrito ao longo de nove dias em 1946, já vendeu mais de dez milhões de cópias em todo o mundo, e é classificado como uma das obras mais influentes do século XX.

Frankl sabia que nos campos, aqueles que perderam a vontade de viver morreram. Ele nos conta como ele ajudou dois indivíduos a encontrar uma razão para sobreviver. Um deles, uma mulher, tinha um filho esperando por ela em outro país. Outro tinha escrito os primeiros volumes de uma série de livros de viagem, e ainda haviam outros para escrever. Ambos, portanto, tinham uma razão para viver.

Frankl costumava dizer que o caminho para encontrar significado não era perguntar o que queremos da vida. Em vez disso, deveríamos perguntar o que a vida quer de nós. Cada um de nós é um, disse ele, único: em nossos dons, nossas capacidades, nossas habilidades e talentos, e nas circunstâncias da nossa vida. Então, para cada um de nós existe uma tarefa que somente nós podemos realizar. Isso não quer dizer que somos melhores do que outros. Mas se acreditamos que estamos aqui por uma razão, então há um tikun, um conserto, que somente nós podemos realizar, um fragmento de luz que só nós podemos resgatar, um ato de bondade ou coragem ou generosidade ou de hospitalidade, mesmo uma palavra de encorajamento ou um sorriso, que só nós podemos realizar, porque nós estamos aqui, neste lugar, neste momento, diante desta pessoa, neste momento de sua vida.

“A vida é uma tarefa”, ele costumava dizer, e acrescentou: “O homem religioso difere do homem aparentemente sem religião apenas por experimentar sua existência não simplesmente como uma tarefa, mas como uma missão”. Ele ou ela está consciente de estar sendo convocado, chamado, por uma Fonte. “Por milhares de anos essa fonte tem sido chamada de D-s” (3).

Este é o significado da palavra que nomeia a nossa parashá e o terceiro livro da Torá: Vaykrá, “E Ele chamou”. O significado preciso desse verso de abertura é difícil de entender. Traduzido literalmente lê-se: “E Ele chamou Moisés, e D-s falou-lhe da tenda da Reunião, dizendo…”. A primeira frase parece ser redundante. Se somos informados que D-s falou a Moisés, por que dizer além disso, “E Ele chamou…”? Rashi explica como se segue:

E Ele chamou Moisés: Todo [tempo que D-s se comunicou com Moisés, seja usando a expressão] “E Ele falou” ou “E Ele disse”, ou “E Ele mandou”, foi sempre precedido por [D-s] chamando [Moisés pelo nome] (4). “Chamar” é uma expressão de afeto. É a expressão empregada pelos anjos ministros, como dito, “E um chamou pelo outro…” (Isaías 6:3).

Vaykrá, Rashi está nos dizendo, significa ser chamado para uma tarefa com amor. Essa é a fonte de uma das ideias-chave do pensamento ocidental, especificamente o conceito de uma vocação ou de um chamado, isto é, a escolha de uma carreira ou um modo de vida não apenas porque você quer fazê-lo, ou porque oferece certos benefícios, mas porque você se sente convocado para isso. Você sente que esse é o seu significado e sua missão na vida. Para realizar isso você foi colocado na terra.

Existem muitos desses chamados no Tanach. Houve o chamado que Abraão ouviu para deixar sua terra e família. Houve o chamado a Moisés na sarça ardente (Ex. 3:4). Houve aquele experimentado por Isaías quando ele teve uma visão mística de D-s em Seu Trono rodeado por anjos:

Então eu ouvi a voz do Senhor dizendo: “A quem enviarei? E quem irá por nós?” E eu disse, “Eis-me aqui. Envie-me!” (Isaías 6:8).

Um dos mais comoventes está na história do jovem Samuel, dedicado por sua mãe Haná para servir no santuário de Shiló, onde ele atuou como assistente de Eli, o sacerdote. Na cama à noite, ele ouviu uma voz chamando seu nome. Ele achou que era Eli. Correu para ver o que ele queria, mas Eli lhe disse que ele não tinha chamado. Isso aconteceu uma segunda vez e depois uma terceira, e então Eli percebeu que era D-s chamando a criança. Ele disse a Samuel que a próxima vez que a voz chamar seu nome, ele deve responder: “Diga, Senhor, pois o teu servo está escutando”. Não ocorreu à criança que poderia ser D-s convocando-o para uma missão, mas era isso. Assim começou sua carreira como um profeta, juiz e aquele que ungiu os dois primeiros reis de Israel, Saul e David (1 Samuel 3).

Quando vemos um erro a ser corrigido, uma doença a ser curada, uma necessidade a ser satisfeita, e sentimos que está nos falando, é quando chegamos o mais perto possível em uma era pós-profética de ouvir Vaykrá, o chamado de D-s. E por que a palavra aparece aqui, no início do terceiro e central livro da Torá? Porque o livro de Vaykrá é sobre sacrifícios, e uma vocação significa sacrifício. Estamos dispostos a fazer sacrifícios quando sentimos que eles são parte da tarefa que somos chamados a realizar.

Do ponto de vista da eternidade, podemos às vezes ser esmagados por um sentimento de nossa própria insignificância. Nós não somos mais do que uma onda no oceano, um grão de areia à beira do mar, poeira na superfície do infinito. Ainda assim, estamos aqui porque D-s quis que estivéssemos aqui, porque há uma tarefa que Ele quer que executemos. A busca de sentido é a empreitada para essa tarefa.

Cada um de nós é único. Mesmo gêmeos geneticamente idênticos são diferentes. Há coisas que só nós podemos fazer, nós que somos o que somos, neste tempo, neste lugar e nestas circunstâncias. Para cada um de nós D-s tem uma tarefa: um trabalho a ser realizado, uma gentileza para demostrar, um presente para dar, amor para compartilhar, solidão para aliviar, dor para curar, ou vidas quebradas para ajudar em seu conserto. Discernir essa tarefa, ouvindo Vaykrá “o chamado de D-s” é um dos grandes desafios espirituais para cada um de nós.

Como saber o que é? Alguns anos atrás, em Para curar um Mundo Fraturado (To Heal a Fractured World), ofereci o seguinte como um guia, e ainda me parece fazer sentido: Onde o que nós queremos fazer encontra o que é preciso ser feito, esse é o lugar onde D-s quer que estejamos.

NOTAS
1) Veja Roy F. Baumeister, Kathleen D. Vohs, Jennifer Aaker e Emily N. Garbinsky, ‘Some Key Differences between a Happy Life and a Meaningful Life’ (algumas diferenças-chave entre uma vida feliz e uma vida com significado). Journal of Positive Psychology 2013, Vol. 8, Ponto 6, Páginas 505-516.
2) Emily Smith, ‘There’s more to life than being happy’ (Há mais na vida do que ser feliz), The Atlantic, 9 Jan. 2013.
3) Viktor Frankl, The Doctor and the Soul: from Psychotherapy to Logotherapy (O doutor e a alma: da psicoterapia para a logoterapia), New York: A.A. Knopf, 1965, 13.
4) Rashi para Vaykrá 1:1.

Texto original: “THE PURSUIT OF MEANING” por Rabino Jonathan Sacks.
Tradução Rachel Klinger Azulay para a Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema

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