BALAK

Posted on julho 21, 2016

BALAK

O Que Faz D-s Rir

Uma parceria da Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema com o escritório do Rabino Jonathan Sacks (The Office of Rabbi Sacks)

Há um velho ditado que diz: o que faz D-s rir é ver nossos planos para o futuro (1). No entanto, se o Tanach é o nosso guia, o que faz D-s rir são as ilusões humanas de grandeza. Do ponto de vista do céu, o extremo absurdo é quando os seres humanos começam a pensar sobre si mesmos como um deus. Há vários exemplos apontados na Torá. Aquele cujo pleno significado só recentemente se tornou claro ocorreu na história da Torre de Babel. Homens se reúnem na planície de Shinar e decidem construir uma cidade e uma torre “que vai chegar ao céu”. Conforme aconteceu, temos confirmação arqueológica desse fato. Vários zigurates mesopotâmicos, incluindo o templo de Marduk na Babilônia, foram encontrados com inscrições dizendo que eles chegaram ao céu (2).

A ideia era que edifícios altos – montanhas feitas pelo homem – permitiam aos humanos subir para a morada dos deuses e, assim, comunicar-se com eles. As cidades-estados da Mesopotâmia estavam entre os primeiros lugares da civilização, isso em si foi um dos pontos de mutação na história da vida humana na terra. Antes do nascimento da agricultura, os antigos viviam com medo da natureza: de predadores, de outras tribos e bandos, e das vicissitudes do calor e do frio, seca e inundações. Seu destino dependia de questões alheias ao seu controle.

Somente com a propagação de animais domésticos e da agricultura é que foi promovida a reunião das pessoas em vilas, cidades e impérios. Um ponto de inflexão ocorreu no equilíbrio de poder entre a natureza e a cultura. Pela primeira vez os seres humanos não estavam confinados a se adaptar ao seu ambiente. Eles poderiam adaptar o ambiente para atende-los. Neste ponto, eles – especialmente os governantes – começaram a se ver como deuses, semideuses, ou pessoas com o poder de influenciar os deuses.

O símbolo mais visível disso eram as construções numa escala monumental: os zigurates da Babilônia e outras cidades da Mesopotâmia, e as pirâmides do Egito. Construídas sobre a terra plana do vale Tigre-Eufrates e do delta do Nilo, que se elevou sobre seus arredores. A grande pirâmide de Giza, construída mesmo antes do nascimento de Abraão, era tão monumental que se manteve a mais alta estrutura feita pelo homem na Terra por quatro mil anos.

O fato é que essas eram montanhas artificiais construídas por mãos humanas sugeriram aos seus construtores que os seres humanos tinham adquirido poderes divinos. Eles construíram uma escada para o céu. Daí o significado da frase no relato da Torá sobre a torre: “E o Senhor desceu para ver a cidade e a torre que os filhos dos homens tinham construído”. Esse é o riso de D-s. Na Terra, os seres humanos pensaram que tinham chegado ao céu, mas para D-s a construção foi tão infinitesimal, tão microscópica que ele teve que descer até mesmo para vê-la. Somente com a invenção do voo sabemos agora quão pequeno é a construção mais alta quando você está olhando para baixo de uns meros 10.000 metros.

Para terminar com a arrogância, D-s simplesmente “confundiu sua linguagem”. E Então eles não compreendiam uns aos outros. Todo o projeto foi transformado em farsa.

Podemos visualizar a cena. Um contramestre pede um tijolo e lhe entregam um martelo. Ele diz para um trabalhador que vá para a direita, e este vai para a esquerda. O projeto naufragou numa confusão de incompreensão. Os homens pensaram que poderiam subir para o céu, mas no final eles não podiam sequer entender o que a pessoa ao lado deles estava dizendo. A torre inacabada se tornou um símbolo do fracasso inevitável da alardeada ambição. Os construtores alcançaram o que buscavam, mas não da forma que pretendiam. Eles queriam “conquistar fama com sua façanha” e eles conseguiram. Mas ao invés de se tornar sinônimo de capacidade do homem para alcançar o céu, Babel se tornou um símbolo de confusão. Hubris, orgulho exagerado, tornou-se um inimigo.

O segundo exemplo foi o Egito durante as primeiras pragas. Moisés e Aarão transformaram a água do Nilo em sangue, e encheram o Egito com rãs. Em seguida, lemos que os mágicos egípcios fizeram o mesmo para mostrar que eles tinham o mesmo poder. Tão preocupados estavam para mostrar que eles poderiam fazer o que os hebreus faziam, que eles não perceberam que eles estavam fazendo coisas piores, não melhores. A real habilidade teria sido transformar o sangue de volta em água, e fazer as rãs desaparecem.

Nós ouvimos o riso Divino especialmente na terceira praga: piolhos. Pela primeira vez, os magos tentaram e não conseguiram replicar o efeito. Derrotados, eles se voltaram para o Faraó e disseram: “É o dedo de D-s”. É hilário quando nos lembramos que, para os egípcios, o símbolo do poder era a arquitetura monumental: pirâmides, templos, palácios e estátuas em uma escala maciça. D-s mostrou-lhes o Seu poder por meio do mais ínfimo dos insetos, quase invisível aos olhos. Novamente a arrogância tornou-se inimiga. Quando as pessoas pensam que são grandes, D-s lhes mostra que elas são pequenas – e vice-versa.  São aqueles que pensam em si como “pequenos” – assim como Moisés, o mais humilde dos homens – que são verdadeiramente grandes.

