KORACH

Posted on julho 7, 2016

KORACH

Hierarquia e Política: A História Que Nunca Acaba

Uma parceria da Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema com o escritório do Rabino Jonathan Sacks (The Office of Rabbi Sacks)

Era uma clássica luta por poder. A única coisa diferente dos dramas usuais das cortes reais, reuniões de parlamento ou corredores do poder, era o fato de se passar no zoológico Burgers em Arnhem, Holanda, e os personagens principais serem chimpanzés machos.

O estudo de Frans de Waal, política de chimpanzés (1), tornou-se com razão um clássico. Nele descreve-se como o macho-alfa, Yeroen, tendo sido a força dominante por algum tempo, foi sendo cada vez mais desafiado por um jovem pretendente, Luit. Luit não podia destituir Yeroen sozinho, então ele formou uma aliança com outro jovem contendedor, Nikkie. Ao final Luit teve sucesso e Yeroen foi deposto.

Luit era bom no seu trabalho. Ele tinha habilidades para manter a paz dentro do grupo. Ele defendia os mais debilitados e, por consequência, era amplamente respeitado. As fêmeas reconheceram suas qualificações para a liderança e sempre estavam prontas para cuidar dele e deixa-lo brincar com seus filhos. Yeroen não tinha nada a ganhar ao se opor a ele. Ele já estava muito velho para se tornar o macho-alfa novamente. Entretanto, Yeroen decidiu juntar forças com o jovem Nikkie. Em uma noite eles pegaram Luit despreparado e mataram ele. O macho-alfa deposto teve sua vingança.

Lendo essa história eu pensei na história de Hillel em Pirkê Avot (2:6): “Ele viu um crânio boiando na água e disse: Porque você afogou outros, você foi afogado; E aqueles que afogaram você, serão eles mesmos afogados”. De fato, o estudo de Waal foi incluído em 1995 por Newt Gingrich – Orador republicano no congresso – entre os vinte e cinco livros recomendados para leitura para os jovens congressistas republicanos, justamente pela semelhança entre a disputa de poder entre os chimpanzés e as relações humanas (2).

Korach era um graduado na mesma escola de política maquiavélica. Ele entendeu as três regras básicas. Primeiro você precisa ser populista. Jogar com o descontentamento das pessoas e fazer parecer que você está do lado deles contra o líder atual. “Vocês foram muito longe!” Disse ele para Moisés e Aarão. “Toda a comunidade é sagrada, cada um deles, e o Senhor está com eles. Por que então vocês se colocam acima da Assembleia do Senhor?

Em segundo lugar, junte aliados. O próprio Korach era um Levita. Sua reclamação era que Moisés indicou seu irmão Aarão como sumo sacerdote. Evidentemente ele sentiu que sendo primo de Moisés – filho de Yitzhar, irmão do pai de Moisés e Aarão, Amram – deveria ter sido ele indicado para a posição. Ele achou injusto que as duas posições de liderança tenham sido destinadas para uma única família dentro do clã.

Korach dificilmente poderia esperar muito apoio dentro da sua própria tribo. Os outros levitas não tinham nada a ganhar com a deposição de Aarão. Ao invés disso, ele encontrou aliados dentre outros dois grupos descontentes: os Rubenitas, Datam e Aviram, e “250 Israelitas que eram homens de alto escalão dentro da comunidade, representantes na assembleia e famosos”. Os Rubenitas se achavam lesados por, sendo descendentes do primogênito de Jacob, não terem nenhum papel de liderança especial. De acordo com Ibn Ezra, os 250 “homens de alto escalão” estavam aborrecidos porque, depois do pecado do bezerro de ouro, a liderança passou dos primogênitos de cada tribo para a tribo de Levi unicamente.

A revolta estava fadada ao fracasso ao final considerando que as suas reclamações eram diferentes e não poderiam ser todas satisfeitas. Mas isso nunca parou alianças não sagradas. Pessoas com rancor são mais determinadas para destituir o líder do momento do que fazer qualquer plano de ação construtivo para si mesmos. “O ódio vence a racionalidade”, disseram os sábios (3). O orgulho machucado, o sentimento que a honra deveria ter sido dada a você, não para ele, levou a ações destrutivas e autodestrutivas desde que os humanos existem na terra.

Em terceiro lugar, escolha o momento que a pessoa que você quer destituir esteja vulnerável. Ramban destaca que a revolta de Korach aconteceu imediatamente após o episódio dos espiões e o veredito subsequente que o povo não iria entrar na terra até a próxima geração. Enquanto os Israelitas, quaisquer que fossem suas reclamações, sentiam que estavam se movimento em direção ao seu destino, não havia chance real de levantar o povo em revolta. Somente quando eles deram-se conta que eles não iriam viver para cruzar o Jordão a rebelião se tornou possível. O povo aparentemente não tinha nada a perder.

A comparação entre os humanos e os chimpanzés deve ser levada a sério. O Judaísmo entendeu já a muito tempo que o Homo Sapiens é uma mistura do que o Zohar chamou de nefesh ha-behamit e nefesh ha-Elokit, a alma animal e a alma Divina. Nós não somos mentes sem corpo. Temos desejos físicos, os quais estão codificados em nossos genes. Os cientistas falam hoje sobre três sistemas: o cérebro ‘réptil’ que produz as mais primárias respostas lute-ou-fuja, o cérebro ‘macaco’ que é social, emocional e sensível para a hierarquia, e o cérebro humano, o córtex pré-frontal, que é lento, reflexivo e capaz de pensar nas consequências de cursos de ação alternativos. Isso confirma o que Judeus e outros, Platão e Aristóteles entre eles, souberam já a muito tempo. É na tensão e interação entre esses sistemas que o drama da liberdade humana é encenado.

