VAYETSÊ

Posted on novembro 23, 2017

VAYETSÊ

Das Profundezas

O que Jacob acrescentou à experiência judaica? O que achamos nele que não encontramos na mesma medida em Abraham e Isaac? Por que é o nome dele – Jacob / Israel – que nós carregamos em nossa identidade? Como foi que todos os seus filhos permaneceram dentro da fé? Tem alguma coisa dele em nosso DNA espiritual? Há muitas respostas. Eu exploro uma aqui, e outra na próxima semana em Vayshlach.

Jacob era o homem cujos encontros espirituais mais profundos aconteciam quando ele estava em uma jornada, sozinho e com medo, na escuridão da noite, fugindo de um perigo para o outro. Na parashá desta semana nós o vemos fugir de Esaú e prestes a encontrar Labão, um homem que lhe causaria grande sofrimento. Na parashá da próxima semana nós o vemos fugir na direção oposta, de Labão a Esaú, um encontro que o encheu de medo: ele estava “com muito medo e angustiado”. Jacob era supremamente o homem de fé solitário.

No entanto, é precisamente nesses momentos de medo máximo que ele teve experiências espirituais que não têm paralelo na vida de Abraão ou Isaac – nem mesmo de Moisés. Na parashá desta semana ele tem a visão de uma escada que se estende da terra ao céu, com os anjos subindo e descendo, no final da qual ele declara: “Certamente D-s está neste lugar e eu não sabia… Como é incrível este lugar! Isso não é senão a casa de D-s, e isso, o portão do céu!” (Gen. 28:16-17).

Na semana que vem, entre sua fuga de Labão e seu encontro iminente com Esaú, ele luta com um estranho – descrito como um homem, um anjo e o próprio D-s – recebe um novo nome – Israel – e diz, nomeando o lugar do encontro Peniel: “Eu vi D-s face a face e minha vida foi poupada” (Gen. 32:31).

Esse não foi um momento qualquer na história da fé. Nós normalmente assumimos que os grandes encontros espirituais acontecem no deserto, no topo de uma montanha, em um mosteiro, em um retiro, em um lugar onde a alma esteja em repouso, o corpo calmo e a mente em um estado de expectativa. Mas isso não é Jacob, nem é o encontro judaico primário. Sabemos o que é encontrar com D-s com medo e tremor. Através de muitos – felizmente não todos, mas muitos – encontros da história judaica, nossos antepassados ​​encontraram D-s em noites escuras e lugares perigosos. Não é por acaso que o rabino Joseph Soloveitchik chamou seu ensaio mais famoso de The Lonely Man of Faith (o homem de fé solitário), nem que Adin Steinsaltz chamou um de seus livros sobre o judaísmo de The Strife of the Spirit (o conflito do espírito).

Às vezes é quando nos sentimos mais sozinhos que descobrimos que não estamos sozinhos. Podemos encontrar D-s em meio ao medo ou ao sentimento de fracasso. Aconteceu comigo exatamente quando eu me senti mais inadequado, desanimado, abandonado, desdenhado pelos outros, descartado e desprezado. Foi então que senti a mão de D-s se esticando para me salvar, do jeito que um estranho fez quando eu estava a ponto de me afogar no mar italiano na minha lua de mel (1). Esse é o dom de Jacob / Israel, o homem que encontrou D-s no coração das trevas.

Jacob foi o primeiro, mas não o último. Lembre Moisés em seu momento de crise, quando ele disse as terríveis palavras: “Se isso for o que Você vai fazer comigo, mate-me agora se eu tiver achado favor à Sua vista, e não me deixe ver minha miséria” (Num. 11:15). Foi quando D-s permitiu que Moisés visse o efeito de seu espírito em setenta anciãos, um dos raros casos de um líder espiritual que viu a influência que ele teve nos outros em sua vida.

