YTRO

Posted on janeiro 30, 2024

YTRO

Ação e Crença

A parashá de Yitro registra o momento revolucionário quando D-s, Criador do Céu e da Terra, celebrou um acordo mutuamente vinculativo com uma nação, os Filhos de Israel, um acordo que chamamos de brit, uma aliança.

Agora, esta não é a primeira aliança Divina na Torá. D-s já havia feito uma com Noah, e através dele toda a humanidade, e fez outro com Avraham, cujo sinal era a circuncisão. Mas esses pactos não eram totalmente recíprocos. D-s não pediu a concordância de Noah, nem esperou pelo consentimento de Avraham.

O Sinai era um assunto diferente. Pela primeira vez, Ele quis que a aliança fosse totalmente mútua, aceita livremente. Assim, descobrimos que – tanto antes como depois da Revelação no Sinai – D-s ordena a Moisés que se certifique de que o povo realmente concorda.

O ponto é fundamental. D-s quer governar pelo direito, não pela força. O D-s que trouxe um povo escravizado à liberdade busca a adoração livre de seres humanos livres.

D-s não age em relação às Suas criaturas como um tirano. (Avodá Zará 3a)

Assim nasceu no Sinai o princípio que foi, milénios mais tarde, descrito por Thomas Jefferson na Declaração de Independência Americana, a ideia de que os governadores e os governos derivam “os seus justos poderes do consentimento dos governados”. D-s queria o consentimento dos governados. É por isso que a Aliança do Sinai estava condicionada ao acordo do povo.

É certo que o Talmud questiona até que ponto os israelitas eram realmente livres e usa uma imagem surpreendente. Diz que D-s suspendeu a montanha acima de suas cabeças e disse: “Se você concorda, tudo bem. Se não o fizer, aqui será o seu enterro.” Esse é outro assunto para outra hora. Basta dizer que não há indicação disso no sentido claro do próprio texto.

O que é interessante é o texto exato com que os israelitas sinalizam o seu consentimento. Repetindo: eles fazem isso três vezes, primeiro antes da Revelação, e depois duas vezes depois, na parashá de Mishpatim.

Ouça os três versos. Antes da Revelação:

Todo o povo respondeu em uníssono e disse: ‘Tudo o que D-s falou, faremos [na’aseh]’. (Ex. 19:8)

Depois:

Moisés veio e contou ao povo todas as palavras de D-s e todas as leis. Todas as pessoas responderam com uma única voz: ‘Faremos [na’aseh] cada palavra que D-s falou.’ (Ex. 24:3)

Ele pegou o Livro da Aliança e leu-o em voz alta para o povo. Eles responderam: ‘Faremos [na’aseh] e ouviremos [ve-nishma] tudo o que D-s declarou.’ (Ex. 24:7)

Observe a diferença sutil. Em dois casos o povo diz: tudo o que D-s disser, faremos. Na terceira, utiliza-se o verbo duplo: na’aseh ve-nishma. “Faremos e ouviremos (ou obedeceremos, ou ouviremos, ou compreenderemos).” A palavra shema significa “compreender”, como vemos na história da Torre de Babel:

“Vinde, desçamos e confundamos a sua fala, para que uma pessoa não entenda a fala da outra.” (Gênesis 11:7)

Agora observe que há outra diferença entre os três versículos. Nos dois primeiros casos há uma clara ênfase na unidade do povo. Ambas as frases são muito marcantes. A primeira diz: todas as pessoas responderam como uma só. A segunda diz: Todas as pessoas responderam com uma única voz. Num livro que enfatiza quão rebelde e dividido o povo, tais declarações de unanimidade são significativas e raras. Mas o terceiro versículo, que menciona tanto fazer como ouvir ou compreender, não contém tal afirmação. Simplesmente diz: Eles responderam. Não há ênfase na unanimidade ou no consenso.

O que temos aqui é um comentário bíblico sobre uma das características mais marcantes de todas no Judaísmo: a diferença entre ação e crença, entre asiyah e shemiyah, entre fazer e compreender.

Os cristãos têm teologia. Os judeus têm lei. Estas são duas abordagens muito diferentes da vida religiosa. O Judaísmo trata de uma comunidade de ação. É sobre a maneira como as pessoas interagem no relacionamento umas com as outras. Trata-se de trazer D-s para os espaços partilhados da nossa vida coletiva. Assim como conhecemos a D-s através do que Ele faz, D-s nos pede para incluí-Lo naquilo que fazemos. No começo, como disse Goethe, estava a ação. É por isso que o Judaísmo é uma religião de lei, porque a lei é a arquitetura do comportamento.

Quando se trata, no entanto, de crença, credo, doutrina, todas as coisas que dependem de shemiyah em vez de asiyah, de compreensão em vez de ação: neste ponto o Judaísmo não exige unanimidade. Não porque o Judaísmo não tenha crenças. Pelo contrário, o Judaísmo é o que é precisamente por causa das nossas crenças, principalmente a crença no monoteísmo, de que existe, pelo menos e no máximo, um D-s. A Torá nos fala em Bereshit sobre a criação, em Shemot sobre a redenção e na parashá desta semana sobre a revelação.

O Judaísmo é um conjunto de crenças, mas não é uma comunidade baseada na unanimidade sobre a forma como entendemos e interpretamos essas crenças. Reconhece que intelectual e temperamentalmente somos diferentes. O Judaísmo teve seus racionalistas e seus místicos, seus filósofos e seus poetas, seus naturalistas e seus sobrenaturalistas: Rabino Ishmael e Rabino Akiva, Judah Halevi e Maimônides, o Vilna Gaon e o Baal Shem Tov. Buscamos a unanimidade na halachá, não na agadá. Na’aseh, agimos da mesma maneira, mas nishma, entendemos cada um à sua maneira. Essa é a diferença entre a maneira como servimos a D-s, coletivamente, e a maneira como entendemos D-s, individualmente.

O que é fascinante é que esta característica bem conhecida do Judaísmo já está sinalizada na Torá: na diferença entre a forma como ela fala sobre na’aseh, “como um”, “com uma única voz”, e nishma, sem nenhum consenso coletivo.

Nossos atos, nossos na’aseh, são públicos. Nossos pensamentos, nosso nishma, são privados. É assim que servimos a D-s juntos, mas nos relacionamos com Ele individualmente, na singularidade do nosso ser.

 

Texto original “Deed and Creed” por Rabbi Lord Jonathan Sacks zt’l

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