No seu livro mais recente, Frans de Waal destaca que “entre chimpanzés, a hierarquia permeia tudo”. Entre as fêmeas isso é assumido como certo e não leva a conflito. Mas entre os machos, “o poder está sempre pronto para ser pego”. Isso “deve ser disputado e a inveja guardada contra os contendedores”. Os chimpanzés machos se “socializam para auto engrandecimento e são tramadores maquiavélicos” (4). A pergunta é: nós também?

Essa não é uma questão pequena. Pode até ser a mais importante de todas se a humanidade vir a ter um futuro. Antropologistas concordam em geral que os primeiros humanos, os caçadores, eram em geral igualitários. Cada um tinha a sua responsabilidade no grupo. Os maiores objetivos deles era permanecer vivos, achar comida e evitar predadores. Não havia essa coisa de acumular riqueza. Foi somente com o desenvolvimento da agricultura, das cidades, do comércio, que a hierarquia veio a dominar as sociedades humanas. Havia normalmente um líder absoluto, uma classe governante (letrada), e as massas, usadas como trabalhadores nas construções monumentais e como tropas para o exército imperial. O Judaísmo entra no mundo como um protesto contra esse tipo de estrutura.

Vemos isso no capitulo de abertura da Torá, onde D-s cria a pessoa humana à sua imagem e semelhança, significando que somos todos igualmente fragmentos do Divino. Por que, perguntam os sábios, o homem foi criado sozinho? “Para que ninguém pudesse dizer, meus ancestrais eram maiores que os seus”. Algo desse igualitarismo pode ser identificado na observação de Moisés para Joshua, “Se todo o povo do Senhor fosse de profetas, Ele repousaria Seu espirito sobre eles”.

No entanto, como vários dos ideais da Torá – entre eles o vegetarianismo, a abolição da escravidão e a instituição da monogamia – o igualitarismo não poderia acontecer da noite para o dia. Levaria séculos, milênios e, em muitos casos, ainda não foi totalmente alcançado.

Haviam duas estruturas hierárquicas na Israel bíblica. Haviam reis e haviam sacerdotes, entre eles o sumo sacerdote. Ambos foram introduzidos após uma crise: a monarquia após o fracasso da governança dos ‘juízes’, e o sacerdócio levítico e de Aarão depois do pecado do bezerro de ouro. Ambos levaram, inevitavelmente, a tensão e divisão.

Israel bíblica sobreviveu como um reino unido (5) por apenas três gerações de reis e depois se dividiu em dois reinos. O sacerdócio se tornou uma grande fonte de divisão ao final da época do Segundo Templo, levando a divisões sectárias entre os saduceus, boetusianos e o resto. A história de Korach explica o porquê. Onde houver hierarquia, haverá competição de quem é o macho-alfa.

A hierarquia é uma característica inevitável de todas as civilizações avançadas? Maimônides parece dizer que sim. Para ele, a monarquia era uma instituição positiva, não uma mera concessão. Abarbanel parece dizer não. Há passagens em seus escritos que sugerem que ele era um anarquista utópico que acreditava que em um mundo ideal ninguém governaria sobre ninguém. Iriamos cada um reconhecer somente a soberania de D-s.

Juntando a história de Korach e a versão dos chimpanzés de Frans de Waal para House of Cards, a conclusão parece seguir a linha que onde há hierarquia, haverá disputas para o cargo de macho-alfa. O resultado é o que Thomas Hobbes chamou “um desejo perpetuo e inquieto de poder após poder, que só se encerra na morte”.

Foi por isso que os rabinos não focaram suas atenções para as coroas do reinado ou do sacerdócio, mas para a coroa nao-hierárquica da Torá, a qual está aberta para todos que a buscam. Aqui a competição não leva ao conflito, mas a um incremento de sabedoria (6), e onde o próprio céu, vendo os sábios discordarem, diz, “essas e aquelas são as palavras do D-s vivente” (7).

A história de Korach se repete a cada geração. O antidoto é a imersão diária no mundo alternativo do estudo da Torá, que busca a verdade e não o poder, e valoriza todos igualmente como vozes em uma conversa sagrada.

 

NOTAS:
(1) Frans de Waal, Política de Chimpanzé, Londres, Capa, 1982.
(2) Esse ensaio foi escrito nos dias após a votação do Brexit na Grã-Bretanha, quando uma disputa estava acontecendo para a liderança dos dois maiores partidos políticos. Eu deixo o leitor fazer qualquer tipo de comparação, tanto com a política dos primatas quanto com a história de Korach.
(3) Bereshit Rabá 55:8.
(4) Frans de Waal, Somos espertos o suficiente para saber o quão espertos são os animais? Nova Iorque, Norton, 2016, 168.
(5) Após a votação do Brexit, a pergunta que está sendo feita na Grã-Bretanha é se o Reino Unido vai continuar sendo um reino unido.
(6) Baba Batra 21a.
(7) Eruvin 13b; Guitin 6b.

 

Texto original: “HIERARCHY AND POLITICS: THE NEVER-ENDING STORY” por Rabino Jonathan Sacks.
Tradução Rachel Klinger Azulay para a Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema

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