Foi quando Elias estava cansado até pedir para morrer que D-s lhe enviou a grande revelação no monte Horeb: o turbilhão, o fogo, o terremoto e a voz mansa e serena (1 Reis 19). Houve um tempo em que Jeremias se sentiu tão baixo que ele disse: “Maldito seja o dia em que nasci, não seja abençoado o dia em que minha mãe me deu a luz… Por que eu saí do útero, para ver trabalho e tristeza, e acabar com os meus dias com vergonha?” (Jer. 20:14,18). Foi depois disso que ele teve suas profecias mais gloriosas cheias de esperança do retorno de Israel do exílio e do amor eterno de D-s para Seu povo, uma nação que viveria tanto quanto o sol, a lua e as estrelas (Jer. 31).

Talvez ninguém tenha falado com mais emoção sobre essa condição do que o rei David em seus salmos mais agitados. No salmo 69 ele fala como estivesse se afogando:

Salve-me, ó D-s, porque as águas chegaram ao meu pescoço.
Eu afundo nas profundezas da lama, onde não há ponto de apoio (Salmo 69:2-3).

Então há o versículo tão famoso para os cristãos quanto para os judeus: “Meu D-s, meu D-s, por que Você me abandonou?” (Salmo 22:2). E os igualmente famosos: “Das profundezas clamo a Você Senhor” (Salmo 130:1).

Essa é a herança de Jacob, que descobriu que você pode encontrar D-s, não apenas quando você está cuidando pacificamente de suas ovelhas, ou se junta a outros em oração no Templo ou na sinagoga, mas também quando você está em perigo, longe de casa, com o perigo diante de você e o medo por trás.

Esses dois encontros, na parashá desta semana e na próxima, também nos fornecem metáforas poderosas da vida espiritual. Às vezes, nós a experimentamos como se subindo uma escada, degrau a degrau. Cada dia, semana, mês ou ano, enquanto estudamos e compreendemos mais, chegamos um pouco mais perto do céu na medida que aprendemos a ficar acima da disputa, elevando-nos acima de nossas emoções reativas, e começando a sentir a complexidade da condição humana. Isso é a fé como uma escada.

Então há a fé como uma luta, enquanto lutamos com nossas dúvidas e hesitações, acima de tudo com o medo (é chamado de “síndrome de impostor”) de não sermos tão grandes quanto as pessoas pensam que somos ou como D-s quer que sejamos (2). Dessas experiências, nós, como Jacob, podemos acabar mancando. No entanto, é de tais experiências que também podemos descobrir que estamos lutando com um anjo que nos força e nos apresenta uma força que não sabíamos que tínhamos.

Os grandes músicos têm o poder de sofrer a dor e transformá-la em beleza (3). A experiência espiritual é ligeiramente diferente da estética. O que importa na espiritualidade é a verdade, não a beleza: a verdade existencial do eu quase infinitesimal encontra o Infinito-Outro e eu encontro o meu lugar na totalidade das coisas e uma força, não a minha própria, corre através de mim, elevando-me para a segurança acima das águas furiosas da alma perturbada.

Esse é o dom de Jacob, e essa é a sua ideia que muda a vida: das profundezas podemos alcançar as alturas. As crises mais profundas de nossas vidas podem ser os momentos em que encontramos as verdades mais profundas e adquirimos nossas maiores forças.

 

NOTAS:
1) Eu contei a história no vídeo Understanding Prayer: Thanking and Thinking. Eu também trato disso no meu livro, Celebrating Life.
2) Há, claro, o fenômeno oposto, daqueles que pensam que ficaram maiores que o judaísmo, que eles são maiores que a fé dos seus antepassados. Sigmund Freud parece ter sofrido dessa condição.
3) Para mim o exemplo supremo é o Quinteto Adágio das cordas de Schubert em C Maior op. 163, escrito apenas dois meses antes do falecimento do compositor.

 

Texto original: “OUT OF THE DEPTHS” por Rabino Jonathan Sacks
Tradução Rachel Klinger Azulay para a Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema

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