NITZAVIM

Posted on setembro 28, 2016

NITZAVIM

Não No Céu

Uma parceria da Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema com o escritório do Rabino Jonathan Sacks (The Office of Rabbi Sacks)

Quando eu era um estudante na universidade, na década de 1960 – a era dos protestos estudantis, drogas psicodélicas e os Beatles meditando com o Maharishi Mahesh Yogi – surgiu essa história. Uma mulher americana judia na casa dos sessenta anos viajou para o norte da Índia para ver um famoso guru. Havia uma enorme multidão esperando para ver o homem santo, mas ela saiu empurrando dizendo que precisava vê-lo urgentemente. Finalmente, após a atravessar a multidão, ela entrou na tenda e pôs-se na presença do próprio mestre. O que ela disse naquele dia virou lenda. Ela disse: “Marvin, ouça a sua mãe. Já basta. Venha para casa”.

A partir dos anos sessenta, judeus fizeram seu caminho em muitas religiões e culturas com uma exceção notável: a sua própria. No entanto, o judaísmo historicamente teve seus místicos e meditadores, seus poetas e filósofos, seus homens e mulheres santos, seus visionários e profetas. Muitas vezes parecia como se o desejo que temos para a iluminação espiritual seja diretamente proporcional à sua distância, à sua estranheza, ao seu desconhecimento. Nós preferimos buscar o que está longe ao invés do que está próximo.

Eu costumava pensar que isso ocorria unicamente para a nossa estranha época, mas na verdade Moisés já previa essa possibilidade:

Agora o que eu hoje te ordeno não é demasiado difícil para você ou está fora de seu alcance. Não está no céu, de modo que você teria que perguntar: “Quem subirá ao céu para obtê-lo e proclamá-lo a nós para que possamos cumpri-lo?” Nem está além do mar, de modo que você teria de perguntar: “Quem vai atravessar o mar para obtê-lo e nos permitir ouvi-lo para que possamos cumprir?” Não, a palavra está muito perto de você; está em sua boca e em seu coração para que você possa obedecê-la (Deut. 30:11-14).

Moisés teve um insight que os judeus iriam dizer no futuro que para encontrar inspiração temos que subir ao céu ou atravessar o mar. Está em qualquer lugar, menos aqui. E assim foi durante grande parte da história de Israel durante os períodos do Primeiro e do Segundo Templo. Primeiro veio a época em que as pessoas foram tentadas pelos deuses dos povos ao seu redor: o cananeu Baal, o moabita Quemos, ou Marduk e Astarte na Babilônia. Mais tarde, em tempos do Segundo Templo, eles foram atraídos para o helenismo em suas formas gregas ou romanas. É um fenômeno estranho, melhor expresso na linha memorável de Groucho Marx: “Eu me recuso a fazer parte de um clube que me aceitaria como membro”. Os judeus sempre tiveram uma tendência de se apaixonar por pessoas que não gostam deles e buscar quase qualquer caminho espiritual, desde que ele não seja o seu próprio. Mas é muito debilitante.

Quando grandes mentes deixam o judaísmo, o judaísmo perde grandes mentes. Quando aqueles que estão em busca de espiritualidade vão para outro lugar, a espiritualidade judaica sofre. E isso tende a acontecer precisamente na forma paradoxal que Moisés descreve várias vezes em Devarim. Ela ocorre em épocas de afluência e não pobreza, em épocas de liberdade e não de escravidão. Quando nós parecemos ter pouco para agradecer a D-s, damos graças a D-s. Quando temos muito para ser gratos, esquecemos.

A época em que os judeus adoravam ídolos ou se tornaram Helenizados foi no tempo do Templo, quando os judeus viviam em sua terra, apreciando tanto a soberania ou a autonomia. A época em que abandonaram o judaísmo na Europa foi o período da emancipação, a partir do final do século XVIII e início do século XX quando, pela primeira vez, tinham direitos civis.

A cultura circundante, na maioria desses casos, era hostil aos judeus e ao judaísmo. No entanto, os judeus frequentemente preferiram adotar a cultura que os rejeitou, em vez de abraçar o que era deles por nascimento e herança, onde tinham a oportunidade de estar à vontade. O resultado foi muitas vezes trágico.

O fato de se tornarem adoradores de Baal não levou os Israelitas a serem recebidos pelos Cananeus. O fato de se tornarem Helenizados não os valorizou, quer com gregos ou romanos. Terem abandonado o judaísmo no século XIX não terminou com o antissemitismo; inflamou-o. Daí o poder da insistência de Moisés: para encontrar a verdade, beleza e espiritualidade, você não tem que subir para o céu ou atravessar o mar. “A palavra está muito perto de você; está em sua boca e em seu coração para que você possa obedecê-la”.

O resultado foi que os judeus enriqueceram outras culturas mais do que a sua própria. Parte da Oitava Sinfonia de Mahler é uma missa católica. Irving Berlin, filho de um chazan, escreveu “Eu estou sonhando com um Natal branco”. Felix Mendelssohn, neto de um dos primeiros judeus “iluminados”, Moses Mendelssohn, compôs música sacra e reabilitou a negligenciada Paixão segundo São Mateus de Bach. Simone Weil, uma das mais profundas dos pensadores cristãos do século XX, descrita por Albert Camus como “o único grande espírito dos nossos tempos”, nasceu de pais judeus. Assim também Edith Stein que foi celebrada pela Igreja Católica como uma santa e mártir, mas foi assassinada em Auschwitz porque para os nazistas ela era judia. E assim por diante.