Isso explica o curioso episódio do burro falante de Bilam. Não é um conto de fantasia, nem simplesmente um milagre. Surgiu devido à forma como os povos de Moab e Midian pensavam de Bilam – e, talvez, por extensão, a forma como ele pensou de si mesmo. Balak, o rei moabita – juntamente com os líderes dos midianitas – enviou uma delegação a Bilam pedindo-lhe para amaldiçoar os israelitas: “Vinde, pois, amaldiçoe para mim este povo, pois eles são fortes demais para mim… porque eu sei que quem você abençoa é abençoado, e a quem tu amaldiçoares será amaldiçoado”.

Esta é uma compreensão pagã do homem santo: o xamã, o mago, a pessoa com acesso a poderes sobrenaturais. A opinião da Torá é precisamente o oposto. É D-s quem abençoa e amaldiçoa, não seres humanos. “Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei aos que tu amaldiçoarás”, disse D-s a Abraão. “Eles devem colocar o meu nome sobre os filhos de Israel, e eu os abençoarei”, disse ele aos sacerdotes. A ideia de que você pode contratar um homem santo para amaldiçoar alguém pressupõe, essencialmente, que D-s pode ser subornado.

A narrativa é reconhecidamente obscura. D-s diz a Bilam para não ir. Balak envia uma segunda delegação com uma oferta mais tentadora. Desta vez, D-s diz a Bilam para ir com eles, mas somente dizer o que Ele instrui-lo a dizer. Na manhã seguinte Bilam prepara-se para ir com os moabitas, mas o texto afirma agora que D-s estava “irritado” com ele por estar indo. Isso é quando o episódio do burro ocorre.

O burro vê um anjo barrando o caminho. Volta-se para o lado em um campo, mas Bilam bate e obriga-o a voltar ao caminho. O anjo ainda está barrando o caminho e o burro vira em uma parede, esmagando o pé de Bilam. Bilam bate nele novamente, o qual finalmente se deita e recusa a mover-se. É nesse momento que o burro começa a falar. Bilam, em seguida, olha e vê o anjo que tinha sido até então invisível para ele.

Por que D-s em primeiro lugar diz a Bilam para não ir, e depois que ele deve ir, e, em seguida, estava irritado quando ele foi? Evidentemente, D-s podia ler sua mente e sabia que Bilam realmente queria amaldiçoar os israelitas. Sabemos disso porque mais tarde, após a tentativa de amaldiçoar os israelitas falhar, Bilam foi bem sucedido em causar-lhes dano, aconselhando os midianitas a deixar as suas mulheres seduzirem os homens israelitas, provocando assim a ira de D-s (Num. 31:16). Bilam não era amigo dos israelitas.

Mas a história do burro falante é outra instância do riso Divino. Ali estava um homem com fama de ser um mestre de forças sobrenaturais. As pessoas pensavam que ele tinha o poder de abençoar ou amaldiçoar quem ele escolher.  D-s, a Torá nos diz, não age assim, de forma alguma. Ele tinha duas mensagens, uma para os moabitas e midianitas, outra para o próprio Bilam.

Ele mostrou aos moabitas e midianitas que Israel não é amaldiçoado, mas abençoado. Quanto mais você tenta amaldiçoá-los, mais serão abençoados, e você mesmo vai ser amaldiçoado. Isso é tão verdadeiro hoje como foi na época. Há movimentos em todo o mundo para amaldiçoar o Estado e o povo de Israel. Quanto maior a maldade dos inimigos de Israel, mais forte Israel se torna, e mais desastres seus inimigos trazem para seu próprio povo.

D-s tinha uma mensagem diferente para o próprio Bilam, e foi muito áspero. Se você acha que pode controlar D-s, então D-s diz: Eu vou te mostrar que posso virar um burro em um profeta e um profeta em um burro. Seu animal vai ver anjos para os quais você mesmo é cego. Bilam foi forçado a admitir:

Como posso amaldiçoar aqueles a quem D-s não amaldiçoou?
Como posso denunciar aqueles a quem o Senhor não denunciou?

Hubris sempre acaba se tornando inimigo. Em um mundo no qual os governantes estão envolvidos em projetos intermináveis ​​de auto engrandecimento, Israel sozinho produziu uma literatura em que atribui seu sucesso a D-s e seus fracassos a si mesmo. Longe de torná-los fracos, isso os fez extraordinariamente fortes.

Assim é conosco como indivíduos. Mencionei antes de um querido amigo, que já não se encontra entre nós, de quem se dizia que “ele encarava D-s tão seriamente que ele não precisa tomar-se a si mesmo à sério de modo algum”. Profetas pagãos como Bilam ainda não tinham aprendido a lição que devemos aprender todos os dias: o que importa não é que D-s faça o que queremos, mas sim que façamos o que Ele quer. D-s ri daqueles que pensam que têm poderes divinos. O oposto é verdadeiro. Quanto menor nos vemos, maior nos tornamos.

 

NOTAS:
(1) A versão de John Lennon é: “A vida é o que acontece enquanto voce está fazendo outros planos.”
(2) A Torre de Babel é referida no Enuma Elish como “Esagila”, que significa “casa da cabeça erguida” Nabopolassar e Nabucodonosor, ambos fizeram reparos nessa construção, com inscrições  que dizem “erga bem alto a cabeça” da torre  “para rivalizar com os céus.” Nahum Sarna, Understanding Genesis, 73.

 

Texto original: “What Makes God Laugh” por Rabino Jonathan Sacks.
Tradução Rachel Klinger Azulay

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