Terá isso decorrido pelo fracasso da Europa em não aceitar o judaísmo dos judeus e o próprio Judaísmo? Terá sido isso um fracasso do próprio Judaísmo em enfrentar o desafio? O fenômeno é tão complexo que desafia qualquer explicação simples. Mas, no processo, perdemos grandes artes, grandes intelectos, grandes espíritos e mentes.

Em certa medida, a situação mudou tanto em Israel quanto na Diáspora. Tem havido muita música nova judaica e um renascimento do misticismo judaico. Houve escritores judeus importantes assim como pensadores. Mas ainda somos espiritualmente insuficientes. As raízes mais profundas da espiritualidade vêm de dentro: a partir de dentro de uma cultura, uma tradição, uma sensibilidade. Elas vêm da sintaxe e da semântica da linguagem nativa da alma: “A palavra está muito perto de você; está em sua boca e em seu coração para que você possa obedecê-la”.

A beleza da espiritualidade judaica é precisamente o fato de que no judaísmo D-s está próximo. Você não precisa escalar uma montanha ou entrar em um ashram para encontrar a presença divina. É ali, em torno da mesa para uma refeição de Shabat, à luz das velas e na simples santidade do vinho do Kidush e das Chalot, no louvor da Eshet chayil e na bênção das crianças, que se alcança a paz de espírito, quando você deixa o mundo para cuidar dessa paz por um dia, enquanto você comemora as boas coisas que não vêm do trabalho, mas do descanso, e não das compras, mas do desfrutar das dádivas que você teve o tempo todo, mas não teve tempo para apreciar.

No judaísmo, D-s está perto. Ele está lá na poesia dos salmos, a maior das literaturas da alma já escrito. Ele está lá escutando os nossos debates enquanto estudamos uma página do Talmud ou oferecendo novas interpretações de textos antigos. Ele está lá na alegria das festas, nas lágrimas de Tishá be Av, nos ecos do shofar de Rosh Hashaná e na contrição de Yom Kipur. Ele está lá no próprio ar da terra de Israel e nas pedras de Jerusalém, onde o mais antigo dos antigos e o mais novo dos novos se misturam como amigos íntimos.

D-s está próximo. Essa é a sensação avassaladora que tenho de uma vida de envolvimento com a fé dos nossos antepassados. O judaísmo não precisou de catedrais, de mosteiros, de teologias encobertas, nem de ingenuidades metafísicas, embora todos estes sejam belos, porque para nós D-s é o D-s de todos e em toda parte, que tem tempo para cada um de nós, e que nos encontra onde estamos, se estivermos dispostos a abrir nossa alma para ele.

Eu sou um rabino. Durante vinte e dois anos eu era rabino-chefe. Mas no final eu acho que fomos nós, os rabinos, que não fizemos o suficiente para ajudar as pessoas a abrir as suas portas, as suas mentes e os seus sentimentos para a Presença-além-do-universo-que-nos-criou-no-amor, que os nossos antepassados ​​conheciam tão bem e amavam tanto. Nós estávamos com medo. Dos desafios intelectuais de uma cultura cada vez mais secularizada. Dos desafios sociais de ver judeus ou o judaísmo ou o Estado de Israel criticado ou condenado. Por isso, retiramo-nos para trás de um muro alto, pensando que isso traria segurança. Muros altos nunca nos fazem estar em segurança; eles só fazem você ter medo (1). A única coisa que faz com que você esteja seguro é enfrentar os desafios sem medo e inspirar outros a fazerem o mesmo.

O que Moisés quis dizer com essas palavras extraordinárias, “não está no céu… nem para além do mar”, foi: “Kinderlech, seus pais tremeram quando ouviram a voz de D-s no Sinai. Eles estavam amedrontados. Eles disseram: Se ouvirmos mais, vamos morrer. Então, D-s encontrou maneiras em que você pode encontrá-lo sem ficar amedrontado. Sim, ele é o criador, soberano, poder supremo, causa primeira, motor dos planetas e das estrelas. Mas ele também é pai, sócio, amante, amigo. Ele é Shechiná, que vem de shachen, ou seja, o vizinho do lado.

Então Lhe agradeça todas as manhãs pelo dom da vida. Diga o Shemá duas vezes por dia pelo presente do amor. Junte a sua voz a outros em oração para que seu espírito possa fluir através de você, dando-lhe a força e a coragem para mudar o mundo. Quando você não pode vê-lo, é porque você está olhando na direção errada. Quando ele parece ausente, ele está ali atrás da porta, mas você precisa abri-la.

Não o trate como um estranho. Ele te ama. Ele acredita em você. Ele quer o seu sucesso. Para encontrá-lo você não tem que subir para o céu ou atravessar o mar. É dele a voz que você ouve no silêncio da alma. É dele a luz que você vê quando abre os olhos para se maravilhar. É dele a mão que você toca no poço do desespero. É dele a respiração que lhe dá vida.

 

NOTA:
1- Veja Rashi para Num. 13:18.

 

Texto original: “NOT IN HEAVEN” por Rabino Jonathan Sacks.
Tradução Rachel Klinger Azulay

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